Política

Lula sinaliza que não cederá à pressão de associação de procuradores por lista tríplice para PGR

Adriano Machado/Reuters

Adriano Machado/Reuters

Nos últimos dias o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sinalizado a pessoas próximas que não pretende ceder à pressão para manter a tradição de escolha do procurador-geral da República por meio da lista tríplice elaborada Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

O presidente ainda não respondeu a pedido de reunião feito, no início de março, pelos procuradores.

Apesar de não ter previsão constitucional, a lista elaborada pela ANPR baseou a escolha do chefe do Ministério Público Federal (MPF) pelos presidentes Lula, Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB).

A relação é formada por meio da votação dos procuradores. Os três nomes são apresentados ao presidente, que, no entanto, é livre para escolher quem indica ao Senado, responsável pela aprovação.

Ubiratan Cazetta, presidente da ANPR, pediu no dia 3 de março uma audiência com Lula para defender a lista tríplice elaborada desde 2001 pela entidade como mecanismo de escolha do chefe da Procuradoria-Geral da República (PGR). Cazetta pretendia levar ao presidente a visão institucional da associação sobre o modelo de indicação do procurador-geral.

A ANPR ouviu do gabinete da Presidência da República a informação de que o ofício com a solicitação de audiência foi recebido, mas não houve desde então nenhum tipo de sinalização sobre uma eventual data para reunião com Lula.

Nas últimas semanas, integrantes da PGR procuraram interlocutores de Lula para reafirmar a defesa da lista tríplice, segundo relatos feitos à CNN. O presidente deixou claro, por meio desses auxiliares, que não vê mais sentido na manutenção da tradição iniciada por ele em 2003 e que não escolherá um nome apenas por ter o respaldo da categoria.

Aras encerra seu segundo mandato à frente da PGR no dia 26 de setembro. O prazo para que Lula escolha o sucessor de Aras está distante e a prioridade do presidente, neste primeiro semestre, é na escolha do sucessor de Ricardo Lewandowski, que deixa o Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 11 de maio.

Lula, no entanto, já decidiu que não irá reconduzir Aras, como Jair Bolsonaro (PL) fez em 2021.

O presidente também definiu que não escolherá um subprocurador-geral – nível mais alto da carreira do MPF – que atuou na extinta Lava Jato ou que defendeu a operação, que levou o petista à cadeia em 2018.

Apesar dos recados dados por Lula por meio de seus auxiliares mais próximos, a ANPR vai elaborar a lista como vem fazendo desde 2001.

Devem se colocar à disposição da carreira os subprocuradores-gerais Luiza Frischeisen, Mário Bonsaglia e José Adonis Callou de Araújo Sá. Luiza foi a mais votada em 2021 e Bonsaglia, em 2019.

Mas as atenções do Palácio do Planalto e do entorno de Lula estão direcionadas aos subprocuradores que vão buscar se viabilizar por fora da disputa por meio da lista tríplice.

Há ao menos três nomes que despontam hoje como cotados para o cargo: Antônio Carlos Bigonha, Paulo Gustavo Gonet Branco e Carlos Frederico Santos.

Bigonha foi o primeiro a se lançar candidato ao posto de sucessor de Aras e começou a se articular ainda em 2022, antes mesmo de Lula assumir a Presidência. Bigonha chegou ao topo da carreira do MPF em março de 2015.

Desde então, atuou, entre outras funções, como coordenador da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais e como secretário de Relações Institucionais da PGR.

Na primeira função, Bigonha cobrou de Jair Bolsonaro e de seus aliados bom senso para que os indígenas não ficassem nas mãos do agronegócio e defendeu que o direito deles às suas terras é originário e se sobrepõe a qualquer outro interesse que exista sobre elas.

Para ele, a possibilidade de mineração em terras indígenas depende de lei específica, autorização expressa do Congresso Nacional e deve respeitar a consulta prévia, livre e informada às comunidades afetadas.

Como secretário de Relações Institucionais, foi responsável pela interlocução entre o gabinete de Aras, o Congresso Nacional, o STF e o Palácio do Planalto. Ele, no entanto, ficou menos de sete meses na função.

Bigonha também presidiu a ANPR de 2007 a 2011. Neste período, a associação entregou a Lula e Dilma Rousseff três listas tríplices. Nelas, foram escolhidos para o cargo de procurador-geral Antonio Fernando Barros e Silva de Souza, em 2007, e Roberto Gurgel, em 2009 e 2011.

Na área penal, Bigonha defendeu em 2019 a condenação do ex-ministro Geddel Vieira Lima, seu irmão, o ex-deputado federal Lúcio Vieira Lima, e o empresário Luiz Fernando Machado Costa por lavagem de dinheiro e associação criminosa no caso do bunker de R$ 51 milhões em dinheiro vivo encontrado em um apartamento em Salvador (BA).

Mais recentemente, em um artigo publicado na revista “Carta Capital” no início de março, escreveu que o MPF se tornou uma polícia com poderes superlativos que vem realizando, ao longo dos últimos anos, operações persecutórias no Brasil e no exterior.

Na publicação, o subprocurador chama de arbitrária a prisão de Lula, nas palavras dele “um dos maiores líderes populares de todos os tempos”.

Elencando no artigo suas principais bandeiras para conquistar a confiança de Lula e de seus principais interlocutores, Bigonha defende que o MPF “concentre esforços na promoção de uma agenda social e ambiental que contemple os direitos humanos em todas as suas dimensões e que faça jus ao protagonismo do Brasil no concerto das nações” sem deixar de lado a “titularidade da ação penal pública”.

Bigonha foi o primeiro a se posicionar abertamente como candidato a sucessor de Augusto Aras, mas não é o único a almejar o cargo de procurador-geral da República.

Outros dois nomes da gestão e próximos a Aras estão no páreo, apesar de afirmarem a pessoas próximas que não pretendem se movimentar para conquistar Lula e seus auxiliares – seja por seus perfis ou em respeito a Aras.

Paulo Gustavo Gonet Branco é vice-procurador-geral Eleitoral e atua perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) designado por Aras.

Chegou ao topo da carreira em 2012. Antes de trabalhar com o atual procurador-geral, exerceu o cargo de secretário da Função Constitucional na gestão de Raquel Dodge.

Como vice-procurador-geral Eleitoral, apresentou ao TSE o pedido para que o ex-presidente Jair Bolsonaro fosse condenado pela reunião com os embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado.

Ao longo do último ano, Gonet desmentiu em mais de uma ocasião as acusações sem provas de Bolsonaro contra o sistema eleitoral e saiu em defesa das urnas eletrônicas e do trabalho de ministros do TSE em meio aos ataques do então presidente.

Na área penal, defendeu, durante julgamento na Segunda Turma do STF em 2016, o recebimento de uma denúncia apresentada pela PGR contra Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Gleisi é hoje presidente do PT.

Na época, os ministros aceitaram a denúncia, mas dois anos depois o STF os absolveu. Os ministros consideraram não haver provas de que eles receberam propina.

Gonet é considerado, entre seus pares no MPF, um profissional técnico e de perfil discreto e equilibrado.

É cofundador do Instituto Brasiliense de Direito Público ao lado do ministro Gilmar Mendes, de quem é próximo.

Em 2019, foi apoiado pela deputada federal Bia Kicis (PL-DF) para o cargo de procurador-geral. Levado pela parlamentar, Gonet chegou a ser recebido por Bolsonaro para uma conversa um mês antes da escolha do nome de Aras.

Já Carlos Frederico Santos é responsável hoje no STF pelos inquéritos relacionados aos atos criminosos do 8 de janeiro e, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), pela extradição do ex-jogador Robinho e pelo caso do espião russo que fingia ser brasileiro.

No nível mais alto da carreira desde 2013, foi secretário-geral e coordenador da Câmara Criminal. Sua atuação passa ainda pela defesa dos direitos dos povos indígenas.

Ao lado de Luciano Mariz Maia e Franklin Rodrigues da Costa, Carlos Frederico conseguiu, em 1996, a condenação de cinco garimpeiros pelo que ficou conhecido como massacre de Haximu, comunidade yanomami na fronteira do Brasil com a Venezuela.

A decisão foi confirmada pelo STJ, em 2000, e pelo STF, em 2006. A condenação é considerada leading case da aplicação do crime de genocídio contra indígenas e representou uma mudança de paradigma sobre o tema.

Fred, como é conhecido no MPF, era presidente da ANPR quando a primeira lista foi elaborada, em 2001. Ela foi apresentada ao então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que a rejeitou.

Assim como Lula, Fred não acredita na efetividade do mecanismo na escolha do procurador-geral e hoje descarta sua continuidade. Antes disso, no entanto, tentou ser um dos três mais votados da lista em 2015 e 2017, mas não conseguiu.

O subprocurador, bem como Aras, é crítico da extinta Lava Jato, ponto considerado relevante por Lula e seus auxiliares.

Histórico da lista tríplice

A lista tríplice foi elaborada pela ANPR pela primeira vez em 2001, quando Carlos Frederico Santos era presidente da associação.

Os nomes foram apresentados ao então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que decidiu por um nome de fora da lista. Na segunda consulta feita à carreira, em 2003, Lula escolheu o subprocurador-geral Cláudio Lemos Fonteles.

A decisão de Lula deu início à tradição da lista, que ao longo dos anos passou a ser criticada dentro e fora do MPF. Enquanto esteve na Presidência, Dilma acolheu os nomes apresentados pelos procuradores.

Michel Temer foi o primeiro presidente a, em 2017, não escolher o mais votado pela carreira. Naquele ano, o subprocurador Nicolao Dino, irmão do atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, foi o mais votado. Temer, no entanto, escolheu Raquel Dodge, a segunda mais votada na lista.

Em 2019, Jair Bolsonaro rejeitou a indicação dos procuradores e escolheu Augusto Aras para comandar a PGR. Aras foi reconduzido em 2021 para mais dois anos à frente do órgão, novamente sem ter o apoio da carreira.