Brasil

Marina Harkot: TJ-SP mantém decisão de levar motorista a júri popular por homicídio por dolo eventual

Desembargadores não aceitaram pedido de advogados de José Maria da Costa Júnior, que tentavam reclassificar o crime para homicídio culposo, sem intenção de matar, para ele não ir a júri popular. Julgamento do recurso ocorreu nesta quarta (14).

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou na manhã desta quarta-feira (14) um recurso da defesa do motorista do carro acusado de beber, dirigir em alta velocidade, atropelar, fugir e matar a ciclista e socióloga Marina Kohler Harkot. Os crimes ocorreram em novembro de 2020, na Zona Oeste da capital.

Reprodução/Arquivo pessoal

Motorista José Maria fugiu após atropelar e matar a ciclista Marina Harkot em São Paulo

A vítima tinha 28 anos e estava pedalando de bicicleta quando foi atingida pelo Hyundai Tucson dirigido pelo empresário José Maria da Costa Júnior, atualmente com 34. O caso foi filmado por câmeras de segurança (veja abaixo) e repercutiu na imprensa e nas redes sociais, dando origem a protestos de quem usa a bicicleta como meio de transporte.

Em votação unânime, três desembargadores da 11ª Câmara Criminal do TJ-SP mantiveram a decisão de levar José Maria a júri popular por homicídio por dolo eventual, quando se assume risco de matar. Caberá agora a juíza de primeira instância Jéssica de Paula Costa Marcelino, da 5ª Vara do Júri, pedir que acusação e defesa indiquem as testemunhas do processo para ela marcar a data do julgamento.

O condutor é réu no processo e responde aos crimes em liberdade. José Maria também é acusado de dirigir sob efeito de álcool e fugir do local sem prestar socorro à vítima.

TJ negou dois pedidos de recurso

Parentes e amigos de Marina Harkot se reuniram nesta quarta (14) em frente ao Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) para protestar e pedir que fosse mantida da decisão de levar o motorista que matou a ciclista a júri popular — Foto: Divulgação

No julgamento por videoconferência do recurso em sentido estrito, realizado nesta quarta no Tribunal de Justiça de São Paulo, os advogados do motorista tinham pedido primeiro para os desembargadores anularem a decisão da juíza de primeira instância. Em abril de 2022, ela decidiu levar José Maria a julgamento popular. Mas essa solicitação da defesa foi negada pelos três magistrados.

Depois, o advogado José Miguel da Silva Júnior, que também defende o motorista, pediu a 11ª Câmara do TJ-SP que reclassificasse o crime de homicídio por dolo eventual para homicídio culposo, sem intenção de matar.

Crimes dolosos contra a vida são julgados em júri popular: sete jurados escolhidos pela acusação e defesa votam e decidem se condenam ou absolvem os réus. A defesa queria a mudança para seu cliente não ir a julgamento popular. Além disso, em caso de condenação, as penas para motoristas acusados de homicídio por dolo eventual podem chegar a 20 anos de prisão em regime fechado.

Nos homicídios culposos na direção de veículos, os réus são julgados por um juiz ou juíza singular e as penas costumam ser de 2 a 4 anos de reclusão, podendo ser também em regime aberto.

Mas o pedido da defesa de José Maria para reclassificar o crime também foi negado pelos desembargadores Paiva Coutinho, Alexandre Almeida e Renato Filho.

Defesa vai recorrer ao STJ

Apesar disso, José Miguel, afirmou nesta quarta ao g1, após a decisão do TJ-SP, quer irá recorrer da decisão dos desembargadores nas instâncias superiores, como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, se for necessário, ao Supremo Tribunal Federal (STF), ambos em Brasília.

Segundo o advogado, a Polícia Civil, que investigou o caso, não apresentou laudos periciais que comprovem que José Maria bebeu ou dirigia em alta velocidade quando atropelou Marina.

“STJ com certeza, Irei levar o caso a Brasília, pois não se presume embriagues [ao volante]. Precisa de laudo”, disse José Miguel. “Adianto que não ocorrerá esse júri tão cedo”.

Seu cliente alega não parou o veículo para socorrer a vítima porque achou se tratar de um assalto. De acordo com a defesa, a ciclista ainda pedalava fora da ciclovia e também não usava equipamentos de segurança. José Maria não foi encontrado pela reportagem para comentar o assunto.

Advogada da família da vítima

Paulo Garreta Harkot e Maria Claudia Kohler, pais de Marina Harkot, visitam local onde filha foi atropelada e morta por motorista embriagado que fugiu em 8 de novembro de 2021 — Foto: Denis Ferreira Netto/@denisfotos/Divulgação

A Polícia Civil chegou a investigar e indiciar José Maria por homicídio culposo em novembro de 2020, quando se apresentou no 14º Distrito Policial (DP), em Pinheiros, após ter fugido. Mas um ano depois, em 2021, a pedido das advogadas que defendem os interesses da família de Marina, a Justiça mudou o tipo de crime e responsabilizou o motorista por homicídio por dolo eventual.

“O réu praticou crime de homicídio doloso contra a vida e em breve será julgado pelo júri que, certamente o condenará por suas ações ilícitas”, falou ao g1 Priscila Pamela Santos , advogada que defende os interesses da família de Marina e é assistente de acusação ao lado do Ministério Público (MP).

Família da ciclista

Felipe Burato e Marina Harkot com suas bicicletas estacionadas no Minhocão, em São Paulo — Foto: Divulgação/Arquivo pessoal

“A falta dela é todo dia”, disse recentemente ao g1 a bióloga Maria Claudia Kohler, mãe de Marina Harkot, que há dois anos espera pelo julgamento do motorista que atropelou e matou sua filha.

Aos 58 anos, ela e o marido, o oceanógrafo Paulo Garreta Harkot, de 62 anos, pai de Marina, decidiram tornar os desejos de sua filha seus sonhos também. O marido da ciclista, o jornalista Felipe Burato, de 40 anos, também participa do projeto Pedale como Marina.

Além de buscarem justiça e pedirem a condenação do atropelador que matou a ciclista, eles têm participado de atos, palestras e buscado conscientizar as pessoas da necessidade de educação e regras para a convivência pacífica entre bicicletas e veículos motorizados no trânsito.

“Sentimento contraditório. Por um lado o sentimento de que a Justiça está cumprindo seu papel e se fazendo presente. Por outro, a constatação do absurdo do evento e a desnecessidade que viesse a ocorrer. E as traumáticas consequências de corridas”, disse Paulo, nesta quarta à reportagem, após a decisão do TJ-SP em manter a decisão de levar o motorista a júri popular.

“Que sirva de estímulo para desenvolvimento e aprimoramento das características positivas dos seres humanos usuários de veículos automotores”, falou o pai de Marina.

“Tem essa coisa da impunidade que passa pelo cara [atropelador] estar solto e não ter sofrido nenhuma sanção a não ser perder o direito de dirigir, que também a gente não sabe se isso está se cumprindo, afinal, não tem nenhum tipo de fiscalização sobre isso”, disse Felipe em novembro ao g1.

O atropelamento

Motorista José Maria da Costa Júnior fugiu após atropelar e matar a ciclista Marina Harkot com seu Hyundiai Tucson em São Paulo; no detalhe, o vidro estilhaçado pelo impacto — Foto: Reprodução/Câmera de segurança/TV Globo e Arquivo pessoal

Marina foi atropelada em 8 de novembro de 2020 em Pinheiros, na Zona Oeste. A vítima tinha 28 anos e era socióloga, cicloativista e pesquisadora sobre mobilidade urbana. A repercussão de sua morte gerou comoção nas redes sociais e protestos de ciclistas nas ruas.

Os amigos do motorista que estavam de carona no carro do empresário quando Marina foi atingida pelo veículo serão ouvidos como testemunhas no eventual julgamento do caso.

A estudante Isabela Serafim e o auxiliar de escrevente de cartório Guilherme Dias da Mota, ambos de 22 anos, respondiam a outro processo: por omissão. Eles não prestaram socorro à vítima quando ela foi atropelada. Os dois respondiam ao crime em liberdade.

Mas como Isabela e Guilherme aceitaram a proposta de transação penal feita em março deste ano pelo Ministério Público, eles não serão mais responsabilizados criminalmente. Para isso aceitaram pagar, cada um, pouco mais de R$ 6 mil ao Fundo Municipal da Criança e do Adolescente (Fumcad). Desse modo o processo contra eles seria arquivado.

Este processo foi conduzido pela Vara do Juizado Especial Criminal, também no Fórum da Barra Funda, onde um magistrado julga diretamente crimes de menor potencial ofensivo. Se houvesse condenação, a pena para o crime de omissão não ultrapassaria dois anos de prisão.

Claudia e Paulo Harkot, pais de Marina, homenageiam em 2021 a filha [foto atrás deles] no local onde ela foi atropelada e morta em São Paulo — Foto: Kleber Tomaz/g1

Foi por esse motivo, a pena branda, que o MP sugeriu o acordo. A transação penal não é um reconhecimento de culpa, mas também não significa que eles são absolvidos. Em outras palavras, o processo contra eles é interrompido durante o cumprimento da transação até seu arquivamento.

O g1 não conseguiu localizar as defesas de Isabela e Guilherme para comentarem o assunto até a última atualização desta reportagem.

Quando falaram no 14º Distrito Policial, em Pinheiros, Isabela e Guilherme disseram que José Maria havia tomado bebida alcoólica no bar e depois dirigiu. Os dois, no entanto, alegaram que não viram o atropelamento.

Segundo a Polícia Civil, José Maria tomou bebida alcoólica momentos antes de dirigir seu carro e atropelar Marina. Vídeos de um bar registram que ele estava bebendo (veja foto abaixo). A comanda do estabelecimento informa que o motorista tomou uísque.

No detalhe: José Maria aparece em bar na Zona Oeste de São Paulo momentos antes de atropelar e matar Marina Harkot — Foto: Reprodução/Câmera de segurança

De acordo com o Ministério Público, o réu ingeriu bebida alcoólica e dirigiu seu Hyundai Tucson em alta velocidade quando atingiu a ciclista. Dentro do veículo, levava os amigos Isabela e Guilherme. Marina foi atingida pelas costas quando voltava de bicicleta sozinha para casa pela Avenida Paulo VI, em Pinheiros. Segundo a família, ela morreu no local.