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CNJ decide afastar juiz por acusação de assédio sexual contra mulheres

Sintrajud fez protesto na frente do Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, onde juiz Marcos Scalercio trabalhava até ser transferido para outro local — Foto: Divulgação/Sintrajud

Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em Brasília, se reuniu nesta terça-feira (6) e decidiu abrir um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para investigar o juiz substituto Marcos Scalercio por assédio sexual contra ao menos três mulheres em São Paulo.

Por unanimidade, todos os 14 integrantes do órgão que puderam votar – uma delas foi impedida – optaram pelo afastamento cautelar do magistrado enquanto durarem as apurações.

Os casos foram revelados em agosto deste ano pelo g1. Em 2021, eles chegaram a ser arquivados por duas vezes pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), em São Paulo. Naquela ocasião, a corregedoria do órgão paulista alegou que não havia provas de que Scalercio havia cometido crimes sexuais. E por isso o PAD não foi aberto contra o juiz.

Em 2021, uma aluna do cursinho Damásio Educacional, onde Scalercio dava aulas, uma advogada e uma funcionária da Justiça do Trabalho o acusavam pelos assédios. Elas tinham dito que o professor e juiz as abordou, respectivamente, numa cafeteria próxima ao curso, nas redes sociais e dentro do gabinete dele no Fórum Trabalhista Ruy Barbosa, na Barra Funda, Zona Oeste da capital paulista.

Scalercio sempre negou esses crimes, alegando inocência, segundo seus advogados, que fizeram a defesa dele nesta terça no Conselho Nacional de Justiça. A sessão no CNJ foi transmitida ao vivo pela internet, nas redes sociais do órgão.

O relator do caso envolvendo Scalercio, o corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, sugeriu a abertura do PAD contra o magistrado e o afastamento preventivo do magistrado do TRT-2.

“Verifico aqui que é um caso delicado porque envolve um juiz do trabalho em primeira instância. Indícios são muito relevadores de possível infração disciplinar atribuída ao magistrado”, afirmou Salomão.

 

O conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Daniel Blume afirmou, durante o julgamento, que soube “da gravidade das denúncias” e pediu afastamento do magistrado para que “mulheres não sejam novas vítimas”.

O advogado Leandro Raca, que defende Scalercio, afirmou em sua defesa que o caso foi arquivado por duas vezes e pediu que não fosse aberto o PAD.

“Eu acho que o Conselho Nacional de Justiça seguiu sua tradição, e de modo bastante contundente deixou claro que denúncias envolvendo integrante do Judiciário precisam ser apuradas. Quando situações graves se apresentam, como as do caso presente, é preciso zelar pela imagem do Judiciário e ter cuidado especial na proteção da sociedade, com o afastamento do magistrado acusado”, disse o advogado José Lúcio Munhoz, que defende os interesses de uma das três vítimas.

“Ante a gravidade das acusações, a repercussão do caso e a importância de se manter íntegra a atuação da toga, espera-se que o Conselho Nacional de Justiça promova a abertura do Processo Administrativo Disciplinar, com o afastamento preventivo do requerido. A dignidade da magistratura e a importância de suas decisões não deve conviver com situações nebulosas envolvendo um dos seus membros”.

Além dessas três denúncias iniciais contra Scalercio, outras acusações de crimes sexuais surgiram contra o juiz após a repercussão do caso na imprensa. Até a última sexta-feira (2), o Me Too Brasil havia contabilizado um total de 96 relatos com denúncias, seis deles de estupro. Algumas das denúncias são de 2014 a 2020.

O movimento Me Too tem parceria com o Projeto Justiceiras. Os dois órgãos prestam assistência jurídica gratuita a vítimas de violência sexual. Eles já encaminharam 62 desses casos para conhecimento das autoridades, entre elas, o próprio CNJ.

Segundo Luanda Pires, diretora de relações institucionais do Me Too Brasil, o número de vítimas que acusam o magistrado por assédio pode ser maior. “A gente já sabe de muitas outras vítimas, que ainda não estão dispostas, não têm condições ainda de falar sobre, mas a gente já sabe de outras mulheres. A sociedade brasileira naturalizou esse crime, entendendo esses atos como ‘cantadas’.”

MPF também apura denúncias

Além do Conselho Nacional de Justiça, o Ministério Público Federal (MPF), em São Paulo, analisa atualmente as três acusações anteriores de assédio sexual que a Corregedoria do TRT-2 havia arquivado por duas vezes no ano passado.

Esses casos também são apurados nas esferas administrativa e criminal. Os dois procedimentos estão em sigilo e ainda não têm uma conclusão. No aspecto criminal, condenados por assédio sexual podem ser punidos com até dois anos de prisão.

Ex-alunas do Damásio Educacional usaram as redes sociais em agosto para dizer que, pelo menos desde 2016, já haviam procurado o cursinho e denunciado Scalercio por comportamento inadequado. Entre as queixas relatadas estavam convites do docente para sair com as estudantes e envios de mensagens inapropriadas com conotação sexual para as redes sociais delas.

O Damásio, onde Scalercio era professor de direito no cursinho preparatório para concursos públicos e para a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o desligou da instituição em agosto, após as denúncias contra ele aumentarem. O cursinho sempre negou, no entanto, que soubesse de relatos de assédio sexual envolvendo ele e alunas.

TRT transfere juiz de fórum

Na segunda (5), o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, em São Paulo, informou que sua Corregedoria transferiu Scalercio do Fórum Ruy Barbosa para o Fórum Trabalhista da Zona Sul da capital. O magistrado retornou ao trabalho após ter tirado férias durante a repercussão das denúncias de assédio sexual. Além da mudança de local, ele não irá mais participar de audiências.

A Corregedoria do TRT-2 também abriu, na semana passada, uma nova Reclamação Disciplinar (RD) contra o magistrado, desta vez para apurar mais três denúncias contra ele. O tribunal não informou, porém, quais são essas novas acusações, alegando que seu teor está em sigilo.

A Reclamação Disciplinar é apurada pelo corregedor do TRT para saber se há indícios para se instaurar um Procedimento Administrativo Disciplinar contra o juiz.

O Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal no Estado de São Paulo (Sintrajud) realizou um protesto na segunda em frente ao fórum em que Scalercio trabalhava, na Barra Funda. Servidores distribuíram panfletos com a frase “assédio não” para pedir o afastamento preventivo do juiz. Eles afirmam que o magistrado não tem condições de continuar atuando no Tribunal Regional do Trabalho depois das denúncias de crimes sexuais.

Assédio sexual é crime no Brasil. Pode ocorrer em um contexto em que há relação hierárquica entre o agressor e a vítima, no qual ele a constrange, geralmente no ambiente de trabalho, seja usando palavras ou cometendo ações de cunho sexual, sempre sem o consentimento da pessoa, como um beijo ou um toque forçados, por exemplo.

MP ouve vítimas de estupro

Segundo o Me Too, as vítimas de Scalercio são alunas do Damásio, advogadas e servidoras do TRT. Quatro dos casos de estupro foram encaminhados ao Ministério Público (MP) de São Paulo. As outras duas mulheres que disseram ter sido estupradas por Scalercio não quiseram levar as denúncias à frente.

“É importante alertar a todas as mulheres a importância de falar. São relatos muito doloridos, graves. Relatos de sofrimento. Relatos que causam muita repulsa em que ouve. É um tipo de violência insidiosa e perversa. Ela se vale da condição de vulnerabilidade dessas mulheres”, disse ao g1 a promotora Silvia Chakian, que ouviu algumas das mulheres. Ela integra o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NAVV) do MP.

 

Ainda no final de agosto, após a repercussão do caso envolvendo Scalercio, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), com sede em Brasília, instituiu a “Política de Prevenção e Combate ao Assédio Moral e ao Assédio Sexual”. A ação ocorrerá em todos os tribunais do TST e também no Conselho Superior da Justiça do Trabalho.