Parlamentar reeleita perseguiu homem até uma padaria em São Paulo, após discussão política. Gilmar Mendes determinou que MP decida sobre investigação.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu nesta sexta-feira (4) que o Supremo Tribunal Federal (STF) autorize o depoimento da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PL-SP) sobre a perseguição armada de um homem, em São Paulo, na véspera do segundo turno da eleição.
A PGR se manifestou após a determinação do ministro Gilmar Mendes, que fixou 3 dias para que o Ministério Público analisasse um pedido de investigação contra a parlamentar feito pelo Partido dos Trabalhadores. No documento, o Ministério Público afirma que a diligência será feita “sem prejuízo de outras oitivas decorrentes que se afigurem necessárias”.
A Procuradoria afirma que é preciso ter cópia do inquérito policial aberto em São Paulo para tratar dos fatos. Por isso, também pediu à Corte para requerer o material da Justiça de São Paulo.
A vice-procurador-geral da República, Lindôra Araújo, afirma que é preciso fazer uma avaliação preliminar do caso. “Com o escopo de averiguar preliminarmente as circunstâncias fáticas que envolvem autoridade com prerrogativa de foro perante o egrégio Supremo Tribunal Federal, na forma do art.102, I, b, CR/88, urge sejam adotadas diligências investigativas para o completo esclarecimento dos fatos”.
Histórico
Em vídeos divulgados nas redes sociais, Zambelli aparece de arma em punho, perseguindo um homem até uma lanchonete cheia no bairro do Jardim Paulista, em São Paulo. A deputada afirma que decidiu desrespeitar de forma consciente a resolução do TSE que proíbe transporte de arma nas 24 horas anteriores às eleições e torna o ato um crime.
Em um dos vídeos é possível ver o início da confusão. Um homem negro de camisa estampada diz alguma coisa para a deputada federal Carla Zambelli, que estava no meio de um grupo de pessoas. O homem vira as costas e começa a caminhar, se afastando. Ela estava apoiada em um carro estacionado na rua.
Ao tentar ir atrás do homem, Carla Zambelli tropeça e cai. Um outro homem, que está ao lado da deputada, pede calma. A deputada bolsonarista se levanta com a ajuda de um homem, que ela alega que é segurança particular, e corre atrás do homem de camisa estampada. O segurança corre também e ultrapassa Carla. Ele saca uma arma no meio da rua e aponta na direção do homem que continua correndo.
E a câmera foca o chão da rua e em um momento é possível ouvir o som de um tiro. Logo depois, a câmera mostra o segurança e o homem de camisa estampada do ouro lado da rua. E alguém grita: “Aqui é polícia, rapaz”.
Carla Zambelli aparece desarmada. O segurança ainda com a arma na mão tenta acertar o homem negro com chutes, mas ele sai correndo. Outro homem, usando uma blusa azul, tenta passar uma rasteira e derrubar o homem, mas ele consegue fugir. Carla Zambelli e seus apoiadores também continuam correndo na direção dele.
Quem é Carla Zambelli
Em um dos vídeos, filmado pelo jornalista Vinícius Costa, que estava com amigos no bar onde a deputada entrou com a arma em punho, é possível ver Zambelli atravessando a rua já segurando a arma. Quando ela entra no estabelecimento, é possível ouvi-la gritar: “Deita no chão”.
Lá dentro, ela aponta a arma para o homem negro que tentava correr. Ele diz: “Você quer me matar? Para quê, mano?”.
De outro ângulo dá para ver que ela continua apontado a arma para o homem depois dele se sentar em uma cadeira. Um outro homem, usando uma blusa azul, abraça Carla Zambelli tenta acalmá-la.
A confusão foi na Alameda Lorena, que fica em um bairro nobre de São Paulo, a sete quarteirões da Avenida Paulista. É uma rua movimentada, cheia de lojas, restaurantes e padarias. Na hora do tumulto, tinha muita gente almoçando. Foi o caso de um grupo de amigos que estavam no bar onde a deputada entrou com arma em punho.
“Ela chegou com a arma apontada, correndo no meio da rua. E a todo momento, apontada. Em nenhum momento ela abaixa a arma, e ela faz ele pedir desculpa e diz ‘só vou te liberar aqui se você pedir desculpas’”, conta o advogado Victor Marques.
Essa outra testemunha viu quando a deputada bolsonarista Carla Zambelli entrou na padaria, perseguindo o homem negro, apontando a arma. E disse que ele também ficou na mira dela.
“Aí eu levanto as mãos e ela entra xingando ele. Ele falando ‘não quero morrer, não quero morrer, para de apontar arma pra mim’. Ela estava apontando arma para ele, vira arma para minha cara, depois volta para ele. E eu só com a mão para cima. O rapaz de azul me tira gentilmente do meio da confusão e até saio meio assustado, com a perna tremendo ainda.”, João Guilherme Desenzi, vice-presidente estadual da Juventude Socialista do PDT.
A deputada bolsonarista alega que quando caiu no chão foi empurrada. Nas imagens, em câmera lenta, não é possível identificar esse empurrão. Carla Zambelli alega também que agiu em legítima defesa.
“Eram vários deles, não só dois ou três, pelo menos umas seis pessoas, inclusive moça gravando. Ou seja, tudo armado. Um circo armado para fazer eu perder a paciência e ir atrás dele. Quando eles me empurram, começo a correr atrás dele. E como sofri agressão, meu segurança pede para parar: ‘Polícia, para’. Eles não pararam. Um deles faz menção de sacar arma, a gente atira para o alto”, diz Carla.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu que colecionadores, atiradores e caçadores, os chamados CACs, transportem armas em todo o Brasil, nas 24 horas antes das eleições e 24 horas depois das eleições. Carla Zambelli disse que tem um porte de arma federal.
Em entrevista, ela admitiu que não cumpriu deliberadamente a resolução do TSE e deu uma versão que as testemunhas não corroboram.
“Eu não respeito resolução ilegal. Eu tenho porte de arma. O bandido não vai respeitar resolução do TSE. Eu quero proteger a minha vida, eu agi em legítima defesa”, afirmou a deputada.
O jurista Wálter Maierovitch afirma que defesa pessoal não justifica a ação de Carla Zambelli no meio da rua.
“Tudo que foi mostrado deixa muito claro que a situação do saque da arma não foi em defesa. Até ela vai e atravessa a rua e vai como se fosse em perseguição. Isso é abusivo, por quê? Porque dá para chamar autoridade, dá para tomar outra providência”, explica ele.
O homem que foi perseguido pela deputada bolsonarista Carla Zambelli é o jornalista Luan Araújo.