Primeira modelo brasileira a desfilar no exterior, atriz nos filmes de Glauber Rocha, empresária da noite carioca, jornalista e irmã de Nara Leão, Danuza ficou mesmo conhecida por sua escrita afiada e sem papas na língua. Passou as últimas semanas internada para o tratamento de um quadro de insuficiência respiratória. A morte foi confirmada pela família
Danuza Leão, “a grande dama da noite” do Rio de Janeiro, escritora de best-sellers, colunista de jornal, atriz, modelo, mãe, avó e bisavó, morreu nesta quarta-feira (22 de junho), aos 88 anos.
Danuza passou as últimas semanas internada na Clínica São Vicente, no bairro da Gávea, Rio de Janeiro, para o tratamento de um quadro de insuficiência respiratória. A morte foi confirmada pela família que ainda informou que o corpo será cremado no Cemitério do Caju, em data e horário a definir.
Nascida em Itaguaçu, Espírito Santo, em 26 de julho de 1933, contou a própria história na autobiografia Quase Tudo (ed. Cia das Letras, 2005). O título foi dado pelo amigo e escritor Millôr Fernandes.
Danuza foi a primeira modelo brasileira a desfilar no exterior, aos 18 anos, para o estilista Jacques Fath, em Paris, onde viveu por dois anos. Na capital francesa, morava no mesmo hotel que Vinicius de Moraes, de quem já era amiga, e o resto da turma do circuito da moda. “Foi bem divertido”, contou no Sempre um Papo, projeto do Jornal Correio Braziliense, em 2006.
Aos 20, casou-se com o jornalista Samuel Wainer, fundador do jornal Última Hora, com quem teve três filhos, Samuel Wainer Filho – que morreu num acidente de automóvel em 1984 –, a artista plástica Pinky Wainer e o produtor de cinema Bruno Wainer.
Danuza relata que apaixonou-se pela inteligência de Samuel quando foi visitá-lo na cadeia, onde o jornalista ficou preso por alguns dias em 1953, após negar-se a prestar informações sobre o financiamento de seu jornal em uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).
Separou-se de Samuel para viver um romance com o cronista Antonio Maria. Depois de quatro anos, casou-se com o jornalista Renato Machado.
Mais velha, divorciada, gostava de dizer o quanto valorizava morar sozinha, com seus gatos de estimação. Considerava estar vivendo a melhor fase da vida. “Ser livre é fazer só o que quero. Eu posso escolher ser escrava de um homem, mas é uma opção. O problema é que todo relacionamento exige concessões. Sempre há um dos dois que manda no controle da TV. Eu não quero que ninguém mande no meu controle”, afirmou em entrevista à Folha de S. Paulo, com o humor e a franqueza pelos quais era conhecida.
Os amigos a descreviam como muito divertida, espirituosa e movida por paixões. Sobre a maternidade, se dizia guiada pela liberdade. “Nenhuma mãe se sente boa. E, se se sente, cobra dos filhos. Eu jamais cobrei. Acho que deixar meus filhos livres foi uma maneira de ser boa mãe.”
De uma geração criada para ser esposa, Danuza destoava ao prezar por sua independência. Contava que havia sido educada dessa forma pelos pais, para não “baixar a cabeça e aceitar o que o homem diz”. Ainda assim, não se considerava feminista. “Jamais embarquei nessa história de feminismo. Anos atrás, houve o projeto de uma revista só feita por mulheres e me convidaram pra trabalhar. Nem pensar! Não me meto nessas coisas. Essas liberdades a gente adquire individualmente. Não adianta um movimento”, afirmou à revista TPM em 2016.
Danuza comandou boates badaladas do Rio de Janeiro nos anos 1980, como Regine’s e Hippopotamus, foi dona de butique, júri de programa de auditório, produtora de novela e cronista social.
Irmã da cantora Nara Leão (1942-1989), viu a Bossa Nova nascer em seu apartamento em Copacabana, ainda que não se desse conta disso na época. “Para mim, eles não passavam de um bando de crianças. Tom [Jobim], João Gilberto e [Roberto] Menescal eram apenas os amigos de minha irmãzinha mais nova, aquela tímida que quase não falava e que iria se tornar um monumento da música brasileira. Aliás, soube naquela época que João Gilberto implicava quando ouvia passarinhos cantando: passarinhos, segundo ele, são muito desafinados”, escreveu em seu livro de memórias, Quase Tudo (Companhia das Letras, 2005)..
Em 1967, Danuza atuou em Terra em Transe, filme do cineasta Glauber Rocha. “Na hora de dizer as falas, era uma verdadeira tragédia, eu não era capaz de memorizar nenhuma. Problema? Claro que não. Glauber decidiu que meu personagem não diria uma só palavra”, contou na ocasião. Depois ainda atuou no filme Idade da Terra, também de Glauber.
Em 1992 publicou o seu primeiro livro, sobre etiquetas sociais, Na Sala Com Danuza (ed. Companhia de Bolso), por sugestão da filha, Pinky. A obra liderou a lista dos mais vendidos durante um ano. “Nunca tinha escrito rigorosamente nada a não ser bilhete para empregada com as compras da feira”, contou no projeto Sempre um Papo.
Em 2004, publicou uma edição revisada Na Sala Com Danuza 2 (ed. Saraiva). Depois, ganhou duas vezes o Prêmio Jabuti com Quase Tudo e Danuza Leão Fazendo as Malas (Companhia das Letras, 2008). A carreira literária seguiu com Danuza Leão de Malas Prontas (ed. Companhia das Letras, 2009) e É Tudo Tão Simples (ed. Nova Fronteira, 2011).
Foi colunista do Jornal do Brasil e da Folha de S. Paulo, na qual escreveu por 12 anos e foi desligada em 2013, após dizer em sua coluna que Nova York não tinha mais graça quando “até o porteiro” podia viajar, e criticar a PEC das Domésticas, que assegurou direitos trabalhistas para as empregadas domésticas. “Durou mais que meus três casamentos”, afirmou após a demissão em entrevista à Veja sobre o tempo que passou no jornal.
Em 2018, escreveu para o jornal O Globo sobre os movimentos feministas Me Too e Time’s Up, por conta do Globo de Ouro daquele ano. Causou barulho ao afirmar ter achado a premiação parecida com um funeral.
“Isso é coisa de americano. Lá eles não têm noção de sexo. É ótimo passar em frente a uma obra e receber um elogio. Sou desse tempo.”
Danuza deixa filhos, netos, bisnetos e muita saudade.