A Polícia Federal (PF) afirmou, em uma série de documentos enviados ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta terça-feira (7), que há risco de interferência do Ministério da Justiça no processo de extradição de Allan dos Santos e que é necessário adotar medidas que evitem essas possíveis interferências.
No ofício em que fala sobre a possibilidade de interferência, datado do dia 29 de novembro, a delegada Denisse Ribeiro, responsável pela investigação do caso, afirma que, com base em depoimentos colhidos pela PF, foi identificada uma tentativa de interferência por parte do secretário nacional de Justiça, José Vicente Santini, no caso.
Entretanto, segundo a delegada, as medidas adotadas por Santini “não incidiram, até o presente momento, de maneira a interferir efetivamente na tramitação, mesmo porque a demanda ainda se encontra sob o crivo das autoridades americanas”. “A interferência, portanto, apesar de presente o risco, ainda é uma cogitação”, pontua.
Por isso, Ribeiro afirma que “permanece ainda latente o risco de ocorrência de novos eventos com potencial de causar prejuízo ao fluxo normal da apuração”.
“Considerando que as investigações estão em curso e que as medidas relativas à extradição ativa de Allan Lopes dos Santos abrem o caminho para que novas ações ou omissões, no âmbito da Secretaria Nacional de Justiça, prejudiquem a tramitação da extradição, diante da possibilidade de eventual pedido de complemento de informações, ou por inobservância de prazos, ou por retardo nas comunicações aos órgãos executores etc., torna-se necessário adotar ações mitigadoras e desestimuladoras de tentativas de interferência no fluxo normal do processo”, alega a delegada.
A CNN teve acesso aos documentos enviados pela Polícia Federal ao Supremo Tribunal Federal nesta terça (7).
Allan dos Santos teve sua prisão decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, no fim de outubro. O blogueiro bolsonarista está nos Estados Unidos e, por isso, foi preciso encaminhar ao governo norte-americano um pedido para a extradição dele.
De acordo com a investigação da PF, Santini teria pedido “acesso à caixa de documentos restritos da unidade, bem como determinou a alteração do fluxo de referidos processos de extradição ativa para incluí-lo como instância de decisão”.
Isso aconteceu porque, pelos relatos colhidos pela Polícia Federal, a área técnica do ministério não repassou ao secretário as informações sobre o caso.
Um dos depoimentos anexados ao processo é o de Silvia Amélia Fonseca de Oliveira, ex-diretora do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça. O órgão é responsável por dar andamento aos pedidos de extradição e transferência de brasileiros no exterior.
Exonerada do cargo no início de novembro deste ano, após a divulgação do encaminhamento do pedido de extradição de Allan do Santos, Silvia Amélia disse que deu andamento ao pedido de extradição do blogueiro conforme é de praxe, sem comunicar o secretário nacional de Justiça.
Segundo a PF, os depoimentos colhidos na investigação indicam que “a exoneração da delegada de Polícia Federal Silvia Amélia do cargo de diretora do DRCI possui correlação com o fato de não ter dado ciência tempestivamente ao SENAJUS (medida não prevista em norma) da existência do pedido de extradição [de Allan dos Santos]”.
Após a divulgação do encaminhamento do pedido pela mídia, no início de outubro, Silvia Amélia relatou que foi questionada por colegas sobre o caso e informou que o assunto já tinha sido encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores.
Segundo ela, em uma reunião que teve com Santini no início de novembro, o secretário “mencionou que a ausência de informação sobre o caso do Allan dos Santos causou um desconforto para o próprio Secretário e para o MJSP [Ministério da Justiça e da Segurança Pública]”.
Silvia Amélia Fonseca de Oliveira foi exonerada no dia 10 de novembro. Ela afirmou à PF que foi informada pessoalmente por Santini de sua demissão no dia 9 de novembro. De acordo com seu depoimento, o “secretário disse que [sua exoneração] seria em decorrência de um processo natural de composição de equipe”.
José Vicente Santini compõe o governo Bolsonaro desde que o presidente assumiu a Presidência da República. Primeiro, ele trabalhou na Casa Civil, junto a Onyx Lorenzoni, como subchefe e como secretário-executivo. Ele foi demitido após usar um avião da FAB enquanto secretário-executivo da pasta.
Depois de alguns meses, ele voltou ao governo, desta vez como assessor do Ministério do Meio Ambiente. Ele ainda foi secretário-executivo da Secretaria Geral da Presidência antes de ser nomeado secretário nacional de Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em agosto deste ano.
O que diz Santini
O secretário nacional de Justiça também foi ouvido pela Polícia Federal e afirmou que a motivação para ter pedido a modificação no fluxo dos processos de extradição ativa era que “a diretoria do DRCI respondesse formalmente qual era base legal da distinção de tratamento de fluxo entre os processos de extradição ativa e passiva”.
Segundo Santini, “Silvia jamais soube responder tecnicamente qual era a base legal que impedia o Secretário de ter visualização as caixas de processos do DRCI”.
Santini negou, ainda, que tenha solicitado acesso às caixas de processos restritos. “Indagado por qual motivo solicitou acesso a caixa de processos restritos do DRCI no dia 26/10/2021, respondeu que o declarante não solicitou e não formalizou pedido de acesso às caixas de processo do DRCI”, diz o termo de depoimento do secretário.
O Ministério da Justiça disse, em nota, que “os depoimentos comprovam que não houve, em nenhum momento, tentativa de interferência no processo em questão”.