A família de um estudante de 12 anos, que frequenta uma escola que tem gestão compartilhada com militares no Distrito Federal, afirma que o aluno foi orientado por um sargento do Corpo de Bombeiros a cortar o cabelo, na última quarta-feira (16). O militar teria dito que o adolescente estava “se camuflando entre as meninas”.
O menino estuda no Centro de Ensino Fundamental 01, conhecido como Sapão, no Núcleo Bandeirante. A escola segue o modelo cívico-militar desde 2019. A família diz que, com a ordem, o adolescente pretende cortar o cabelo porque gosta de frequentar as aulas na unidade.
A norma nas escolas com gestão compartilhada prevê que meninos usem cabelo curto, mas também diz que a regra pode ser flexibilizada para cabelos crespos. A Secretaria de Educação disse que não vai comentar o caso.
Já o Corpo de Bombeiros informou que o cabelo do aluno estava fora dos padrões das escolas cívico-militares e que o monitor orientou o menino, de forma didática, a se adequar ao regulamento. Ainda segundo a corporação, a conversa foi registrada na ata da escola e depois o responsável do aluno foi chamado.
Abordagem
Segundo a família, o estudante foi abordado por um militar, que mandou o menino cortar o cabelo porque estava grande e questionou se era uma promessa. O menino contou que gostava do estilo daquele jeito. Segundo o aluno, o sargento afirmou que ele parecia uma menina.
Depois do episódio, um representante da escola ligou para o pai do menino e disse que ele só poderia permanecer no local se cortasse o cabelo. A irmã da criança, Rosa Carvalho, afirma que após a abordagem ele chorou e disse queria ficar sozinho. A situação foi relatada em um grupo de mensagens entre parentes.
Mensagens trocadas pela família após o ocorrido — Foto: Reprodução/TV Globo
Rosa contou à TV Globo que o irmão nunca foi para a escola com o cabelo solto. Segundo ela, no ano passado, o menino foi orientado a usar coque, recomendação que ele seguiu. Ela disse achar estranho a abordagem acontecer dois anos após o irmão começar a estudar na instituição de ensino.
“Ele [o militar] meio que deu a entender que [o aluno] ficava sempre na fila das meninas, por isso que ele nunca tinha conseguido ver que o cabelo dele estava um pouquinho maior”, afirma a irmã. A família pretende acionar a Justiça por causa do constrangimento.
“A gente não é contra as regras ou contra o regulamento. A gente ficou chateado com a forma como foi falado para ele”, afirma a irmã do estudante. “Por que não chamou a família para conversar?”
Regras
Segundo as normas da Secretaria de Educação do DF, nas escolas cívico-militares, os meninos devem usar cabelos curtos, mas prevê exceção. “Penteados para cabelos crespos atinentes a questões étnico-raciais poderão ser flexibilizados, conforme orientação da equipe gestora”, informa a pasta.
As meninas podem usar cabelos longos ou curtos, desde que presos em coque, rabo de cavalo ou trança. Questões atinentes às características representativas de identidade também podem ser admitidas por decisão da equipe.
Em 2019, a pasta afirmou que ia “flexibilizar” regras de corte de cabelo e uso de acessórios a serem seguidas por alunos em escolas militarizadas.
“Algumas normas devem ser abrandadas, como os cortes de cabelo masculino e feminino, tatuagens, uso de brincos e de fardas dos estudantes”, escreveu a pasta à época.
Gestão compartilhada
O programa de gestão compartilhada no ensino público do Distrito Federal começou em fevereiro de 2019, no governo de Ibaneis Rocha (MDB). Ele é destinado a alunos do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e também aos estudantes do ensino médio.
Nessas unidades, a parte pedagógica das escolas permanece a cargo dos professores, diretores e orientadores. Já a segurança – incluindo a entrada e a saída dos estudantes – fica com militares.
De acordo com o governo, “os militares também trabalham no dia a dia dos estudantes com conceitos de ética e de cidadania, além de promoverem atividades esportivas e musicais no contraturno”.
Das 15 escolas do DF que integram o modelo de cogestão, 11 tiveram cooperação firmada entre a Secretaria de Educação e a Secretaria de Segurança Pública, por intermédio da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros. As outras quatro restantes aderiram ao programa em parceria com o Ministério da Educação (MEC), por meio das Forças Armadas.