Futebol

Brasileiro que defendeu seleção da Espanha também sofreu racismo e aconselha Vinicius Jr.: ‘Na época, passou em branco’

O fim de semana foi marcado por mais um triste episódio de racismo em LaLiga. No último domingo (21), no Mestalla, contra o Valencia, o atacante do Real Madrid Vinicius Jr. foi novamente vítima de ofensas racistas. E casos como esse também já afetaram outros brasileiros no futebol espanhol, incluindo um ex-atacante que defendeu a seleção do país europeu.

Real Federación Española de Fútbol

Henrique Guedes da Silva, mais conhecido como Catanha

Nascido em Recife-PE e revelado pelo São Cristóvão-RJ no início dos anos 1990, o ex-atacante Henrique Guedes da Silva, mais conhecido como Catanha, fez a sua carreira quase que por inteiro na Espanha e mora até hoje por lá. Seu primeiro clube no país foi o Salamanca, na temporada 1996/97, vindo do Belenenses, de Portugal. Em seguida, ainda passou por Leganés, Málaga, até que nos anos 2000, quando estava no Celta de Vigo, foi convidado para defender a seleção espanhola, sendo um dos primeiros negros que atuou pelo país, assim como Donato e Marcos Senna.

Durante o período, Catanha disputou algumas partidas das eliminatórias para a Copa do Mundo de 2002, que terminou com o pentacampeonato da seleção brasileira. Em entrevista exclusiva ao ESPN.com.br, o ex-atleta contou que foi muito bem acolhido na Fúria, mas que, infelizmente, em um dos clubes onde atuou foi vítima de racismo durante uma partida como visitante, assim como Vini Jr..

“Estavam precisando de um centroavante como eu. ‘Estamos precisando dos seus serviços e você realmente encaixa no nosso perfil’, disse para mim o auxiliar do (José Antonio) Camacho, que era o treinador. E eu não pensei duas vezes porque cheguei na Espanha na temporada 1996/97, no Salamanca. Subimos (de divisão) e fui emprestado ao Leganés. Em Madri me acolheram perfeitamente. A gente fica feliz porque esse convite veio no meu melhor momento no futebol espanhol, no Celta de Vigo, fazendo gols na Europa”, começou por dizer.

“A adaptação é muito importante. Você chega meio desconfiado, depois você vai pegando. Um te abraça, e você se solta um pouco. Até hoje eu vou para a seleção de veteranos da Espanha e o acolhimento é bastante agradável. Quando eu estou com o Marcos Senna, com o Donato, e vamos jogar, é um ambiente bastante bom.”

Por outro lado, Catanha lembrou que foi vítima de racismo durante uma partida contra o Real Zaragoza, atualmente na 2ª divisão da Espanha, no Estádio de La Romareda. À época, porém, o caso passou batido.

“Tive uma situação bastante parecida com a do Vinicius Jr., cada vez que eu tocava na bola era ‘uh, uh, uh’ (som de macaco). Mas o meu foco não era a torcida, o meu foco estava dentro de campo. Eu nunca fui de brigar com a torcida, de xingar, o meu foco era dentro de campo, mas eu escutava”, disse, relembrando que, em 2006, o ex-atacante do Barcelona Samuel Eto’o também foi vítima de racismo no mesmo estádio.

“Passou em branco. Agora, com o Eto’o, no mesmo estádio (do Zaragoza), o Eto’o queria sair do jogo, e não deixaram, queriam acabar o jogo. No final das contas jogaram o restinho dos minutos. É uma minoria tentando te desequilibrar, mas é complicado jogar dessa forma”, prosseguiu.

“Na época, essa situação era deixada um pouco de lado. É você escutar, e as autoridades não falavam nada. Agora, com a internet, ninguém deixa passar nada. Quando aconteceu com o Eto’o não tinha esse ‘boom’ nas redes sociais. O apoio do clube eu tampouco tive.”

Catanha também aconselhou Vinicius Jr. sobre como enfrentar essa difícil situação e afirmou que espera que as autoridades possam desempenhar o seu trabalho de maneira correta.

“Esse é o conselho que eu dou ao Vinicius, focar no campo e deixar que as autoridades façam o seu trabalho. Esperamos que, com esse caso, a LaLiga tome medidas duras, não prejudicando o espetáculo, mas espero que dessa vez possamos ter uma medida severa.”

APOIO A VINÍCIUS JR. E RESPOSTA AO PRESIDENTE DE LA LIGA

O ex-jogador da seleção espanhola afirmou que não só ele, como também outros ex-atletas que defenderam o país estão empenhados em dar todo o apoio possível a Vinicius Jr.. Inclusive, se preciso, ir ate às ruas.

“Esse problema que aconteceu agora com o caso do Vini, o estamos apoiando, 100%, o que ele precisar estamos aí. Se for para ir às ruas, a gente sai. A gente quer dar esse apoio a ele. Ele é um brasileiro que tem o mesmo sonho que eu, Donato, Marcos Senna: sair do Brasil para dar uma vida boa para você e sua família”, disse.

“Nós apoiamos o Vinicius em tudo. Vinicius é uma pessoa maravilhosa, saiu da favela, pobre, e está se tornando um dos melhores jogadores do mundo. Para jogar com a camisa do Real Madrid você tem que ser o melhor do mundo, e ele está demonstrando isso a cada semana, a cada mês que passa. Vinicius Jr. está crescendo e o apoiamos em tudo. Espero que tomem uma atitude para que acabe de vez essa situação, que é bastante complicada”, prosseguiu.

Catanha também disse quais medidas espera que sejam tomadas após o caso reincidente de racismo com o atacante merengue e expôs a sua opinião sobre o que foi dito pelo brasileiro nas redes sociais logo após o ocorrido.

“Isso realmente mancha bastante (LaLiga). Tirando esse lado do futebol, a Espanha não é um país racista. Eu vivo o dia a dia com as pessoas e não estou de acordo. Em termos de futebol, a gente tem que tomar uma atitude já. A partir dessa semana é colocar tudo na mesa e atuar. Nos próximos jogos não queremos o Vinicius com esse pensamento, ‘eu vou entrar em campo e a torcida vai fazer a mesma coisa?’. Não, vamos cortar agora enquanto é tempo. O futebol espanhol tem que tomar uma urgentemente uma atitude. O Vinicius tem razão nas suas palavras. Agora, tirando o futebol, a sociedade é outra. A Fifa e a Uefa têm que tomar uma atitude grande e tirar essa mancha de agora”, disse.

“Cada vez que tiver uma situação como essa em certo setor do estádio, é isolar essa zona. Ninguém vai mais aí. Se é todo o estádio, se você vê uma parte te chamando de ‘macaco’, essa parte tem que ser isolada para não estragar o espetáculo. A arte do futebol é paixão, é amor, é tudo. É uma coisa que temos dentro do coração, a gente nasce com a bola, dorme com a bola, assim é o futebol brasileiro. A gente sonha um dia ser jogador, o lindo que é, e ser estragado por uma minoria que vai ao estádio só para xingar, bêbado, uma atitude tem que ser tomada pelas autoridades. As autoridades têm que tomar medidas profundas para tirar essas pessoas dos estádios.”