Política

Maioria no STF considera ilegal que Ministério da Justiça produza dossiê sobre opositores do governo

A maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votou nesta sexta-feira (13) para invalidar atos do Ministério da Justiça e Segurança Pública de produção de dossiês sobre vida pessoal, escolhas pessoais e políticas de cidadãos identificados como integrantes de movimentos antifascistas e de oposição ao governo Jair Bolsonaro.

Em agosto de 2020, por 9 votos a 1, o tribunal já tinha determinado a suspensão da atuação da pasta neste sentido, ao analisar uma ação do partido Rede Sustentabilidade.

Na época, a sigla acionou o Supremo depois que foram publicadas reportagens que apontavam a produção de dossiês contra opositores do governo.

Agora, os ministros analisam o mérito (conteúdo) da ação no plenário virtual. A maioria seguiu o voto da relatora, a ministra Cármen Lúcia, que concluiu que a produção de dossiês contra opositores do governo pelo Ministério da Justiça é inconstitucional.

Acompanharam o voto os ministros Ricardo Lewandowski, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Edson Fachin, Rosa Weber, Luís Roberto Barroso e o presidente Luiz Fux.

O ministro André Mendonça, que era ministro da Justiça à época do caso, se declarou suspeito.

O julgamento, pelo sistema eletrônico da Corte, deve terminar nesta sexta-feira (13), às 23h59.

Voto da relatora

 

Cármen Lúcia concluiu que são inconstitucionais “atos do Ministério da Justiça e Segurança Pública de produção ou compartilhamento de informações sobre a vida pessoal, as escolhas pessoais e políticas, as práticas cívicas de cidadãos, servidores públicos federais, estaduais e municipais identificados como integrantes de movimento político antifascista, professores universitários e quaisquer outros que, atuando nos limites da legalidade, exerçam seus direitos de livremente expressar-se, reunir-se e associar-se”.

No voto, a relatora ressaltou que “órgãos de inteligência de qualquer nível hierárquico de qualquer dos poderes do Estado submetem-se também ao crivo do Poder Judiciário”.

“As atividades de inteligência, portanto, devem respeitar o regime democrático, no qual não se admite a perseguição de opositores e aparelhamento político do Estado. Aliás, o histórico de abusos relatados quanto ao serviço de inteligência acentua a imperiosidade do efetivo controle dessa atividade”, afirmou.

Cármen Lúcia declarou ainda que produção de informações com objetivos privados pode ser caracterizada como desvio de finalidade – quando uma autoridade usa as atribuições de seu cargo para ações que não atendem ao interesse público.

“É imprescindível que a colheita de dados, a produção de informações e o respectivo compartilhamento entre os órgãos integrantes do Sistema Brasileiro de Inteligência se opere com estrita vinculação ao interesse público, observância aos valores democráticos e respeito aos direitos e garantias fundamentai”, apontou.

“Produção e compartilhamento de dados e conhecimentos específicos que visem ao interesse privado do órgão ou de agente público não é juridicamente admitido e caracteriza desvio de finalidade e abuso de poder”, completou.

A relatora salientou que não houve contestação, pelo Ministério da Justiça, das informações contidas em reportagens da época que informavam sobre a produção dos dossiês. Nem mesmo após o julgamento que mandou suspender a produção dos dados.

“No caso dos autos, não houve contestação objetiva ou direta do Ministério da Justiça e Segurança Pública à notícia, amplamente divulgada nos meios de comunicação, de que um grupo de quinhentos e setenta e nove servidores públicos e professores universitários teriam sido investigados sigilosamente por integrarem movimento contra o fascismo”, pontuou.

De acordo com a ministra, o ministro da Justiça afirmou “apenas que não tinha conhecimento do relatório”.

Segundo Cármen Lúcia, “o uso da máquina estatal para a colheita de informações de servidores com postura política contrária ao governo caracteriza desvio de finalidade e afronta aos direitos fundamentais de livre manifestação do pensamento, de privacidade, reunião e associação”.