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Influencers investigadas por racismo também humilharam motorista, diz polícia

Kérollen Cunha e Nancy Gonçalves gravaram vídeos entregando banana e macaco de pelúcia para crianças negras. Polícia procura os pais ou responsáveis legais dos menores para ouvi-los sobre o caso.

A Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) já sabe que as influenciadoras Kérollen Cunha e Nancy Gonçalves, investigadas por racismo, humilharam um motorista de aplicativo, em 2021. O caso, no entanto, não foi registrado na delegacia.

Durante a viagem, as duas reclamam do cheiro do carro e falam do cabelo do motorista.

“Aqui dentro está um mal cheiro, cheiro de podre”, diz a mãe. “Cheiro de bicho morto”, retruca a filha. “Acho que é por causa desse cabelo”, fala a mãe mexendo na cabeça do motorista do aplicativo. “Ai, mãe, que nojo não mexe nisso”, diz a filha.

A filha ainda questiona por que o motorista não corta o cabelo. Ele responde que precisa do dinheiro para levar comida para casa. Em seguida, as duas dizem que tudo não passa de uma brincadeira e dão R$ 200 ao motorista como pedido de desculpas. A trollagem, que viralizou, foi criticada na web.

Banana e macaco de pelúcia

A Decradi acredita que os vídeos em que as duas crianças aparecem recebendo uma banana e um macaco de pelúcia tenham sido gravados no Jardim Catarina, em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio, onde ambas nasceram e foram criadas.

A delegada Rita Salim, titular da Decradi, disse que é importante que as mães ou representantes legais dessas crianças compareçam à especializada para que seja relatada toda a dinâmica desde o início até o fim do vídeo.

“Esses vídeos possivelmente foram editados para serem postados em redes sociais. Queremos saber os cortes. Queremos entender a dinâmica: como foi a abordagem, como eles finalizaram isso, por exemplo”, disse Rita.

A Decradi afirmou que vai intimar Kérollen e Nancy para que elas prestem depoimento na próxima semana.

Quem são Kérollen e Nancy

Kérollen e Nancy passaram a ser investigadas pela Decradi por vídeos em que aparecem entregando um macaco de pelúcia, uma banana e dinheiro para crianças negras abordadas na rua.

Nancy e Kérollen se apresentam como “mãe e filha divertindo você”, mas em diversos vídeos afirmam ser meias-irmãs de pais diferentes — em um deles, Nancy conta ter pegado a caçula para criar depois que a mãe das duas avisou que daria Kérollen para adoção.

Em outra publicação, Nancy afirma ter sido garota de programa “por necessidade” e “para cuidar de Kérollen”.

‘Racismo recreativo’

No inquérito que será aberto na Decradi, os investigadores vão apurar se Kérollen e Nancy praticaram crime de racismo ou injúria racial e se também infringiram o Estatuto da Criança e do Adolescente.

O caso veio à tona após a advogada Fayda Belo, especialista em direito antidiscriminatório, denunciar os vídeos — já apagados dos canais. A advogada destacou que as cenas apresentam o chamado “racismo recreativo”, que ocorre quando alguém usa de “discriminação contra pessoas negras com intuito de diversão”.

“O racismo recreativo incita a discriminação e tira de nós, pessoas negras, o status de pessoa, nos animaliza e nos desumaniza. Seguirei com a denúncia dentro da lei e me coloco à disposição para esclarecimentos”, finaliza.

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) recebeu, até esta quarta-feira (31), 690 comunicações com denúncias contra os vídeos.

Em nota divulgada por sua assessoria jurídica, a dupla disse que “não havia intenção de fazer qualquer referência a temáticas raciais ou a discriminações de minorias” no vídeo.

“Sendo assim, gostariam de se dirigir às pessoas que se sentiram diretamente atingidas, para dizer que não tivemos intenção de as ofender individualmente, nem como gênero, etnia, classe ou categoria a que elas pertençam”, diz um trecho do texto.

Não há informações sobre o local exato dos registros, mas Kérollen e Nancy usualmente gravam em Niterói e em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio.

O que elas postam

No Instagram e no TikTok, Kérollen e Nancy postam de dois a três vídeos curtos por semana.

A produção alterna cenas de assistencialismo, testagem de produtos de beleza e pegadinhas — ou trollagens, como aparece nas legendas. Nancy também imita a cantora Katy Perry, a quem se compara.

Nos clipes de ajuda, as duas supostamente abordam pessoas aleatoriamente na rua e perguntam se querem dinheiro ou um “presente misterioso” — circunstância dos vídeos da banana e do macaco.

A dupla também leva crianças para lojas de brinquedo e supostamente dão a elas tudo o que elas tocarem.

Outro vídeo contestado traz a dupla oferecendo uma linguiça a um homem, que diz estar com fome, e colocando uma venda nos olhos dele. Acabam dando larvas vivas em sua boca.

As duas também gravaram oferecendo R$ 100 ou um beijo de Nancy a quem aceitasse raspar o cabelo. Um idoso diz aceitar e aparece com metade do couro cabeludo à mostra — mas, com os olhos tampados, beija o dedo da influencer e parece acreditar ter sido na boca.

Em alguns vídeos, seguidores questionam a veracidade das cenas. Em um deles, um homem descalço bate no portão da casa das influencers “pedindo socorro” com uma bebê no colo. O rosto dele é cortado, mas a câmera mostra a criança — que muitos apontam ser uma boneca. O clipe termina com a dupla dizendo entregar R$ 2 mil em espécie.

Nancy e Kérollen — Foto: Reprodução