Futebol

A máfia das apostas explicada: como quadrilha subverteu o jogo e contaminou o futebol

Anulando riscos e acertando probabilidades improváveis, apostadores conseguiam lucrar até R$ 800 mil por rodada aliciando jogadores

Extra Online

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Entre vitória, derrota e empate, segundo as probabilidades, a chance de uma pessoa acertar o resultado de cinco partidas de futebol diferentes ao mesmo tempo é de uma em 243. Ou seja, algo em torno de 0,4%. Acertar, entre os 10 jogos e até 320 jogadores que podem entrar em campo em uma rodada do Brasileirão, cinco atletas que serão advertidos com um cartão amarelo, no mesmo fim de semana, é algo ainda mais improvável.

Tanto que o professor Gilcione Costa, do Departamento de Matemática da UFMG até diz que é possível calcular a probabilidade, mas não de forma absolutamente exata:

— Se a média do Brasileirão de 2022 foi de 4,89 cartões por jogo, se admitirmos a aleatoriedade de quem receberá os cartões, podemos calcular. Listando cinco jogadores previamente, apostando que eles receberão cartões, a chance de acertar todos ao mesmo tempo é de 0,0083%.

Ou seja, a chance é uma em 12.500. Para se ter uma dimensão da dificuldade, considerando o Campeonato Brasileiro com 38 rodadas, fazendo uma aposta por rodada, seriam necessários 329 anos para jogar 12.500 vezes. Esta é apenas a 53ª edição do torneio na história.

Então, é possível acertar uma aposta que combine cinco jogadores tomando cartão ao mesmo tempo em uma mesma rodada? A matemática diz que é improvável, ou com probabilidade irrelevante. Já a realidade do futebol brasileiro diz que sim, mas com um fator que foge à razão estatística: é possível se você comprar os jogadores e combinar previamente para que eles forcem a advertência pelo juiz.

Modus operandi

Foi assim que o grupo de apostadores investigado e denunciado pelo Ministério Público de Goiás na operação Penalidade Máxima agiu para manipular jogos e lucrar com sites aposta. Eles não só subverteram a lógica matemática, acertando esse tipo de aposta uma vez, mas “tiraram a sorte grande” em várias rodadas da Série A do Brasileirão.

Em cada fim de semana, eles conseguiam retornos de até R$ 800 mil. Na 24ª rodada do Brasileirão do ano passado, por exemplo, eles acertaram uma aposta do tipo cravando que Alef Manga, Diego Porfirio (Coritiba), Nino Paraíba (Ceará), Bryan García (Athletico) e Vitor Mendes (Juventude) receberiam o amarelo. Na 27ª rodada, novo acerto com cinco jogadores e cinco amarelos. Além de Nino Paraíba e Vitor Mendes, reincidentes, apareceram nas apostas Sávio (Goiás), Paulo Miranda (Juventude) e Pedrinho (Athletico). Os jogadores foram citados, mas não denunciados no processo.

Os dados estatísticos desses atletas contribuem para a improbabilidade do acerto. Entre os sete, a maior média de cartões por jogo na Série A de 2022 foi de Vitor Mendes, mas ela não passa de 0,52. A menor é de Pedrinho (0,19 por jogo), que só tomava um amarelo a cada cinco jogos. A média dos sete jogadores citados, somados, é de 0,35 por jogo, algo parecido a um amarelo a cada três partidas. Não é difícil entender que todos tomarem cartão na mesma rodada é algo altamente improvável.

Entender algumas terminologias e o funcionamento dos sites de apostas, ajuda a entender não só o crime, mas promiscuidade de toda a operação que, por exemplo, não aceitava comprar qualquer jogador — o valor prometido para cada atleta que topasse participar do esquema variava entre R$ 40 e R$ 80 mil. Jogadores com odds mais altas eram mais visados. Odd (chance, em inglês) nada mais é que o valor pago pela casa de aposta se o que foi apostado acontecer. E ela varia de acordo com a probabilidade.

Na partida de ontem, por exemplo, entre Fluminense e Cuiabá, o site de apostas Betano pagava só R$ 1,75 para cada real apostado em cartão amarelo para Felipe Melo, jogador defensivo conhecido por ser muito advertido. Já um cartão para Ganso, meia ofensivo que faz poucas faltas, disciplinado, o valor era de R$ 2,95.