Uma nova tendência das redes sociais tem tirado o sono de pais de alunos de escolas de vários estados brasileiros. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram os estudantes raspando corretor líquido, o chamado branquinho, depois de seco, e cheirando o pó resultante. A prática ocorre até mesmo dentro das salas de aula.
Nos vídeos, os estudantes aplicam o corretor na carteira da escola e depois o raspam, entregando o conteúdo aos colegas com um tubo de caneta. Segundo médicos, a inalação do produto pode causar danos às mucosas do nariz e agravar quadros de rinite ou sinusite, além de haver risco de intoxicação (leia mais abaixo).
Em redes sociais como Twitter, Tik Tok e Facebook, o g1 encontrou diversos relatos de estudantes menores de idades narrando problemas nas escolas por causa do ato.
Os posts citam expulsões, processos e até a presença de policiais em colégios de estados como São Paulo, Paraná e Santa Catarina.
“Fizeram a trend do corretivo e agora deu polícia na escola”, disse um adolescente.
Em diversas escolas, comunicados foram publicados alertando sobre as práticas e pedindo que os familiares de alunos fiquem atentos às redes sociais.
Riscos à saúde
Em entrevista ao g1, o médico otorrinolaringologista Eduardo Macoto explicou que a inalação do corretor líquido pode causar danos.
“Essas partículas mantidas no nariz podem provocar irritação na mucosa, levando à ardor, dor e sangramento nasal, que podem ser tratadas com limpeza nasal com soluções salinas”, explicou.
“Elas também podem provocar doenças, como a exacerbação de quadros de rinite alérgica, episódios de rinossinusite aguda, ou até intoxicação”, completou o médico.
Diretor da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia Cérvico-Facial (Arbol-CCF), Macoto destacou que “toda substância estranha ao nosso corpo que entra no nariz pode produzir algum mal”.
“Em condições normais, a inalação de partículas de poluição ocorre em pequena quantidade, portanto o nariz consegue remover adequadamente estas partículas. Entretanto, nesta prática de inalar pó de corretivo, a quantidade de partículas é muito maior, então nariz pode não conseguir depurar completamente essa quantidade aspirada”, disse.
Entre os ingredientes mais comuns na composição do corretivo líquido estão substâncias como óxido de titânio, responsável pela cor branca na maioria das tintas, e etanol, que funciona como um solvente, garantindo a secagem rápida do produto. Segundo ele, eventuais efeitos psicoativos do produto no organismo dependem da fórmula de cada produto.
Casos nos Estados Unidos
Há relatos de problemas de saúde causados pela inalação de corretivo líquido já em 1984, segundo uma reportagem daquele ano publicada no jornal New York Times.
Segundo o texto, um agente secante que existia na fórmula de um dos produtos naquela época poderia ser responsável por problemas no coração. O texto destaca que os fabricantes incluíram, na fórmula do produto, um forte aroma para desencorajar abusos deste tipo.
Outra reportagem, publicada pela Associated Press em 1985, também abordou o tema. No texto, médicos do estado americano do Novo México relataram o mesmo problema entre adolescentes.
De acordo com médico otorrinolaringologista Eduardo Macoto, “todas as substâncias na composição do corretivo, excetuando-se a água, podem irritar a mucosa nasal, a depender da quantidade inalada”.
Ele ressaltou que o produto é seguro para o uso correto, mas que, ao inalar o pó voluntariamente, “a quantidade e concentração das partículas que entram em contato com a mucosa nasal aumentam muito”.
Posição das escolas
Na cidade de São Paulo, a Escola Estadual Comendador Guilherme Giorgio, na Zona Leste, alertou os pais sobre esses conteúdos que estão sendo publicados no Tik Tok sobre o uso do corretivo.
“Circula nas redes sociais um vídeo, onde alunos aparecem dentro de uma sala de aula fazendo a seguinte “brincadeira”. Alunos utilizando corretivo líquido (branquinho), pintam uma parte da carteira escolar, esperam secar e posteriormente raspam fazendo com que aquele corretivo anteriormente líquido, em pó. E logo após insinuam que estariam “cheirando” como se fosse uma droga ilícita. Fiquem atentos aos celulares e conteúdos que os filhos têm acesso na internet. Estamos de olho em nossos alunos, caso ocorra dentro de nossa unidade os pais ou responsáveis serão chamados na escola”, declarou a unidade escolar.
Procurada, a Secretaria Estadual da Educação de São Paulo (Seduc-SP) afirmou, por meio de nota, que na escola mencionada não foram identificados alunos realizando tais práticas. Segundo a pasta, os próprios estudantes teriam informado a direção da unidade sobre o conteúdo dos vídeos que estão circulando na internet. Disse ainda que o PROERD (Programa Educacional de Resistência às Drogas) foi acionado para auxiliar na conscientização dessa e de outras “brincadeiras”, e que os responsáveis pelos alunos foram convocados para uma conversa..
Caso no Paraná
Na cidade paranaense de Medianeira, o Colégio Estadual João Manoel Mondrone, onde um dos vídeos que viralizou entre os estudantes foi gravado, a direção da escola também emitiu comunicado dizendo que tomou providências contra os alunos que aparecem na filmagem.
“Um grupo de alunos realiza uma brincadeira de mau gosto simulando, com corretivo seco, um pó. Salientamos que foi um caso isolado e a direção da escola tomou providências imediatas junto aos familiares e autoridades competentes”, disse o documento.
Em nota, o governo do Paraná confirmou que um “episódio foi registrado em um colégio estadual do município de Medianeira, no qual um estudante inalou corretivo escolar após passar o produto na carteira, esperar o ressecamento do mesmo e raspá-lo, em alusão à utilização de drogas”.
Segundo a administração estadual, “o estudante foi orientado pela direção tanto sobre a atitude inadequada, quanta pela inalação da substância, nociva à saúde”.
Caso em Santa Catarina
Outra escola que também registrou esse movimento foi o Colégio Sigma Lages, da cidade de Lages, em Santa Catarina.
Nas redes sociais, o colégio afirmou em 18 de março que “alguns alunos reproduziram do TikTok um vídeo que desafia os jovens a utilizar o corretivo a base d’água raspado como se fosse uma suposta mercadoria ilícita”.
“Prontamente identificamos a ação, conversamos e orientamos os alunos e chamamos todos os pais dos envolvidos para alertar sobre a vulnerabilidade perante as redes. Tratam-se de excelentes crianças, que não escaparam do perigo de serem influenciadas”, disse o comunicado.
“Cabe a nós adultos limitarmos o acesso a conteúdos não adequados – redes sociais, séries, filmes – e sobretudo orientarmos nossas crianças sobre estes modismos de mau gosto. Já vivenciamos a onda da Baleia Azul, da boneca Momo, do desodorante, do derrubar o amigo propositalmente e certamente outras virão”, declarou a escola.
Nota da Seduc-SP
“A Secretaria da Educação do Estado de SP lamenta a disseminação do comportamento citado pela reportagem e repudia qualquer uso de entorpecentes e substâncias tóxicas dentro ou fora da escola.
“Quando há qualquer tipo de ocorrência relacionada ao uso de drogas, lícitas ou ilícitas, ou substâncias tóxicas no ambiente escolar, a direção procede inicialmente entrando em contato com os responsáveis pelos estudantes envolvidos para fins de esclarecimento, adotando providências restaurativas que preservem o direito à Educação.
“Os casos também podem ser encaminhados ao Conselho Tutelar, Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) ou Centro de Referência da Assistência Social (CRAS).
“A Pasta desenvolve ações do projeto Escola mais Segura, do Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar (Conviva SP), como a Trilha Formativa para professores, que tratou sobre drogas e violência. Também produziu conteúdo destinado aos estudantes e transmitido pelo Centro de Mídias da Educação (CMSP). O material está disponível no repositório e YouTube do CMSP.
“Além disso, a Seduc-SP é parceira do Programa Educacional de Resistência às Drogas – PROERD, que promove conscientização dos estudantes da rede, ministrado por policiais militares voluntários, capacitados pedagogicamente, tendo como objetivo principal a prevenção ao uso de drogas – lícitas e ilícitas.
“Na escola citada não foi identificado nenhum aluno realizando esse tipo de ação descrita pela reportagem. A unidade escolar ficou sabendo sobre o comportamento disseminado nas redes sociais através dos próprios estudantes que acharam prudente comunicar a direção. A escola chamou o PROERD para auxiliar na conscientização dessa e de outras “brincadeiras” que surgem por meio da internet.
“Os responsáveis foram chamados para uma conversa, e a escola colocou o comunicado nas redes como forma de aviso para que os responsáveis possam estar atentos os conteúdos que são assistidos pelas crianças e adolescentes em casa.”