Depois de um período de intensas flexibilizações nas medidas sanitárias de prevenção ao novo coronavírus, diversos países europeus e asiáticos estão registrando um aumento considerável de casos da doença, o que desperta novamente a preocupação sobre o ressurgimento de uma nova onda da Covid.
Especialistas ouvidos pelo g1 apontam que a questão tem a ver com uma congruência de fatores, como a estagnação da cobertura vacinal, flexibilizações sanitárias e mudança comportamental da população.
Abaixo, entenda em 4 tópicos, as seguintes questões sobre o momento:
Quais países estão registrando aumento de casos e hospitalizações?
Quais as principais explicações para a alta dos indicadores?
Qual o papel da subvariante BA.2 nesse aumento?
Como fica o cenário para o Brasil?
1 – Quais países estão registrando aumento de casos e hospitalizações?
Reino Unido, Áustria, Holanda, Grécia, Alemanha, Suíça e Itália são alguns dos países europeus que registraram um aumento na última semana, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins, que faz o rastreamento da pandemia do coronavírus.
Somente na Alemanha, o número de casos diários passou de 67 mil no dia 6 de março para 237 mil na última sexta-feira (11).
“A Alemanha agora tem a maior incidência de coronavírus na Europa. Uma tendência de alta, várias mortes. As pessoas não vacinadas devem ser vacinadas com urgência”, disse o ministro da Saúde do país, Karl Lauterbach.
Irlanda, Reino Unido, Holanda, Suíça e Itália também mostraram um aumento das internações hospitalares na última semana, segundo informações da plataforma ‘Our World in Data’, ligada à Universidade de Oxford.
Na Ásia, Hong Kong registrou uma média de mais de 21 mil novos casos por dia, um aumento de 28% em relação às últimas duas semanas. Já na China, que tem um registro histórico de casos muito menor que a maioria dos países, o índice de infecções vem aumentando rapidamente: 328 mil casos foram registrados entre 28 de fevereiro e 6 de março, um recorde para o país. Por causa do surto, o governo chinês colocou em confinamento quase 30 milhões de pessoas.
2 – Quais as principais explicações para a alta dos indicadores?
Para Expedito Luna, especialista em epidemiologia do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), a retomada da Covid em algumas regiões do planeta é um fenômeno multifatorial. Um dos motivos é comportamental.
“Eu acho que temos uma certa fadiga, um cansaço das medidas de distanciamento social, uso de máscara, tanto por parte das pessoas e quanto por parte dos governos. E há outras coisas que também afetam. Por exemplo, na França, a eleição presidencial está se aproximando, e há uma necessidade de contentar uma ala que protesta contra medidas de distanciamento”, disse Luna.
Além disso, a vacinação avançou, mas ainda assim precisa continuar em campanha. De acordo com dados do Centro Europeu de Prevenção e Controle de Doenças, pelo menos 75% da população da União Europeia e do Espaço Econômico Europeu tomaram a primeira dose da vacina. Para a segunda dose, o percentual é de 72%, já para a dose adicional, o índice não chega a 52% da população desses países.
“Frente à variante ômicron e suas sublinhagens, as doses de reforço são essenciais. Perdemos a imunidade ao longo dos meses, e reforçar nossas defesas é essencial”, avalia o virologista e pesquisador do Instituto Todos pela Saúde (ITpS), Anderson Fernandes de Brito.
Brito, assim como Luna, explica ainda que flexibilização do uso de máscaras, em especial em ambientes fechados (que ocorreu em alguns países europeus), é um fator que aumenta as chances de transmissão viral e surtos de Covid.
A Inglaterra, por exemplo, retirou todas as restrições contra a Covid no final de fevereiro, incluindo a obrigação legal de se autoisolar após um teste positivo. Neste mês, a Irlanda e Hungria também anunciaram medidas similares.
3 – Qual o papel da subvariante BA.2 nesse aumento?
Fernandes avalia que essas medidas afetam em especial os não-vacinados, ou aqueles que não completaram o ciclo vacinal e aponta para outro fato preocupante: o avanço da sub-linhagem BA.2 da ômicron.
“Ela tem vantagens competitivas frente a outras variantes, e é bastante transmissível, fator que em conjunto com a inadequada cobertura vacinal, somada às flexibilizações amplas e ao clima frio do fim de inverno por lá (que leva a mais aglomerações em ambientes fechados), podem explicar o cenário atual na Europa”, pontua.
A subvariante “furtiva”, como também é chamada por ter mutações que dificultam sua detecção em testes PCR, já é responsável por 48% de todas as infecções por Covid-19 na Alemanha, segundo índices do Instituto Robert Koch. Somado a isso, um estudo, que ainda não foi revisado por pares, sugere que ela é mais infecciosa do que a BA.1 e capaz de infectar mais pessoas vacinadas.
Apesar disso, para Marcelo Bragatte, mestre em genética e biologia molecular e também coordenador da Rede Análise, ainda não é possível afirmar que esse aumento de casos está diretamente relacionado com BA.2. Ele explica que isso dependerá do acompanhamento e sequenciamento genético da subvariante.
“Mas no fluxo dos vírus, os mesmos podem invadir um mesmo hospedeiro novamente diversas vezes. A diferença para o vacinado é justamente o corpo saber responder e passares por assintomático. A cadeia de disseminação é reduzida pelo organismo não permitir que o vírus se replica tão efetivamente”, pondera o pesquisador.
E sobre esta replicação, nesta semana a Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA) publicou um estudo apontando que nenhuma evidência foi encontrada a respeito de uma suposta diferença de eficácia da vacinação quando comparada infecções com a BA.1 e a BA.2.
No atual cenário, Luna alerta que a preocupação permanece sobre a a necessidade de aplicação de doses de reforço para atenuar os efeitos da ômicron.
“Muito provavelmente o que está sendo observado tem a ver com a disseminação da ômicron. A gente já viu que, mesmo as pessoas vacinadas, elas se infectam. A proteção conferida pela vacina não é suficiente para evitar a infecção. A vacina acaba ajudando no não desenvolvimento de casos graves”, explica Expedito Luna.
O pesquisador da Rede Análise, Isaac Schrarstzhaupt, pontua que é importante entender que precisamos combater o vírus com todas as possibilidades que temos em mãos, “não apenas a vacina ou a imunidade adquirida pela infecção”.
“É como um cabo de guerra, sabe? De um lado tem o vírus, puxando cada vez mais forte, e do outro estamos nós. Antes a gente puxava esse cabo de guerra com distanciamento, máscaras e tudo mais. Quando veio a vacina, a gente largou a nossa ponta do cabo de guerra na mão das vacinas e parou de ajudar, é o que me parece com esses dados!”, alerta.
4 – Como fica o cenário para o Brasil?
Para os especialistas ouvidos pelo g1, o cenário epidemiológico vindo da Europa e da Ásia serve de alerta para as próximas semanas no Brasil.
“É importante acompanhar a dinâmica da pandemia por lá, e observar como os casos irão se comportar no Brasil”, diz o virologista Anderson Brito.
Dados coletados pela Universidade de Maryland em parceria com o Facebook já indicam uma reversão de tendência para alguns estados, como o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul. A pesquisa é feita com usuários da rede social e avalia os sintomas desses respondentes, o que serve como um alerta antecipado.
“Tomara que seja só uma oscilação, mas a gente tem um risco de ter esse mesmo cenário, sim”, aponta Schrarstzhaupt. “O Chile já está assim. O país está com quase 90% de cobertura de duas doses, quase 80% de terceira dose, e mesmo assim eles estão com um nível de óbitos similar a primeira onda e um nível de casos muito alto”.
Para o virologista Anderson Brito, além de observarmos com cautela essas possíveis reversões de forma local, possíveis revisões de flexibilizações poderão ser necessárias, caso se confirme essa tendência. Ele ressalta que parcelas da população brasileira, como idosos e imunossuprimidos, são mais vulneráveis ao coronavírus, o que, frente a um aumento de casos destaca a necessidade tais medidas sanitárias.
“Controlar a transmissão do vírus com medidas farmacológicas (ampliando a cobertura vacinal) e não-farmacológicas (como uso de máscara em ambientes fechados) é essencial para garantir a segurança daqueles grupos, e da população geral, frente a uma pandemia que ainda não acabou”, afirma Anderson Brito.