Durante a investigação, a polícia mudou a acusação contra Sarí: de homicídio culposo, com pena de até três anos, para abandono de incapaz que resultou em morte, com pena de até 12 anos de prisão. Com dois agravantes: a vítima ser criança e a morte ocorrer durante período de calamidade pública, a pandemia da Covid-19.
Em seu voto, João Otávio de Noronha disse que a patroa não poderia ter impedido que o menino entrasse no elevador puxando “pelos colarinhos”, e que não era previsível que o menino iria “pular o muro, dando causa à própria morte”.
Ao STJ, a defesa de Sari Corte Real argumentou que ela, mesmo cuidando de Miguel, não poderia ser considerada na figura de “garante”, prevista no Código Penal. A legislação estabelece que a pessoa com dever de garante assume uma responsabilidade de evitar danos.
Em um crime de omissão, como o abandono de incapaz, é possível responsabilizar o “garante” que abandonou pessoa sob seus cuidados.
Voto do ministro
Por 4 votos a 1, a Quinta Turma do STJ rejeitou o recurso da defesa. O julgamento foi marcado pelo voto do ministro João Otávio de Noronha, que acolheu o recurso e votou para encerrar a investigação, sendo derrotado pelos colegas.
Noronha concordou com os advogados. O ministro entendeu que ela não criou ou aumentou o risco e o resultado não era previsível.
“Depois é fácil dizer: foi negligente, ou assumiu a culpa. Ora, quem vai prever que uma criança que teima entrar no elevador, aperta os botões, sai correndo, ainda vai sair dele, pula o andar, que não era nem previsível, pular o muro, dando causa à sua própria morte, como ocorreu no caso”, afirmou João Otávio.
O ministro disse ainda que Sari Corte Real não poderia ter impedido o menino de acessar o elevador.
“Qual a conduta esperada de terceiro sem nenhuma relação de autoridade sobre uma criança nessa faixa etária, tendo assumindo repentinamente, momentaneamente sua vigilância, diante de uma reação positiva, desafiadora, vê-se na contingência de retirá-la à força do elevador? Seria legítimo, razoável o uso da força físico, correndo o risco de voluntariamente machucá-la? No caso concreto, justifica-se a imposição de sofrimento físico para impedir a vítima de usar o elevador? O uso do elevador por si só representa um risco juridicamente desaprovado? Era previsível, provável que o curso causal tomasse o rumo que seguiu? Alguém poderia prever que o menino sairia, pularia uma barreira, um muro?”, questionou.
O ministro citou trechos de relatos de testemunhas no processo, que afirmaram que o menino desobedecia à mãe. Ao longo do voto, também ressaltou a postura de Miguel, a que classificou, em um dos momentos, de “desafiadora”.
Maioria rejeitou recurso
O ministro Joel Ilan Paciornik abriu a divergência e afirmou que não era o momento de o STJ analisar a questão, que ainda precisa ser tratada em instâncias inferiores. O ministro ressaltou ainda que o crime de abandono de incapaz não tem relação exclusiva apenas com o resultado, sendo que a mãe do garoto repassou a guarda para a patroa.
O ministro Ribeiro Dantas afirmou que o risco para a vida do menino ocorreu com o elevador.
“Mesmo que a criança tivesse apertado para ir para o térreo, o risco era grande. A criança poderia ter saído do prédio e ser atropelada. Havia possibilidade de previsão ao meu sentir em tese que a criança não deveria ser deixada no elevador”, disse Dantas.
O desembargador convocado Jesuíno Aparecido Rissato, também afirmou que houve transferência da guarda momentânea.
“Quando a empregada doméstica deixou criança de cinco anos aos cuidados da patroa, a pedido dessa, ela confiava realmente que a patroa fosse cuidar, como ela cuidaria. Se ela não tivesse confiança, teria levado a criança contigo. Houve uma transferência de guarda momentânea e deixar uma criança de cinco anos no elevador é perigo inerente. Criança nessa idade não tem noção para onde ir, não sabia qual botão apertar”, disse Rissato.