Raquelly, de apenas cinco anos, nunca conseguiu se matricular em aulas de balé. Ela também não consegue atendimento em posto de saúde, e a mãe dela, Maria Raquel, precisa comprar remédios com dinheiro do próprio bolso.
A criança sofre de um problema já enfrentado pela mãe dela: a falta de um sobrenome. Sua certidão de nascimento tem apenas Raquelly. A mãe dela, atualmente com 19 anos, se chamou apenas Raquel até os 18.
“O que me incomoda é o atendido nos postos de saúde. A dificuldade que eu tenho de pegar medicamentos para ela é a mesma quando minha família tinha quando precisava pegar algo para mim. E me lembro disso, eu sinto dor. Não queria que ela passasse por isso”, afirma, emocionada, a mãe da criança.
Raquel foi adotada quando criança, mas a mãe adotiva morreu antes de concluir o processo de reconhecimento da maternidade; com isso, ela teve os documentos registrados sem qualquer sobrenome. Na adolescência, ela ficou grávida de Raquelly. Como a mãe não tinha sobrenome para repassar, a filha “herdou” o problema.
Somente aos 18 anos Raquel teve filiação reconhecida, aos ser adotada novamente, dessa vez por duas mães, Rosilene e Elizangela. Ela então conseguiu documentos com o nome completo: Maria Raquel Costa de Lima. Agora ela luta na Justiça para garantir o mesmo para a filha.
A Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará informou que o processo para dar o nome completo da criança “tramita com rapidez”, e a “sentença judicial deverá sair em breve”.
Maria Raquel confidenciou que, quando a filha receber o sobrenome, vai matriculá-la no balé e um curso de violino.
“É o sonho que eu tenho. Quando era pequenininha, lembro demais. Tentaram me colocar no balé e não foi possível. Como também em aulas de violino. Vai ser emocionante para mim ver minha filha fazendo o que não tive a chance de fazer”, conta.
Raquel foi adotada aos três anos por Maria de Fátima, que faleceu antes de conseguir ajustar o processo adotivo. Sem concluir o processo legal de adoção, a filha ficou a maior parte da vida sem sobrenome.
A ausência, inclusive, era um obstáculo para que a jovem tivesse acesso a serviços básicos, como a retirada de outros documentos e até mesmo receber a vacina contra a Covid-19. Agora ela teme que o mesmo ocorra com Raquelly.
“Eu acho que a minha felicidade de segurar a certidão de nascimento dela com o nome alterado vai ser maior do que quando eu estava com os meus documentos. Minha filha não vai passar pelas situações que eu passei, ela vai ter um futuro melhor, vai concluir os estudos, se formar, ter um emprego e ser muito feliz”, espera Raquel.
Natali Massilon Pontes, supervisora do Núcleo de Atendimento e Petição Inicial, explicou que, para resolver as alterações na certidão de nascimento da Raquel, foi preciso entrar com uma ação judicial de adoção de maiores de 18 anos.
“Raquel é filha adotiva de uma senhora que faleceu há muitos anos e que não teve tempo de finalizar o processo adotivo. Coube à filha, Rosilene Lima, assumir a maternidade de Raquel. Comprovamos esse vínculo materno entre Raquel, Rosilene e Elizângela, companheira há mais de vinte anos de Rosilene”, comentou a defensora pública.
“Reunimos várias provas com os documentos que elas possuíam e o poder judiciário determinou a procedência da adoção, que possibilitou não apenas que as duas mulheres, mães afetivas de Raquel, tivessem seu vínculo de parentesco reconhecido, mas também que a jovem pudesse ter direito a um nome e sobrenome. No entanto, agora estamos diante de uma outra situação: a concretização da ausência de direitos passada de geração a geração”, complementou Natali.
A ação judicial de retificação da certidão de nascimento da pequena Raquelly aconteceu após a Defensoria Pública, em parceria com o programa “Sim, Eu Existo!”, auxiliar a emissão de todos os documentos pessoais de Raquel.