Um indígena morreu ao ser atropelado por um avião de garimpeiros em uma pista na comunidade Homoxi, Terra Indígena Yanomami, em Roraima. A afirmação é do presidente do Conselho de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuanna (Condisi-YY), Júnior Hekurari Yanomami, que, nesta sexta-feira (30), comunicou as autoridades sobre o caso.
A vítima tinha 25 anos e se chamava Edgar Yanomami. O atropelamento foi por volta de 14h30 de quarta-feira (28), informou Hekurari. O jovem indígena morreu na hora. Depois do acidente, pousou no local uma segunda aeronave que foi apreendida pelos indígenas.
Segundo o presidente da Condisi-YY, Homoxi é uma comunidade que foi cercada pelo garimpo ilegal na região, de forma que indígenas vivem no meio dos invasores.
Segundo relatos feitos ao Condisi-YY, após o acidente, os próprios garimpeiros levaram o corpo de Edgar para a comunidade Yamasipiu, região de Haxiu, distante cerca de 15 Km de onde ocorreu o atropelamento.
“O Yanomami, de 25 anos, foi atropelado pelo avião dos garimpeiros. Ele estava encostado no mato [próximo da pista]. Morreu na hora, no local. O piloto, que tem o apelido de ‘Marreco’, fugiu no próprio avião que atropelou. Os próprios garimpeiros pegaram o corpo e levaram para uma outra comunidade isolada”, disse Hekurari.
A pista onde ocorreu o atropelamento foi aberta no meio da floresta por volta de 1980 por garimpeiros. Hoje em dia, ela também é usada pela Sesai para levar servidores que atuam no posto da comunidade.
Um ofício relatando a morte do jovem e cobrando providências, feito pelo Condisi-YY, foi enviado à Polícia Federal, Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami e Ye’kuana da Fundação Nacional do Índio (Funai), Polícia Civil, Ministério Público Federal, Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami e Secretaria Especial de Saúde Indígena – subordinados ao Ministério da Saúde.
Procurada, a Polícia Civil informou que não foi registrado boletim de ocorrência e o Instituto Médico Legal (IML) também não foi acionado para remover o corpo. Disse ainda que não recebeu o ofício do Condisi-YY.
O G1 questionou todas as demais instituições citadas sobre como vão direcionar o caso e aguarda resposta.
No documento, o Condisi-YY classificou o episódio como “trágico e extremo” e criticou que nenhuma das cobranças anteriores para que autoridades retirassem garimpeiros da reserva “não se converteu em medidas efetivas para sequer minimizar o problema da invasão da Terra Indígena Yanomami por criminosos.”
“O indisfarçado e desprezível homicídio ocorrido na Região do Homoxi, ataca às mais sensíveis liberdades individuais do Povo Yanomami, numa franca estratégia deliberada e sistemática de silenciamento e intimidação desse povo que busca resistir à destruição do seu modo de vida pela invasão do seu território por garimpeiros ilegais.”
Indígenas que vivem em Homoxi disseram que os garimpeiros ainda tentaram suborná-los com ouro para que eles não divulgassem nada sobre o atropelamento.
“Ele foi atropelado 14h30 e disseram que umas 15h20 eles levaram o corpo de helicóptero. Os garimpeiros falaram para os yanomami não denunciar e deram ouro para a família dele. Eu vi o ouro, mas não tinha como tirar foto. Tinham muitos garimpeiros armados no local”, disse Hekurari, acrescentando que os invasores circulam normalmente entre os indígenas que vivem em Homoxi.
Ainda conforme Hekurari, os indígenas e os próprios garimpeiros contaram que o corpo, junto com a esposa e os três filhos da vítima, foi retirado da comunidade em um helicóptero dos garimpeiros. Depois do acidente, um outro avião de pequeno porte pousou na pista e foi retido pelos indígenas. O piloto fugiu.
“O pessoal segurou esse avião pensando que era ele de novo [o piloto] pousando e está lá, retido. Furaram os pneus”, disse. Hekurari identificou que havia manchas de sangue na pista onde ocorreu ao atropelamento.
Durante o tempo em que esteve em Homoxi, Hekurari disse ter notado que o movimento de garimpeiros é intenso na localidade. “Homoxi é uma comunidade que fica dentro do garimpo. Quer dizer, destruíram a comunidade [com a invasão garimpeira]”, disse.
“Enquanto estive lá, vi uns 10 ou 11 helicóptero pousando. […] Os garimpeiros controlam a pista. Antes de descer, demos muitas voltas até liberarem a pista “, afirmou o presidente do Condisi-YY.
Em Homoxi vivem cerca de 254 yanomami. A comunidade é uma das três citadas na denúncia feita pelo Condisi-YY de que servidores da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, vacinaram garimpeiros em troca de ouro. O Ministério da Saúde e o Ministério Público Federal (MPF) investigam.
Maior reserva indígena do Brasil, a Terra Yanomami tem quase 10 milhões de hectares entre os estados de Roraima e Amazonas, e parte da Venezuela. Cerca de 27 mil indígenas vivem na região em mais de 360 comunidades.
A área é alvo do garimpo ilegal de ouro desde a década de 1980. Mas, nos últimos anos, essa busca pelo minério se intensificou, causando além de conflitos armados, a degradação da floresta e ameaça a saúde dos indígenas.
A invasão garimpeira causa a contaminação dos rios e degradação da floresta, o que reflete na saúde dos Yanomami, principalmente crianças, que enfrentam a desnutrição por conta do escasseamento dos alimentos.
O número de casos de Covid entre indígenas que habitam a região, aumentou em razão da presença de garimpeiros. No ano passado, em apenas três meses, as infecções avançaram 250%.