Delegacia de Homicídios fez uma operação para encerrar o inquérito. Principais suspeitos pela morte dos garotos e pelo sumiço de seus corpos também acabaram mortos.
Condenados por um suposto roubo de passarinhos, os três meninos de Belford Roxo passaram por uma sessão de tortura tão violenta que um deles morreu em decorrência da surra. Os outros dois acabaram executados por isso.
“As provas obtidas indicam que por terem furtado o pássaro de um suposto tio do traficante Estala, após autorização de Doca e Piranha, as crianças foram submetidas a uma sessão de agressões, e uma morreu pelo excesso, acarretando a execução das demais”, afirmou a Polícia Civil.
Nesta quinta-feira (9), a polícia fez uma operação no Castelar a fim de encerrar o inquérito da morte dos garotos Lucas Matheus, Alexandre da Silva e Fernando Henrique.
A ação visava a cumprir 56 mandados de prisão. Até a última atualização desta reportagem, eram pelo menos 33 presos: 15 pessoas já estavam encarceradas, e outras 18 foram detidas nesta quinta — duas delas em flagrante.
Três dos alvos pelo homicídio foram mortos pelo tribunal do Comando Vermelho.
Testemunhas do Complexo do Castelar afirmaram à Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) que a traficante Tia Paula foi a responsável por sumir com os corpos dos três meninos de Belford Roxo.
Tia Paula, segundo as investigações, acabou morta e esquartejada, e seu corpo, carbonizado a mando da cúpula do Comando Vermelho. Outros quatro integrantes do tráfico do Castelar também foram mortos nas mesmas circunstâncias ou estão desaparecidos.
Ordem para o sumiço
O g1 apurou que dois depoimentos foram fundamentais para esclarecer o caso dos meninos de Belford Roxo.
A primeira testemunha informou que estava em um bar da comunidade quando duas motos se aproximaram. Na garupa de uma delas estaria uma das gerentes do tráfico local, Ana Paula da Rosa Costa, a Tia Paula.
De acordo com um desses relatos, Tia Paula perguntou se alguém sabia dirigir. A testemunha se ofereceu e foi levada na moto até um carro. Nesse veículo estariam os corpos dos meninos.
Ainda segundo o depoimento, o informante guiou até um rio próximo da favela, onde os cadáveres foram jogados.
Em 28 de julho de 2021, um outro homem procurou o 39º BPM (Belford Roxo) para contar que seu irmão tinha sido motorista obrigado a transportar os corpos das três crianças desaparecidas de dentro da comunidade até o rio. Imediatamente a PM encaminhou o homem para a DHBF.
Na delegacia o homem confessou ter sido levado para o alto da comunidade para “uma missão”, de acordo com as palavras ditas por Tia Paula. E lá “assumiu a condução do veículo onde os corpos foram transportados até um rio no Município de Belford Roxo”.
Dois dias depois, em 30 de julho, a DHBF pediu apoio ao Grupamento de Busca e Salvamento dos Bombeiros. Buscas foram feitas no ponto do rio indicado pelo condutor do veículo. Ossadas foram encontradas, mas a perícia indicou que eram restos de animais. Em 10 de setembro foram feitas outras buscas em outro trecho do rio. Até hoje, nada foi encontrado.
Suspeitos teriam sido mortos no tribunal do tráfico da Penha
As investigações da DHBF indicam que Tia Paula, possivelmente, foi executada no dia 6 de outubro. Ela, na verdade, teria sido um dos alvos dos criminosos do Complexo da Penha, onde está instalada a cúpula do Comando Vermelho. As duas mortes e três desaparecimentos estão sendo investigados pela Polícia Civil.
Um desses desaparecidos é o traficante Wiler Castro da Silva, o Estala, outro gerente do Castelar. Ele teria sido executado na Penha, em agosto, mas seu corpo também jamais foi encontrado.
Outro depoimento obtido ao longo das investigações é de uma testemunha que relata ter ouvido Estala falar sobre as mortes das crianças. E que ele teria dito que as mortes teriam ocorrido porque as crianças estavam roubando na favela e teriam levado um passarinho do tio do criminoso.
‘Tu nem quis bater’
A Polícia Civil do RJ também interceptou uma conversa entre dois traficantes do Castelar. No telefonema, um diz ter sido incriminado pela morte dos meninos.
“Me colocaram como suspeito dessa morte das crianças também. Não viu não, na televisão?”, pergunta. O interlocutor responde: “E tu não quis nem bater. Lembra?”.
Os homens da gravação não foram identificados pela polícia.
Relembre o caso
O crime aconteceu em dezembro do ano passado. Para a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense, os garotos foram mortos por traficantes do Castelar por causa do furto de passarinhos.
Cinco dos mandados de prisão são pelo triplo homicídio com ocultação de cadáver das crianças. Os outros são por associação para o tráfico.
Lucas Matheus, de 9 anos, e Alexandre Silva, 11, e Fernando Henrique, 12, sumiram no dia 27 de dezembro depois que saíram de casa para brincar. Foram vistos pela última vez a caminho da Feira de Areia Branca.
Quase nove meses depois, o secretário de Polícia Civil, Allan Turnowski, afirmou que traficantes do Castelar foram os autores do assassinato das crianças.
“Quem matou os meninos da Baixada foram os traficantes da favela Castelar. Desde o início, a gente tinha esse linha como mais forte, mas também a gente tinha outras linhas que, durante a investigação, foram sendo descartadas”, explicou o secretário.
Em 11 meses de investigação, 70 pessoas foram presas.
Rastro de crimes
A polícia também vinha investigando uma série de crimes cometidos pela facção criminosa Comando Vermelho a fim de dificultar a elucidação do caso dos meninos.
Dois assassinatos e três desaparecimentos indicam, para investigadores da polícia fluminense, que a alta cúpula do Comando Vermelho decidiu punir pessoas consideradas responsáveis pelas mortes dos meninos.
São investigados os desaparecimentos e mortes de:
Willer Castro da Silva, o Stala, gerente do tráfico do Castelar: teria sido executado no Complexo da Penha;
Leandro Alves de Oliveira, o Farol, gerente do tráfico do Castelar: teria sido carbonizado em um carro;
Ana Paula da Rosa Costa, outra responsável pelo tráfico no Castelar: foi morta, esquartejada e seu corpo carbonizado no Complexo da Penha;
Guil, irmão de Ana Paula: polícia investiga se é dele um corpo carbonizado achado em um carro;
José Carlos Prazeres da Silva, o Cem ou Piranha, principal chefe do tráfico no Castelar: teria sido executado a tiros.