Maceió

Dia Nacional dos Quadrinhos chama a atenção para a diversidade de histórias na Nona Arte

Quadrinhos podem estar pautando Hollywood, mas estão presentes no que vemos na TV e no cinema há bem mais tempo e com muito mais espaço a ganhar

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Thiago Ferreira Comix Zone

O Dia Nacional dos Quadrinhos ou o Dia do Quadrinho Nacional é celebrado neste domingo, 30 de janeiro, marcando a publicação da primeira história em quadrinhos brasileira, “As Aventuras de Nhô-Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte”, em 1869. Porém, os quadrinhos atravessaram um longo percurso nesses dois séculos no Brasil e alguns desses últimos metros de avanço foram dados com a contribuição direta do maceioense Thiago Ferreira e sua editora Comix Zone.

Nascido e criado em Maceió, mas vivendo em Montréal no Canadá desde 2010, Thiago aproveitou o acesso à maior diversidade de títulos e gêneros para expandir seu hobby como leitor de HQs. Em 2015, resolveu organizar e compartilhar esse conhecimento com o público através do canal Comix Zone, no Youtube e nas redes sociais, formando uma nova leva de leitores de quadrinhos pelo Brasil.

Em 2019, deu o passo seguinte com um sócio de peso, o escritor paulista Ferréz, e criou a editora Comix Zone para lançar por aqui quadrinhos um tanto diferentes do que se via no mercado convencional ou mainstream, dando chance a boas histórias e artes da Europa, América Latina e do próprio Brasil – entre outros títulos, a CZ é conhecida como “a casa do Lourenço Mutarelli”, importante escritor e dramaturgo brasileiro.

“Muitos amigos, que antes não eram leitores de quadrinhos, ao conhecerem o canal e, posteriormente, a editora, passaram a se interessar pela mídia e hoje leem HQs regularmente. É uma grande alegria poder formar novos leitores e ajudar a quebrar o estigma que ainda persiste sobre os quadrinhos no Brasil”, relata Thiago.

O estigma ao qual se refere é a ideia de que quadrinhos são coisa para criança ou então, para fãs de super heróis, ideia do grande público no Brasil, mas já superada em mercados mais maduros, como o europeu e o japonês.

“Do mesmo modo que existem livros infantis e livros adultos, existem histórias em quadrinhos voltadas para os mais diversos públicos. Desde os anos 1970, as HQs têm provado ser um veículo para difusão de qualquer tipo de enredo”, arremata, sem deixar de destacar que na Comix Zone a grande maioria dos quadrinhos são voltados para adultos.

Censura aos quadrinhos

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Professor Diego Freitas, UNIT AL

Quem olha para Diego Freitas Rodrigues acha que ele é um roqueiro old school que gosta de filmes. É preciso conhecer mais de perto para saber que ele é doutor em Ciência Política, especialista em Bioética e professor de mestrado e doutorado na Pós Graduação em Sociedade, Tecnologias e Políticas Públicas (SOTEPP) do Centro Universitário Tiradentes (Unit/AL). O olhar mais atento vai revelar, ainda, um nerd raiz que brinda os alunos com os exemplos mais criativos possíveis.

“Nas minhas aulas uso diversas metáforas envolvendo quadrinhos e cinema. Dei um curso de Metodologia Científica aqui na Unit uma vez usando ‘Guerra Mundial Z’ com os alunos e foi um sucesso. Lembro até do comentário de uma aluna dizendo que tinha medo de filme de terror e ao final ela me procurou dizendo que foi fantástico, uma experiência ótima e que ela nem viu os zumbis, só pensava no objetivo geral da pesquisa, o método, as técnicas”, relembra Diego.

Como um bom professor, ele explica didaticamente como ganhou espaço o sentido de HQs serem coisa para criança: apesar de, no surgimento, serem voltas para o público adulto, como histórias ou literatura pulp, a associação mais forte ao público infantil veio do predomínio da Disney e suas revistinhas do Mickey, Pateta e Zé Carioca, além do “período nefasto” nos Estados Unidos na década de 1950, com o Macartismo ou caça às bruxas.

“Houve uma perseguição aos quadrinistas, entre outros artistas da época. A censura foi muito forte, então, as histórias acabaram sendo mais infantilizadas, ao contrário do que ocorria nas histórias em quadrinhos da década de 1920, 1930, 1940. A situação só foi começar a mudar nos anos 1970”, explica Diego Freitas.

No Brasil, onde predominavam as histórias do Menino Maluquinho e Turma da Mônica entre o público infantil, quadro semelhante de censura entre as obras para adultos foi vivido durante os anos da ditadura militar, encerrada apenas em 1985.

A longa relação entre HQ, TV e cinema
Apesar das críticas recentes aos filmes de heróis onipresentes nas salas de cinema e streamings, o professor Diego Freitas explica que as adaptações de HQs para filmes e séries são antigas e para todos os públicos possíveis. Desde os seriados clássicos na TV do George Reeves como Superman nos anos 1950 – que não é o Christopher Reeve do cinema de 1970-80 – e a Mulher Maravilha com Linda Carter, nos anos 1970, muita coisa já passou pelas páginas dos quadrinhos.

“O que acontece agora, em especial nas últimas décadas, é que se descobre que os quadrinhos têm um universo muito amplo para ser apropriado, desde personagens que eram B como o Homem de Ferro na Marvel, que mesmo sendo membro fundador dos Vingadores não era um personagem tão vendável quanto os X-Men e o Homem-Aranha, mas se torna um personagem cinematograficamente interessante e desponta no cinema com filmes que venderam excelentes bilheterias”, aponta, lembrando o icônico personagem de Robert Downey Jr.

E engana-se quem pensa que apenas os blockbusters e super heróis bebem desta fonte. “V de Vingança é um clássico e a minha história em quadrinhos preferida, foi adaptada para o cinema em 2006 com alterações significativas, mas mantendo um pouco da do princípio que o Allan Moore desenvolveu na HQ. Watchmen na mesma coisa, com um final totalmente diferente. Persépolis que foi uma animação, Valerian que é uma HQ mais autoral francesa. Aqui no Brasil também, pois ‘O cheiro do ralo’, que é um dos meus filmes brasileiros preferidos, é uma adaptação da obra do Lourenço Mutarelli”, enumera.

Como colecionador de quadrinhos há 35 anos, Diego Freitas crava: neste século XXI, os quadrinhos se tornaram praticamente um storyboard ou esboço para outras produções. “Hoje, a maior rebeldia de um artista de quadrinhos é produzir algo que seja difícil de ser adaptado, só que aí qual editora que necessariamente vai topar algo do gênero? Definitivamente novos tempos”, arremata.