Brasil

Família faz campanha para encontrar gêmeo entregue para adoção irregular e sem autorização

Uma roupinha de bebê e uma foto do batizado são tudo que restaram de um dos filhos gêmeos de Maria Aparecida da Silva, de 80 anos, moradora de Wenceslau Braz, no norte pioneiro do Paraná. Em 1979, o bebê dela, de três meses, foi colocado para adoção irregular pelo próprio pai. A entrega também não teve autorização da mãe, que ficou desolada ao perder parte dela com o filho que se foi, segundo a família.

“Eu não vi tirar o neném. Se eu tivesse visto eu tinha tomado, o neném era meu. Eu não vi ele fazendo uma coisa dessas. Quando eu fiquei sabendo já tinha ido embora o meu neném. Meu Deus do céu, ele levou”, contou Maria.

Ao perceber que mesmo com o passar de quatro décadas dona Maria continua rezando para encontrar o filho, Ana Claudia Craviski decidiu tentar ajudar a tia-avó de alguma forma.

Ela compartilhou a história nas redes sociais que teve milhares de compartilhamentos e comentários de pessoas torcendo por esse reencontro.

“A minha esperança é que essa história chegue até o Cristiano ou essa mãe que adotou e que toque o coração dela, que entenda que a tia não quer o lugar de mãe dela. Ela quer agradecer por tudo que essa pessoa fez para ela. E poder dizer ao Cristiano que ela não teve culpa, poder ficar em paz com o coração dela.”

De acordo com Ana, apesar de Cristiano ser gêmeo, os bebês não eram idênticos e isso pode dificultar o reencontro.

Atualmente, em casos de adoções irregulares pode haver várias consequências aos envolvidos. Em situações com promessa de pagamento pela criança, por exemplo, o caso é respondido na espera criminal.

Entretanto, a entrega voluntária de bebês para a adoção regular está prevista desde a criação, em 1990, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O procedimento legal é permitido mediante autorização da mãe e com acompanhamento da Vara da Infância da Juventude.

Da esquerda para a direita, Cleverson, Fávio e Cristóvão, irmãos de Cristiano — Foto: Arquivo pessoal

‘Quero minha criança de volta’
Entre lágrimas e o sentimento de esperança, Maria relembrou o passado e contou como ficou arrasada ao descobrir que não tinha mais um dos quatro filhos por perto.

De acordo com a mãe, o ex-marido Pedro Benedito da Silva deu a criança para uma mulher conhecida como Dita Barba, que morava em Wenceslau Braz e levou o bebê para Curitiba.

À época, o casal tinha dois filhos, de dois e quatro anos, além do outro gêmeo, chamado Cristóvão.

Sem nenhuma renda por ser dona de casa e por não ter apoio da família por perto, Maria disse que se viu sem possibilidades de deixar as crianças com o marido alcoólatra para procurar pelo filho que foi levado.

Nessa angústia de estar impotente, ela se viu desamparada: “Foram dias para eu voltar ao normal, eu fiquei doente. Eu não tinha força para comer. Eu só dizia: ‘quero minha criança de volta’.”

Segundo Maria, o ex-marido entregou o bebê porque a família passava dificuldades financeiras e ela estava com dificuldade para amamentar.

“Quem cria um, cria dois. Eu dava um jeito. Você já pensou? Eu não imaginava que ele pudesse fazer isso. Depois apareceu uma mulher querendo o outro gêmeo, mas não deixei. Não iam levar o outro de mim”, recordou.

Após vários anos do ocorrido, Maria teve ajuda da família e conseguiu se separar. O ex-marido morreu há cerca de seis anos.

A idosa acredita que verá o filho novamente. Se esse reencontro acontecer, ela contou que sabe o que dirá:

“Eu diria para ele que não fui eu que fiz isso, porque ele vai pensar que fui eu que deixei ele ir embora nenenzinho. Eu ia falar: ‘Cristiano, não foi eu que fiz isso, foi seu pai.’ Eu fiquei ruim depois do que fizeram. Eu ia falar que senti saudade, que queria ver ele, mas não conseguia. Que eu olhava sempre a foto dele do batismo.”

A procura
Além das publicações nas redes, a sobrinha Ana procurou por informações sobre o gêmeo Cristiano.

Depois de receber orientações de um amigo policial, o primeiro passo dela foi buscar algum registro da criança no cartório. Ela procurou puxando pelo nome do pai, mas nada foi encontrado.

Segundo dona Maria, o ex-marido só registrou o gêmeo Cristóvão, pois, na avaliação dela, devia estar planejando a entrega do bebê Cristiano. A família tem apenas a certidão de batismo do menino desaparecido.

De acordo com a sobrinha Ana, ao tentar fazer um registro de desaparecimento na delegacia, a comunicaram que não era possível, pois mais de 40 anos se passaram desde o sumiço da criança.

No sistema online da Polícia Civil do Paraná, há registro de 3.739 pessoas desaparecidas que têm 12 anos ou mais. Além delas, famílias procuram por 83 crianças menores de 12 anos.

Ana também tentou encontrar a conhecida Dita Barba, a quem a criança foi entregue, mas descobriu que ela havia morrido há mais de 25 anos.

O filho de Dita, com quem ela morava e poderia ter informações, também faleceu. Ana chegou a encontrar a outra filha dessa mulher, mas ela não tinha informações a respeito de Cristiano.

“A filha da Dita Barba foi bem querida, conversou comigo, mas não sabia do caso. Ela me disse que algumas pessoas falavam que a mãe dela fazia esse tipo de intermediações, com a entrega de crianças”, contou a sobrinha Ana.

Maria disse que reza constantemente para ver Cristiano um dia.

“Estou pedindo para São José. Eu rezo para São José e vejo meu filho nos braços dele. Eu peço: ‘São José, ajude a trazer meu filho para mim. Eu quero ver meu filho’.”

Entrega de crianças
De acordo com a professora e advogada na área de direito civil e família Cleide Fermentão, a adoção no Brasil passou por várias legislações. Uma delas foi em 1966, ano em que apresentou certas exigências para o processo de adoção.

“Antes as adoções eram feitas por escritura pública. O pai que queria adotar o filho ia ao cartório e pedia uma escritura pública de adoção. Mais tarde, a partir da lei de 1966, é que passou a exigir que a adoção fosse de forma judicial.”

A advogada explicou ainda que, antes da década de 1980, época em que ocorreu a história da dona Maria, era mais praticado a “adoção à brasileira”, que trata-se da adoção irregular.

A adoção à brasileira ocorria quando os pais ou um deles entregavam a criança para outra pessoa. Depois, essa pessoa fazia o registro civil como se fosse dela.

Legislação atual

Atualmente, a entrega voluntária de crianças para adoção é permitida no Brasil e é prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

O procedimento oferece a mulheres ou casais que engravidaram que não podem ou não querem ficar com os bebês a opção de fazerem a entrega da criança.

De acordo com o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR), o processo trata-se de um instituto jurídico que resguarda a vida e a integridade física e psicológica da criança, uma vez que afasta a possibilidade de aborto, de abandono e de adoção irregular.

Os genitores que entregam os filhos para adoção na Vara da Infância e Juventude não são responsabilizados pelo ato.

De acordo com especialistas, a adoção irregular era mais comum antes da década de 1980. Entretanto, mesmo com a legislação vigente, essa prática ainda ocorre no Brasil.

Segundo o juiz substituto da Vara da Infância e Juventude de Maringá, no norte do Paraná, Robespierre Foureaux Alves, a entrega irregular de crianças ocorre por vários motivos.

“Às vezes, a mãe não tem ciência de que isso é um direito dela, de entregar. Às vezes a mãe acha que vai ser responsabilizada pelo poder judiciário, cometer um crime, que vai ser aplicada uma multa, que o juiz vai obrigar ela a ficar com o filho. Muitas vezes, por não saber que tem esse direito, a mãe parte para a entrega irregular, vai procurar alguém que quer ficar com criança. Às vezes até vende essa criança”, explicou.

Conforme o juiz, quando a entrega irregular é descoberta no início, é feita a busca e apreensão da criança, que é enviada regularmente para a adoção.

“Se tiver indício de pagamento ou entrega de recompensa, tanto o pai quanto a mãe vão responder um inquérito policial e uma ação penal. Isso é considerado crime pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e, ainda que não tenha havido pagamento, que não haja responsabilização na esfera penal, tem responsabilidade cível”, disse.
Se a pessoa que recebeu a criança de forma ilegal estiver cadastrada para fins de adoção, por exemplo, ela vai ser excluída do cadastro porque tentou fazer uma adoção irregular, segundo Alves.

Além disso, a mãe e o pai que fizeram a entrega irregular não recebem a criança de volta, conforme previsto no ECA.