Política

Entenda o que é o ‘distritão’ e por que especialistas o consideram um retrocesso

Antonio Augusto/Ascom/TSE

Câmara discute mudança no sistema eleitoral — Foto: Antonio Augusto/Ascom/TSE

Em discussão na Câmara dos Deputados, o “distritão” é um sistema eleitoral pelo qual são eleitos os mais votados em cada estado. Na análise de especialistas, esse sistema é um retrocesso por:

  • Promover políticos “celebridades”, isto é, pessoas mais conhecidas;
  • favorecer os candidatos que têm mais dinheiro;
  • enfraquecer os partidos políticos;
  • dificultar a renovação das casas legislativas;
  • descartar os efeitos dos votos dados em candidatos que foram derrotados.

 

A proposta de emenda à Constituição (PEC) que institui o modelo foi aprovada por uma comissão especial e segue agora para análise do plenário. Por se tratar de uma mudança constitucional, precisará de dois turnos de votação com ao menos 308 votos favoráveis entre os deputados.

O texto também previa que a decisão do plenário serviria somente como transição para um outro modelo, o chamado “distritão misto”. No entanto, este trecho foi derrubado pela comissão.

Nos últimos anos, a ideia de adotar o “distritão” já foi discutida e rejeitada pelo plenário da Câmara duas vezes, em 2015 e 2017.

Se for aprovada, a proposta vai ao Senado. O presidente do Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já afirmou, porém, que o “distritão” não tem voto entre os senadores.

O que muda se a proposta for aprovada

Como é hoje:

modelo atualmente em vigor é o proporcional, em que as cadeiras de deputados federais são distribuídas proporcionalmente à quantidade de votos recebidas pelo candidato e pela legenda — ou seja, os votos nas siglas também são considerados no cálculo.

Como ficaria:

No “distritão”, seriam eleitos deputados federais os candidatos mais votados individualmente em cada estado, desconsiderando os votos nas siglas. Exemplo: no caso de São Paulo, que é representado na Câmara por 70 deputados, os 70 candidatos que recebessem mais votos na eleição ficariam com as cadeiras.

Entenda por que o “distritão” é considerado um retrocesso:

 

  • Modelo pouco adotado:

 

Em entrevista ao podcast “O Assunto”, o cientista político Jairo Nicolau, da Fundação Getúlio Vargas, classificou como “uma aventura” o sistema.

“Nós queremos trocar o melhor sistema que nós tivemos pelo pior sistema eleitoral do mundo, não é? Uma aventura, não é?”, afirmou Nicolau.

 

Segundo ele, nenhuma democracia relevante no mundo tem um sistema como esse. “Eu até hoje não consegui ver uma virtude nesse movimento. Nem nas versões de distritão, combinado, misto”, disse.

  • Favorece o político “celebridade”:

 

Especialistas argumentam que esse modelo favorece as candidaturas de quem já é conhecido. Com isso, argumentam, a disputa valoriza menos as ideias e programas partidários e se torna mais personalista, reduzindo e enfraquecendo o papel dos partidos e, consequentemente, a democracia. Além disso, dificulta a renovação do Congresso, fazendo com que sempre os mesmos sejam eleitos.

“O distritão é o pior sistema eleitoral imaginável. Primeiro, porque destrói os partidos políticos, tudo passa a depender muito mais da votação em indivíduos e não na votação em partidos. [Segundo, porque] o debate de ideias também é prejudicado em função disso”, afirma o cientista político Cláudio Couto, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

 

  • Privilegia o candidato com dinheiro:

 

Segundo Couto, o modelo privilegia o poder econômico e os mais ricos.

“Porque para poder se tornar muito votado individualmente, o candidato tende a precisar de muito dinheiro”.

 

A campanha se torna mais cara, de acordo com o pesquisador. Para ele, isso vai privilegiar candidatos muito ricos ou que tenham financiadores muito ricos e celebridades. “Portanto, eu não vejo qualquer vantagem. Parece que é desastrosa essa decisão, se ela vier a se confirmar”, declara Couto.

  • Descarta votos nos que não foram eleitos

 

Na análise de Couto, a tendência é que seja desperdiçada uma imensa quantidade de votos.

“Porque, como só os mais votados são eleitos, todos os votos dados a candidatos que não estão eleitos, eles simplesmente são jogados no lixo. Eles não têm nenhuma importância”.

 

Segundo o cientista político, isso vai privilegiar a representação daquelas pessoas que, porventura, escolheram os candidatos mais votados, e vai excluir a possibilidade de se eleger um representante de todo o resto da população.