Jorge Luíz de Souza Filho, de 29 anos, foi preso no dia 15 de fevereiro; 1 mês e 10 dias depois, foi sentenciado a 5 anos e 10 meses de prisão por roubo qualificado.
A condenação do filho aprofunda o tormento de Eliane Campos, mãe de Jorge Luís de Souza Filho, de 29 anos. Sentenciado a cinco anos e dez meses de prisão por acusações de roubo com uma moto em Itaboraí, os parentes dele dizem que o rapaz sequer sabe andar de bicicleta.
“Se o juiz ou o promotor mandassem fazer uma perícia, iam ver que ele não consegue andar em linha reta. Então, como ele ia andar com uma moto e praticar esse assalto? Não tem como”, afirmou a mãe.
Jorge foi preso no dia 15 de fevereiro acusado de roubo qualificado, supostamente com uso de arma. Quando foi detido, ele tinha ido à 72ª DP (Neves), em São Gonçalo, tentar descobrir por que, dias antes, policiais tinham ido procurá-lo no trabalho.
Transferido para um presídio, Jorge não saiu mais da cadeia. Um mês e dez dias depois, em 25 de março, teve sentença assinada pelo juiz Daniel da Silva Fonseca, da 1ª Vara Criminal de Itaboraí, na Região Metropolitana.
Na decisão, o magistrado afirma que as vítimas do crime “renovaram reconhecimento” de Jorge, feito na delegacia.
O reconhecimento é contestado pela mãe e pela irmã do rapaz, Ana Clara Campos, de 19 anos. Segundo elas, a identificação foi feita em audiência por meio de videoconferência, com Jorge preso.
Além disso, elas alegam que policiais teriam mostrado previamente uma foto do rapaz às vítimas.
“Na delegacia, mostraram foto do RG (registro geral) do meu filho. Na videoconferência, eles já tinham visto. Foi fácil apontar o meu filho como o assaltante (…) A investigação só prejudicou o meu filho”, sustenta Eliane.
Cegueira parcial e câncer no cérebro
O assalto pelo qual Jorge foi condenado aconteceu em maio do ano passado na Avenida Telles, no bairro Engenho Velho, em Itaboraí.
Morador de São Gonçalo, Jorge teria que ter sido capaz de percorrer cerca de 30 quilômetros de moto, na BR-101, para chegar ao local do crime.
Em entrevista ao g1, Ana Clara citou outros argumentos para defender o irmão. Segundo ela, Jorge padece de um delicado histórico médico que o impede de ter equilíbrio e coordenação.
Ana Clara disse que a única vez que Jorge tentou andar de bicicleta, acabou caindo. Para ela e a mãe, a dificuldade em se equilibrar impossibilitariam o rapaz de pilotar uma moto.
“Ele nasceu prematuro, com câncer no cérebro. Desde que ele nasceu, já passou por várias intervenções cirúrgicas pra tratar disso”, afirmou Ana Clara.
Documentos enviados à equipe de reportagem também indicam que Jorge tem a visão comprometida. O exame cita que ele seria capaz de enxergar apenas 20% do que poderia.
Mesmo assim, Eliane contou que, com muito esforço, o filho terminou o segundo grau e conseguiu um emprego Até ser preso, Jorge trabalhava como servente numa universidade em São Gonçalo, para onde ia de ônibus, segundo ela.
“Eu estou a base de antidepressivo. O juiz foi cruel. Ele disse que a palavra da vítima valia mais do que a do acusado. Como que é isso?”, indagou Eliane.
Compra de chip e bandido de capacete
Para a mãe e a irmã de Jorge, o histórico médico do rapaz foi ignorado no processo. Mas não só isso. Elas também apontam para uma suposta contradição das vítimas ao identificar o homem.
No relatório final da polícia, uma das vítimas descreveu que o criminoso era branco, 1,80 m, forte e aparentava ter 30 anos. O assaltante, de acordo com o depoimento, também usava um capacete cor de chumbo e máscara contra a Covid.
Jorge, segundo a mãe, tem pouco mais de 1,60 m e não aparenta ser forte. Ela e a irmã do rapaz também duvidam ser possível reconhecer, de forma categórica, alguém que esteja de capacete e máscara.
Fora o reconhecimento em fotos, também colaborou para a condenação de Jorge o uso de um celular que, segundo os familiares, foi comprado por ele com um conhecido.
A polícia e a Justiça dizem que o homem roubou o aparelho e colocou um chip com o próprio número no celular. Foi assim, inclusive, que os agentes chegaram ao nome e endereço de Jorge.
Mas a mãe e a irmã têm outra versão. Elas confirmam que o rapaz comprou um celular de um mecânico conhecido, mas de acordo com Eliane o aparelho não funcionou quando o filho instalou o chip. Então, ela disse que mandou Jorge devolver o telefone.
No julgamento, o magistrado entendeu que as versões do mecânico, de Jorge e da mãe eram conflitantes, e assim desconsiderou os argumentos.
O que dizem MP, Justiça e polícia
Em nota, o Ministério Público, em nome da Promotoria de Investigação Penal de Itaboraí, informou que a denúncia contra Jorge foi “fundamentada na prova indiciária produzida pela Polícia Civil”, e que a investigação “foi concluída com êxito pela autoridade policial da 71ª DP (Itaboraí).
A promotoria afirma que houve reconhecimento “formal e inequívoco do indiciado por ambas as vítimas, tendo sido tal reconhecimento corroborado por outras provas, em especial pela informação prestada pela operadora de telefonia Vivo no sentido de que, poucos dias após o roubo, Jorge Luís de Souza Filho instalou seu chip pessoal em um dos aparelhos celulares subtraídos”.
O MP cita, ainda, que Jorge foi reconhecido formalmente como autor de um roubo em outra investigação que ainda não foi concluída. A promotoria afirma que esse segundo crime teria sido praticado com modus operandi muito semelhante, e mais duas vítimas também reconheceram Jorge como sendo o autor do assalto.
De acordo com a promotoria, Jorge teve direito a ampla defesa e, depois de uma “análise criteriosa e técnica das provas pelo magistrado competente”, o homem foi sentenciado.
Também em nota, o Tribunal de Justiça citou a instalação do chip no aparelho roubado. Disse que, através dele, foi possível identificar Jorge como um dos autores do crime. Informou, ainda, que duas vítimas “não tiveram dúvidas em reconhecer pessoalmente o acusado”.
“Ambas [as vítimas], sem titubear, afirmaram que visualizaram o rosto e olhos do acusado, apesar da utilização da mascara de Covid e de um capacete aberto”, diz o texto.
O TJ acrescentou que “as versões apresentadas pelo acusado e suas testemunhas foram contraditórias entre si, e sequer precisaram ser confrontadas com o restante das provas produzidas”.
A Polícia Civil informou que durante as investigações da 71ª DP (Itaboraí) o autor foi reconhecido por três vítimas de diferentes inquéritos. A corporação acrescentou que “o caso foi relatado e encaminhado à Justiça, que decretou o mandado de prisão preventiva contra ele”.