Brasil

Bruno Pereira é cremado em cerimônia marcada por forte emoção e orações e rituais indígenas no Grande Recife

Cremação ocorreu na tarde desta sexta (24), no Cemitério Morada da Paz, em Paulista. Indigenista foi assassinado quando trabalhava na Amazônia com jornalista britânico Dom Phillips.

Sob clima de forte comoção e marcado por orações e rituais indígenas, o corpo do indigenista Bruno Pereira, assassinado durante uma expedição no Vale do Javari, na Amazônia, foi cremado por volta das 15h30 desta sexta-feira (24), no Cemitério Morada da Paz, em Paulista, no Grande Recife. Ele deixou a esposa e três filhos.

Paulo Verga / G1

Mãe de Bruno Pereira, assassinado na Amazônia, segura a foto dele momentos antes da cremação do corpo, no Grande Recife

Bruno Pereira foi assassinado quando trabalhava na Amazônia com o jornalista britânico Dom Phillpps. Quatro suspeitos do crime estão presos.

A despedida a Bruno Pereira começou por volta das 9h30, no velório. Além de familiares e amigos, indígenas das etnias xucuru e pankararu prestaram homenagens ao pernambucano.

À tarde, pouco antes da cremação, pajés da etnia karaxuwanassu fizeram um último ritual, com cantos de despedida, para que o indigenista “seja bem recebido no mundo espiritual”. As mulheres ainda colocaram um cocar de penas em cima do caixão.

Depois os rituais indígenas, os funcionários do cemitério começaram a organizar a cerimônia de cremação. Os objetos que tinham sido colocados ao lado do caixão foram retirados.

Nesse momento, a mãe de Bruno segurou uma foto dele e começou a chorar. Ela estava ao lado do pai do indigenista, também muito emocionado.

Caixão com o corpo de Bruno pereira é levado para o crematório no Grande Recife — Foto: Paulo Veras/g1

O caixão foi levado para o crematório em um carrinho. Estava coberto por bandeiras de Pernambuco e do Sport Club do Recife, time de futebol para o qual o indigenista torcia.

Sob a urna funerária, havia uma caixa de som. Durante esse curto trajeto, entre a sala de velório e o crematório, foi reproduzo um áudio em que Bruno entoava uma canção indígena.

Só tiveram acesso ao crematório os parentes mais próximos do indigenista. Do lado de fora, amigos jogavam flores e indígenas dançavam e faziam rituais de despedida,

Velório

Durante o velório, em cima do caixão fechado, a família colocou também uma camisa da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), região onde Bruno atuou como servidor da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Um banner cobrando justiça pelas mortes de Bruno e do jornalista britânico Dom Philips, que estava com o indigenista na Amazônia, foi exposto do lado de fora do salão onde o corpo era velado.

Cartazes contra mudanças na demarcação de terras indígenas e pela preservação da floresta também foram exibidos no cemitério Morada da Paz.

“A família está se despedindo de Bruno com coração cheio de gratidão por ter tido ele em nossas vidas. A vida de Bruno foi de coragem, dedicação e fidelidade à causa dos indígenas”, disse a família através de uma nota lida pela cunhada Thany Rufino. Emocionados, os familiares não quiseram falar com a imprensa.

Pela manhã, os indígenas Xucuru entoaram cantos de saudade e fizeram danças em homenagem a Bruno Pereira. “Queremos dizer gratidão. Gratidão, Bruno, por dar sua vida por nós”, disse o cacique Marcos Xucuru.

“Não era para nada disso estar acontecendo, se tivéssemos políticas sérias nesse país. Infelizmente, tenho convicção de que ainda estamos em 1500, quando vários povos foram massacrados”, disse ainda o cacique.

Líder indígena da Univaja, Beto Barubo também discursou ao lado do caixão de Bruno e, se dirigindo aos pais do indigenista, disse que eles tinham um “filho herói”.

“Essa luta não pode parar. A ideia dele é que tivéssemos a terra protegida. Mesmo sem ter o apoio do governo do qual ele pertencia e do órgão ao qual ele pertencia, a Funai, ele lutou até o fim”, afirmou.

Por volta das 12h30, uma missa também foi celebrada no local onde o corpo de Bruno vinha sendo velado. A última despedida, porém, foi reservada apenas à família, no Crematório do Morada da Paz.

Crime

Indigenista Bruno Pereira com colegas durante os tempos de escola no Recife — Foto: Cortesia

Bruno Pereira tinha 41 anos. Filho de pais paraibanos, ele nasceu no Recife, onde viveu até os anos 2000, quando mudou pra Amazônia. Era especialista em etnias indígenas não contatadas, comuns na área do Vale do Javari. Desde 2019, havia pedido licença não remunerada da Funai, onde era servidor de carreira.

Ele e o jornalista Dom Philips desapareceram enquanto faziam uma expedição no Vale do Javari no dia 5 de junho. Seus corpos foram encontrados dez dias depois.

Quatro homens estão presos por suspeita de terem participado do crime. Três deles confessaram terem atuado nos assassinatos, inclusive os irmãos Oseney e Amarildo da Costa de Oliveira. A Polícia Federal ainda investiga se houve mandantes.

Após perícia confirmar que os restos mortais se tratavam de Bruno e Dom, os corpos foram liberados para as famílias na última quinta-feira (23). O corpo de Bruno chegou ao Recife à noite. O caixão de Dom foi entregue à família do jornalista no Rio de Janeiro.

Quem era Bruno Pereira?

O indigenista Bruno da Cunha Araújo Pereira — Foto: Reprodução/TV Globo

Filho de paraibanos, Bruno Pereira era pernambucano, nascido no Recife. Deixou Pernambuco nos anos 2000, para trabalhar na Amazônia. Ele desempenhou diversas funções na Fundação Nacional do Índio (Funai) na última década.

Bruno passou pela coordenação regional do Vale do Javari, exatamente na região em que ele desapareceu durante uma expedição, no início deste mês. Deixou a esposa, a antropóloga Beatriz Matos, e três filhos.

Bruno Pereira é considerado um dos maiores especialistas em povos isolados do Brasil. O indigenista chegou a cursar jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e participaria de um filme inspirado no trabalho dele.

No dia 16 de junho, o pernambucano recebeu homenagens pela trajetória em defesa dos povos indígenas. Segundo os familiares, Bruno amava Pernambuco, a cultura, o carnaval e o Sport Club do Recife.

Amava tanto o time de futebol que chegava a ligar pelo celular via satélite para saber os resultados dos jogos quando estava nas bases da Funai, onde não há comunicação.