Política

Polarização, horário eleitoral e debates: como devem agir as campanhas presidenciais em 2022

A disputa à Presidência da República ganha novos ares com o início do horário eleitoral gratuito de TV e rádio, nesta sexta-feira, 26, há pouco mais de um mês das eleições de 2022. Na arena política, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Messias Bolsonaro (PL) protagonizam o principal embate da corrida presidencial, enquanto Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) tentam dar vigor à chamada terceira via, que respira por aparelhos em tentativas malsucedidas de angariar apoio e votos. Para analisar o impacto que as propagandas devem ter no jogo eleitoral, a Jovem Pan consultou especialistas em marketing e ciência política, que apostam em uma virada de chave nas campanhas a partir do lançamento dos programas eleitorais. “A campanha no horário eleitoral do rádio e da televisão continua influenciando a decisão do voto. Ela, inclusive, cria um clima eleitoral, o clima de eleição tem muito a ver com ela. O que sai na televisão e o que sai no rádio acaba se tornando peça de publicidade que circula, seja por meio de vídeo, seja por meio de áudio, nas redes sociais. Então ela cria o clima geral da campanha eleitoral e faz com que o eleitor acorde efetivamente para o fato de que haverá eleição”, aponta Alberto Carlos Almeida, cientista político e autor do livro “A Mão e a Luva: O Que Elege um Presidente”.

Para Elsinho Mouco, consultor de comunicação do ex-presidente Michel Temer, a expectativa para a estreia dos programas eleitorais é alta, pois a comunicação política mudou drasticamente da última eleição para cá. “Depois do colapso da comunicação clássica em 2018, com a vitória de Macron na França, Trump nos Estados Unidos e Bolsonaro no Brasil, nós tivemos que resetar tudo que até então havíamos aprendido. Essa eleição traz um resgate do trabalho com todas as mídias, não apenas com as redes sociais”, argumenta o marqueteiro. De acordo com o especialista, é fundamental que as campanhas saibam como aliar os conteúdos de campanha tradicional junto com a internet: “É o melhor caminho para que as redes sociais das candidaturas provoquem um maior engajamento. Na lógica da polarização, que privilegia mais a emoção que os conteúdos das propostas, quem for mais criativo, mais ágil e conseguir chegar ao coração dos eleitores, tanto nas mídias sociais como no rádio e na televisão, levará a faixa”.

O marqueteiro de Temer avalia que, como a disputa entre os dois principais candidatos está acirrada, o horário eleitoral gratuito terá muito mais relevância do que em 2018: “Sem dúvida nenhuma, o tempo de rádio e televisão voltará a fazer a diferença nessa corrida presidencial. Digo mais: está nas mãos das duas equipes de comunicação o resultado dessas eleições. Quem conseguir proteger seu candidato e projetá-lo melhor, fará a diferença. A política está entregando para comunicação uma disputa praticamente empatada, com 80% de definição de consolidação dos votos. A criatividade, a rapidez e a ousadia vão fazer a diferença”.

Em comparação com eleições anteriores, o cientista político ainda analisa que o cenário atual remete à eleição presidencial de 1998. Isso porque, de um lado está um candidato que busca a reeleição, e do outro justamente Lula e Ciro Gomes, que foram o segundo e o terceiro lugar daquele pleito, respectivamente. Entretanto, Almeida pondera que o cenário é mais desfavorável no caso de Jair Bolsonaro: “A grande diferença é o fato do governo Fernando Henrique, em 98, ter uma avaliação negativa muito menor do que a avaliação negativa do atual presidente da República. Fernando Henrique transcorreu o ano de 98 com uma avaliação negativa de 25% de ruim e péssimo. E Bolsonaro está transcorrendo o ano eleitoral com 45% de ruim e péssimo”.

Lula x Bolsonaro

Em uma eleição polarizada, os protagonistas apresentam estratégias completamente opostas. Enquanto a campanha de Lula dá enfoque nos feitos dos governos passados e faz críticas diretas ao atual cenário econômico, Bolsonaro busca endurecer ainda mais sua base fiel, o eleitorado conservador e evangélico. É assim que o cientista político Alberto Carlos Almeida analisa o atual cenário das campanhas: “Bolsonaro está buscando fugir da economia, uma vez que o cenário econômico não é muito favorável ao seu governo e ele está dando um peso maior à agenda dos costumes”. Apesar deste movimento, o atual presidente aposta que os auxílios promovidos pela PEC dos Benefícios e a incipiente recuperação econômica podem influenciar na opinião do eleitorado que sente o alívio no bolso causado pelos programas do governo.

Já para Mouco, a estratégia de ambas as candidaturas já é bem sucedida em manter um cenário que impossibilita o florescer de candidaturas fora da polarização entre o lulismo e o bolsonarismo: “Tanto a estratégia do candidato Lula, quanto do presidente Bolsonaro, sem dúvida nenhuma e sem precisar detalhar muito, já são vitoriosas. Quantas candidaturas tentaram se viabilizar e não conseguiram furar a polarização imposta pelos dois líderes? E o problema não foi pela qualidade dos nomes, tinham bons nomes oferecidos, tinha alternativa. Mas a força das duas estruturas dominantes, as duas biografias e seus talentos diferenciados para comunicação com seu público base fizeram a diferença”.

Ciro Gomes, Simone Tebet e a derrocada da terceira via

Logo após a soltura de Lula e posterior anulação dos processos contra o ex-presidente, o cenário polarizado entre o petista e o presidente Jair Bolsonaro para as eleições deste ano já estava definido. Apesar desta configuração de forças, como ambos os primeiros colocados também são os candidatos mais rejeitados pelo eleitorado, políticos de diversos partidos começaram a se mobilizar para conquistar eleitores que não querem votar nem em um, nem em outro. Contudo, o início das campanhas de rádio e TV escancara a falta de potência dos projetos comandados por Ciro Gomes e Simone Tebet, que somados têm apenas metade do tempo eleitoral de seus dois principais adversários. Apesar da eleição estar longe de ser definida, os especialistas dão como certa a derrocada eleitoral da chamada terceira via, mas divergem a respeito dos verdadeiros motivos desse provável fracasso eleitoral.

“A terceira via enfrenta enorme dificuldade, na verdade fracassou. Isso aconteceu por não ter conseguido unir as várias candidaturas que surgiram ao longo dos últimos meses, num único nome. Não conseguiram criar um movimento de pacificação em torno de um conteúdo programático em flagrante oposição ao radicalismo e à falta de propostas, características da radicalização. Ao contrário, ao autonomizar os interesses, cada um pensando no próprio projeto, sem visão estratégica de país, não tiveram forças para enfrentar os dois líderes de intenção de voto”, avalia Elsinho Mouco.

O especialista em comunicação política acredita que a única chapa possível de romper com a polarização consistia na união de diferentes quadros políticos que se opõem a Lula e Bolsonaro: “Imagina uma união representando um mosaico de líderes setoriais. Um Mandetta na saúde, Moro na Justiça, Dória na gestão, Luiz Felipe D’Ávila na questão estratégica, Simone Tebet cuidando das políticas públicas para a mulher, Rodrigo Pacheco, Luciano Bivar, Eduardo Leite… Se eles se unissem em cima de um projeto de pacificação e de combate à desigualdade, eu acredito que teria sido uma terceira força bem interessante e aí, sim, uma via consolidada”.

Já para Alberto Carlos Almeida, o problema está em como as campanhas de Ciro e Tebet são conduzidas estrategicamente: “As campanhas da terceira via são acertadas, elas fazem o que está ao alcance delas, elas fazem o que pode ser feito. Agora, isso não é suficiente para que seus candidatos cresçam. Porque quem avalia o governo Bolsonaro como sendo ótimo e bom vota em Bolsonaro. Só há um candidato de governo, é sempre assim. Simone Tebet, Ciro Gomes e outros candidatos da terceira via não vão dizer que são governistas, que vão dar continuidade ao que o Bolsonaro vem fazendo. Só Bolsonaro tem autoridade de prometer isso. Essas campanhas, por melhor que elas sejam, não conseguem tirar votos de Bolsonaro. O objetivo dessas campanhas deveria ser tirar voto de Lula”.

“Quem vota em Lula avalia o governo Bolsonaro como sendo ruim e péssimo. E essas campanhas têm dificuldade de fazer isso porque Lula é um ex-presidente, porque o PT é naturalmente considerado pelo eleitorado como a oposição ao Bolsonaro, pelo simples fato de ter perdido a eleição passada, porque o PT é o partido que tem a maior simpatia partidária e também a maior antipatia partidária. A estruturação da oposição nesta eleição passa pelo PT, por isso que a terceira via não consegue tirar os votos que estão em Lula”, argumenta o escritor.

O impasse dos debates eleitorais

Ao contrário dos programas eleitorais de rádio e televisão, em um debate não há espaço para roteiros, edições de imagem ou jingles de campanha. Como a eleição aparenta estar cristalizada na disputa entre Lula e Bolsonaro, os núcleos de campanha dos dois protagonistas temem que a participação em confrontos diretos com outros candidatos possa desidratar seus números de intenção de voto. Entretanto, críticas à falta de espírito democrático são recorrentes em ambos os lados. Apesar de o presidente Bolsonaro ter indicado a intenção de ir aos confrontos, em entrevista ao Pânico, às vésperas do primeiro debate eleitoral, realizado pela Rede Bandeirantes neste domingo, 28, nenhum dos dois candidatos confirmou presença ainda.

Enquanto estratégia eleitoral, o cientista político Alberto Carlos Almeida acredita que o receio das candidaturas é válido: “A resistência de Lula e Bolsonaro a participar de debates é porque eles gostariam de ir a um debate que os dois estivessem presentes. Se forem a um debate que tem só candidato nanico, eles viram alvo de franco atiradores. Os candidatos nanicos não têm nada a perder. Só quem tem algo a perder são aqueles que têm mais votos. Os candidatos nanicos têm poucos votos, então como é que eles vão perder os votos que eles têm? É muito pouco. Tanto o Lula quanto o Bolsonaro não querem se expor a isso. Agora, se os dois forem, aí talvez eles compareçam, justamente porque não são nanicos e um teria a ganhar tirando o voto do outro, e vice-versa”.

Na contramão deste argumento, Mouco acredita que não ir aos debates é um grande erro de ambas as candidaturas: “Acho um equívoco se os dois líderes das pesquisas abrirem mão do debate. Primeiro, porque nenhum deles tem a certeza da vitória. Segundo, numa disputa polarizada, como essa de 2022, o embate direto, o improviso e a superexposição poderão oferecer a chance de conquistar votos fora das bolhas de convertidos. A falta aos debates será vista, obviamente, como uma fuga. Nenhum dos dois tem uma grande vantagem para se dar ao luxo, nessa altura da campanha, de ser tachado como fujão. Com certeza podem perder reputação e votos, além de ser um desserviço à democracia”.