A publicação tem um olhar sensível ao colocar em primeiro lugar a pessoa por trás do profissional
No Brasil, existem cerca de 265 mil Agentes Comunitários de Saúde (ACS), que têm o papel de monitorar milhares de famílias atendidas, verificar se as vacinas estão em dia, encaminhar gestantes para o pré-natal e outros serviços considerados de atenção básica. Mas o papel desses profissionais vai muito além disso e está retratado em livro.
O dom da escuta, acolhimento, parceria e bravura dos ACS reflete no acesso aos serviços mais básicos que as pessoas precisam ter e que é um direito delas: o acesso a um serviço de saúde digno. E não importa se isso é feito de bicicleta, moto, de barco, ou a pé mesmo, seja nas capitais ou interiores do país, sempre haverá um agente para lutar pela comunidade a qual ele atende.
Em 200 páginas, o livro Caminhos da Saúde, que pode ser acessado gratuitamente através do endereço https://cecbrasil.com.br/livro-caminhos-da-saude/, traça um panorama das atividades desses profissionais a partir da vivência de 31 agentes de diferentes lugares. A publicação tem um olhar sensível ao colocar em primeiro lugar a pessoa por trás do profissional ACS. São histórias como a de Rosilene Monnerat, ou a Rose, como é conhecida pelas 223 famílias que atende no bairro Jardim Catarina, em São Gonçalo (RJ). São 62 anos de idade, sendo 20 deles como agente comunitária. Por onde passa, com sua bicicleta, Rose é cumprimentada e reconhecida pelo sorriso constante que carrega no rosto, embora os desafios da profissão sejam inúmeros.
“Problemas como a falta de recursos para cuidar dos males do público vulnerável que atendo e dificuldade em conseguir encaminhar as pessoas para os órgãos de acordo com suas necessidades”, explica. Essas questões, inclusive, não são de hoje. Quando começou a atuar no bairro, encontrou um ambiente ainda mais precário. “Não tinha estrutura alguma, a gente trabalhava na rua, na calçada, pesando as crianças com balanças penduradas em árvores”, recorda em seu relato no livro.
Por ser da comunidade e vivenciar na pele as mesmas questões dos moradores, Rose tem trato para explicar a eles que ela não faz milagre com as inúmeras demandas que convive diariamente. A troca entre o serviço prestado e a gratidão que as famílias sentem por ela torna sua atuação profissional ainda mais especial. Para alguns atendidos em sua área de atuação, Rosilene é mais que uma ACS. “É como se eu fosse da família. Não é com todas, mais algumas delas me avisam tudo o que acontece como alguém que nasceu ou morreu. Se caiu, brigou, teve febre… me param também em pleno domingo para contar”, comenta Rose.
A quase dois mil quilômetros de distância, em Cerrito, Rio Grande do Sul, não é diferente com o Cleber Correia, 45. São 10 anos de profissão e hoje um dos 16 agentes comunitários que atendem o município de 6 mil habitantes. Em sua responsabilidade há 121 famílias – antes de sua microárea de atendimento ser ampliada eram 147 –, entre elas há aqueles que esperam religiosamente o dia da visita de Cleber, quando sai de casa em casa com sua motocicleta, cujo barulho já é de longe reconhecido pelas famílias. “Têm pessoas que realmente esperam só pelo dia da minha visita. Que é o dia com quem eles podem conversar, desabafar e contar sobre tudo que têm. As pessoas que eles têm mais acesso é com a gente. Isso é muito legal, eu gosto porque me deixa bastante ligado com aquela família”, ressalta ele que é grato pela relação de confiança que constrói todos os dias com os moradores.
Também em comum com Rose, Cleber passa por inúmeros desafios em sua jornada diária de ACS, como tentar fazer encaixar as inúmeras solicitações das famílias com a disponibilidade do sistema de saúde público. Para ele, a questão fica ainda mais complicada quando se trata de crianças. No entanto, questionado se mudaria de profissão, ele responde sem titubear. “Não, não tenho nem ideia. Nem se tivesse uma proposta muito boa, eu deixaria de ser agente comunitário de saúde”.
Rosilene também não se vê com outra profissão. “Me sinto muito recompensada quando consigo ajudar de alguma forma. Como está no livro, ser agente é ser um pouco de tudo: psicóloga, assistente social, enfermeiro e professor. Mas, principalmente, ser como uma luz no fim do túnel para as pessoas”, define.
Retrato do Brasil
O livro Caminhos da Saúde tem realização da CEC Brasil, empresa que atua na área de produção cultural, visando o impacto social, com patrocínio da Johnson & Johnson, via Lei de Incentivo à Cultura da Secretaria Especial de Cultura. Os textos são da jornalista Angélica Santa Cruz e a direção fotográfica de Roberto Setton. “A ideia desse livro surgiu ali entre 2019 e 2020. Quando a gente começou a produção dele, já em março de 2021, estávamos no pico da pandemia. E aí foi que ficou ainda mais evidente a importância de ter um projeto como esse de contar a história de pessoas, como os agentes comunitários, que atuam no sistema de saúde ajudando no combate de diferentes doenças”, revela Priscilla Oliveira, que fez a parte de coordenação e organização editorial da obra.
A publicação quis fazer um retrato do Brasil a partir desses profissionais que estão na base do Sistema Único de Saúde e conseguem falar a língua das pessoas que possuem mais dificuldade de ter acesso ao sistema. “Estes profissionais criam vínculos e conhecem a fundo as famílias, se tornando a principal referência destas pessoas quando elas precisam ser acolhidas por algum motivo. Muitos agentes tiveram papel importante em levar melhorias para as comunidades. São pessoas que vão falar com o prefeito e organizar manifestações para conseguir uma fossa séptica, o saneamento básico de um bairro, por exemplo”, destaca a escritora Angélica Santa Cruz.
Priscilla também ressalta que a intenção foi fazer com que o livro fosse acessível ao maior número de pessoas, por isso o download gratuito. O projeto conta ainda com um audiobook, separado por episódios com cada história dos agentes disponível no Spotify. Além disso, no site é possível conferir galerias individuais com as fotos dos ACS.
“Tem mais uma etapa que ainda vamos realizar que são 10 palestras em universidades do país. A intenção é que seja, pelo menos, em duas instituições em cada região do Brasil, para contar um pouco do processo de como foi a produção desse projeto, além de dar um pouco mais de foco no trabalho dos agentes”, adianta Priscila.
30 anos de compromisso com a saúde
A ideia da criação do livro surgiu como forma de celebrar os 30 anos de implantação oficial do Programa Nacional de Agentes Comunitários de Saúde no Brasil, completados em 2021. Ao longo de três décadas, o país passou a contar com cerca de 265 mil ACS inseridos no âmbito da Estratégia de Saúde da Família.
“O livro foi um presente para os Agentes Comunitários de Saúde. É uma forma de valorização e estímulo para aqueles que se doam enquanto profissional e sempre estão à disposição da comunidade, principalmente aos menos favorecidas do nosso povo”, afirma Ilda Angélica Correia, presidente da Confederação Nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias (CONACS).
Atuando há 31 anos como Agente Comunitária de Saúde no município de Maracanaú, no Ceará, Ilda encara a profissão como uma missão. “A disposição desses guerreiros faz a diferença na vida dos cidadãos. Os agentes entendem sua profissão como uma missão, pois enfrentam qualquer desafio, qualquer intempérie da natureza para conseguir assistir à família que ele considera também a sua família”, conclui.