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Centro de Cultura do TJAL mantém viva memória do ‘Quebra de Xangô’

Episódio, que completa 110 anos nesta quarta (2), foi marcado pela violência contra adeptos de religiões de matriz africana

Arte Clara Almeida

Quebra de Xangô

Há 110 anos, a cidade de Maceió foi palco de um triste episódio de intolerância religiosa, que ficou conhecido como “Quebra de Xangô”. Na madrugada de 2 de fevereiro de 1912, terreiros foram invadidos e destruídos. Vários praticantes de religiões de matriz africana acabaram espancados e presos.

A história pode ser conferida no Centro de Cultura e Memória do Poder Judiciário de Alagoas (CCM) que, após reforma, reabre ao público nesta sexta-feira (4). “O Centro não podia deixar de fora uma das maiores violências sofridas pelo povo de santo no Brasil. Foi um movimento com viés político, com o objetivo de afastar o então governador Euclides Malta”, explicou a diretora do espaço, Irina Costa.

O CCM exibe recortes de jornais da época, imagens e depoimentos de estudiosos sobre o assunto. Há ainda um totem onde se pode tirar uma selfie com a ilustração de Tia Marcelina, tida como símbolo da resistência negra em Alagoas e uma das fundadoras do Candomblé no Estado.

“O Museu trata não só do aspecto histórico, cultural e do preconceito religioso, mas aborda também o fato político e jurídico”, ressaltou a diretora.

Recorte de jornal da época mostra a intolerância contra adeptos de religiões afrodescendentes em Alagoas

Lembrar para não esquecer

O secretário da Coordenadoria de Direitos Humanos do Tribunal de Justiça (TJAL), Pedro Montenegro, afirmou que o “Quebra de Xangô” pode ter sido o maior episódio de intolerância e racismo religioso ocorrido em solo brasileiro. Segundo ele, o evento provocou o fechamento de vários terreiros e causou a dispersão de ialorixás e babalorixás para outros estados.

Para Montenegro, preservar a memória sobre o episódio é fundamental. “Trata-se de lembrar para não esquecer”.

Intolerância

De acordo com o secretário da Coordenadoria, os casos de intolerância religiosa vêm crescendo no Brasil. “Segundo dados do Disque 100, entre 2015 e o primeiro semestre de 2019, foram 2.722 casos de intolerância religiosa, uma média de 50 por mês. Aqui em Alagoas estamos atentos a esse crescimento”.

Montenegro explicou que a Coordenadoria de Direitos Humanos do TJAL acolhe e orienta as vítimas de intolerância. O setor também encaminha e monitora as demandas que chegam. Ele citou ainda o projeto ‘Caravanas em Defesa da Liberdade Religiosa’, feito pelo TJAL em parceria com a Defensoria Pública (DPE), e que visa discutir e combater a intolerância religiosa em Alagoas.

“Essa é uma ação preventiva e educativa. Neste ano, a depender das condições sanitárias, avançaremos no processo de interiorização do projeto. A ideia é realizar edições conjuntas da Justiça Itinerante, do projeto Caravanas e do Projeto Ônibus da Cidadania da DPE, preferencialmente em cidades que não são comarcas e têm comunidades tradicionais quilombolas no seu território”, ressaltou.

Luta diária

Para o desembargador Tutmés Airan, que está à frente da Coordenadoria, a luta contra a intolerância religiosa deve ser diária. “É uma luta cotidiana que às vezes tem avanços, outras vezes recuos. Às vezes a ordem jurídica vence, outras vezes não”.

Tutmés Airan afirmou que casos de intolerância religiosa são lamentáveis e frutos, muitas vezes, de resistência cultural. “Esse tipo de comportamento continua acontecendo aqui e acolá. Então, cabe a nós fazermos o debate e cabe ao Estado penalizar as pessoas na forma da lei, para que elas pensem duas vezes antes de externar qualquer ato de intolerância religiosa”, destacou o desembargador, ressaltando que a pena para quem comete esse tipo de crime varia de um a três anos de reclusão, mais multa.

O coordenador lembrou também que as principais vítimas são aquelas que seguem religiões afrodescendentes. “Elas têm sido vítimas quase que cotidianamente de atos de intolerância, mas o combate está declarado. Esse combate é histórico e oxalá produza os resultados desejados”.

Serviço

Centro de Cultura e Memória do Poder Judiciário de Alagoas

Local: Praça Deodoro, no Centro de Maceió

Horário de funcionamento: das 8h às 13h