Nicollas Rafael sofreu uma parada cardíaca devido a uma doença rara que a família desconhecia. Doença causa hipertrofia do coração e pode se desenvolver de forma silenciosa, conforme explica especialista.
O menino de 10 anos que morreu após ter um mal súbito enquanto brincava com amigos em Cubatão (SP) tinha uma doença rara denominada miocardiopatia hipertrófica assimétrica. Porém, a doença só foi descoberta após a morte de Nicollas Rafael, já que esta miocardiopatia pode se desenvolver de forma silenciosa, conforme explicou um especialista ao G1 nesta terça-feira (14).
O menino passou mal enquanto brincava, chegou a pedir água para os amigos, ficou fraco e desmaiou. As crianças chamaram os responsáveis e a família o levou para o Pronto Socorro Infantil de Cubatão. Eles chegaram no local pouco antes de 0h, porém, a 0h50, a morte do menino foi confirmada.
A princípio, os médicos relataram à família que a morte havia sido motivada por causas naturais. No entanto, após exames, foi constatado que ele teve uma insuficiência cardíaca e um edema agudo pulmonar bilateral, que causa acúmulo de líquido no tecido pulmonar, desencadeado pela miocardiopatia hipertrófica assimétrica.
O cardiologista Luiz Cláudio Behrmann Martins, especialista em arritmia cardíaca da Santa Casa de Santos, explica que nesta doença ocorre a significativa hipertrofia (crescimento) da região septal do coração, além de alguns casos ocorrer a dilatação dos ventrículos – câmaras do coração que bombeiam sangue para a circulação sistémica, no caso do ventrículo esquerdo, e para a circulação pulmonar, com relação ao ventrículo direito.
“Na verdade, afeta a região do septo, que é a parte que divide as cavidades do coração. É a região septal do músculo que cresce, e isso pode obstruir o fluxo de saída do ventrículo esquerdo, que é o que faz desenvolver os sintomas relacionados a insuficiência cardíaca no paciente”, diz.
Conforme explica o médico especialista, a doença é genética, com herança autossômica dominante, ou seja, tanto o pai quanto a mãe podem ter. A incidência anual da doença é de 0,3 a 0,5 casos a cada 100 mil crianças, sendo considerada uma doença rara. Porém, no adulto é mais comum sua incidência. Como a doença está associada a fatores genéticos, não tem prevenção, mas a pessoa que tem caso na família deve fazer acompanhamento médico.
“Pode crescer tanto o ventrículo esquerdo, como também o direito”, diz o cardiologista. Conforme destaca o Ministério da Saúde, as paredes espessas e rígidas dos ventrículos não relaxam de maneira adequada para permitir que as câmaras cardíacas se encham de sangue. Essa dificuldade se torna mais grave quando o coração bate aceleradamente (como durante atividades físicas), pois, nesse caso, há ainda muito menos tempo para o coração se encher.
“Por não se encher suficientemente, o coração bombeia menos sangue a cada batimento. Às vezes, as paredes espessas do coração também interferem na saída do fluxo sanguíneo. Como as paredes ventriculares se espessam, a válvula mitral pode não conseguir se fechar normalmente, o que resulta em refluxo ou vazamento de sangue para o átrio esquerdo. Em geral, esse vazamento e as paredes ventriculares expandidas provocam sopros cardíacos. E, podem ocorrer ritmos cardíacos anormais que podem provocar morte súbita”, explica o órgão de Saúde.
Entre os principais fatores que sugerem risco maior de morte estão septo acima de 30 mm, desmaio ou perda temporária e súbita de consciência de causa arrítmica nos parentes de primeiro grau com menos de 30 anos e quando tem arritmia ventricular sustentada documentada no holter de 24 horas [aparelho que monitora o batimento cardíaco], conforme explica o cardiologista.
Tratamento e sintomas
Os sintomas mais comuns são falta de ar, desmaios e dor no peito – ambos durante ou após esforço físico. Para garantir o diagnóstico da doença, o cardiologista destaca a importância de procurar atendimento especializado caso sinta alguns destes sintomas e, mesmo que não sinta, fazer periodicamente eletrocardiograma. Em caso da prática de exercícios físicos, ele destaca que também é importante fazer antes um raio-x do tórax e o teste ergométrico nos indivíduos acima de 35 anos.
Segundo o médico, caso a criança tivesse sobrevivido a parada cardíaca, ela provavelmente teria que colocar o Cardioversor Desfibrilador Implantável (CDI), e usá-lo durante a vida toda na região submuscular torácica esquerda. Conforme explica, o aparelho é um marca passo que tem função de reverter a arritmia ventricular da doença.
“O ecofetal pode dizer se a criança já nasce com a doença, mas há possibilidade da pessoa desenvolvê-la só mais velha, o que será identificado pelo eletrocardiograma e o ecocardiograma”, destaca Luiz Cláudio Behrmann.
Além do uso do CDI, o Ministério da Saúde destaca que o uso de betabloqueadores e o bloqueador dos canais de cálcio verapamil – tomados em conjunto ou separadamente – são o principal tratamento. Segundo o órgão, ambos reduzem a força de contração do músculo cardíaco. Como resultado, o coração consegue se encher melhor e, caso o músculo espesso estivesse bloqueando o fluxo sanguíneo, o sangue pode sair do coração mais facilmente.
Além disso, o Ministério da Saúde explica que betabloqueadores e verapamil reduzem a frequência cardíaca e, assim, o coração tem mais tempo para se encher. Às vezes, também se utiliza disopiramida, um medicamento que diminui a força das contrações cardíacas.
De acordo com o cardiologista, a morte súbita pode ser a primeira manifestação da doença, e é mais frequente em crianças e jovens, durante o exercício físico. Além disso, o médico explica que a miocardiopatia hipertrófica assimétrica é a principal causa de morte súbita no esforço físico em pessoas abaixo de 35 anos.