Política

Cúpula da Amazônia: entenda o que ficou de fora e o que entrou no acordo assinado pelos 8 países

Especialistas destacam que texto final do encontro foi 'superficial e frágil', mas fazem elogios ao avanço do diálogo entre países membros da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA), que não se reuniam há 15 anos.

Um documento batizado de “Declaração de Belém” é o principal legado da Cúpula da Amazônia, evento que reuniu presidentes e ministros de Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela nesta terça-feira (8) e quarta-feira (9) em Belém.

Secretaria de Comunicação do Pará / Secom-PA

Cúpula da Amazônia – autoridades de países convidados posam para foto oficial em Belém.

O texto final da conferência NÃO 🛑 trouxe avanços sobre pontos considerados fundamentais para especialistas e entidades que acompanham o tema:

  • deixa de assumir metas comuns de desmatamento;
  • não estabelece medidas concretas para evitar o ponto de não retorno da Amazônia, a partir do qual cientistas estimam que a floresta não se sustentaria sozinha;
  • não veta a exploração de petróleo na região.

Mas o texto SIM ✅ sinaliza com alertas importantes e consensos assumidos pelos 8 países da região:

  • ainda que sem medidas concretas, os países concordaram que é preciso evitar o ponto de não retorno da Amazônia;
  • os presidentes acordaram em cobrar dos países desenvolvidos o pagamento de recursos para mitigar o impacto da mudança do clima;
  • ficou acertada a criação de diversas instâncias de fiscalização comum dentro da perspectiva de fortalecer a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA);
  • destaca a necessidade de proteger os territórios indígenas e o respeito aos direitos humanos nas mais diversas formas na região, temas presentes nas propostas da sociedade civil.

Sobre o resultado do encontro, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, minimizou a falta de metas claras e ponderou que o processo de buscar consensos é algo que avança aos poucos.

O processo de negociação é sempre um processo mediado, porque ninguém pode impor sua vontade a ninguém. Então, são os consensos progressivos.

— Marina Silva, ministra do Meio Ambiente.

Abaixo, entenda os avanços e as pendências que ficam após a conclusão da Cúpula da Amazônia.

1. Ponto de não retorno: sem metas e objetivos

📝 Qual era a expectativa? Ações imediatas para evitar que a Amazônica chegue no seu ponto de não retorno, como compromissos com desmatamento zero até 2030 em todos os países membros e metas de redução de emissão de poluentes.

✅ O que aconteceu? O documento resultante da cúpula destaca em quatro momentos a preocupação central em torno do chamado ponto de não retorno, uma ameaça iminente que traria consequências desastrosas para todo o planeta.

Todos os países membros da OTCA concordaram enfaticamente que a Amazônia não pode atingir esse limiar crítico. No entanto, o documento não fornece um plano claro com metas nem prazos.

Especialistas, como o climatologista Carlos Nobre, têm reforçado o alerta sobre o tema.

Apesar da ausência de ações práticas, Nobre – reconhecido internacionalmente por suas pesquisas sobre Amazônia e mudanças climáticas – vê como positivo o fato de que todos os países reconhecem a gravidade da situação e aceitam a ciência por trás do ponto de não retorno. Para ele, esse consenso é um passo importante para enfrentar a crise do clima.

Isso é uma maravilha porque não há dúvidas sobre a seriedade da situação em que nos encontramos. Estamos à beira do precipício.
— Carlos Nobre, climatologista, sobre a menção ao termo ponto de não retorno.
Araras pousam em uma árvore numa área de floresta amazônica em Manaus, em 26 de outubro de 2022. — Foto: REUTERS/Bruno Kelly/File Photo

2. Petróleo e mineração: discordâncias entre países

📝 Qual era a expectativa? Definição sobre barrar (ou não) novos campos de exploração de petróleo na região da Amazônia.

✅ O que aconteceu? A Declaração de Belém não faz qualquer menção a esse assunto em um indicativo sobre a falta de consenso em torno disso.

A Cúpula da Amazônia também termina destacando a importância de iniciar um diálogo entre os países sobre a sustentabilidade de setores como mineração e hidrocarbonetos para atender aos objetivos da agenda 2030, coleção de 17 metas globais estabelecidas pela ONU.

No entanto, no evento também não foram apresentadas declarações claras sobre como alcançar esses objetivos. Na ocasião, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, defendeu inclusive veementemente o fim da exploração de petróleo na região amazônica e criticou a postura negacionista de parte da esquerda em relação a esse tema.

“A política não consegue se destacar dos interesses econômicos que derivam do capital fóssil. Por isso, a ciência se desespera, porque ela não está vinculada a esses interesses tanto quanto a política”, disse.

Petro enfatizou ainda que o planeta está emitindo sinais claros de que é necessário alterar a abordagem de desenvolvimento, e lançou críticas contundentes à exploração na bacia da Foz do Amazonas.

Por outro lado, o governo brasileiro está em discussão sobre a possibilidade de a Petrobras conduzir pesquisas para avaliar a viabilidade da extração de petróleo na região, algo duramente criticado por ambientalistas.

Infográfico mostra o local em que a Petrobras quer explorar petróleo na bacia da Foz do Amazonas — Foto: Editoria da Arte/g1

No contexto do garimpo da Amazônia somente no Brasil, a destruição causada por essa atividade dobrou em uma década, aumentando de 99 mil hectares para 196 mil hectares entre 2010 e 2021, de acordo com um relatório do Mapbiomas. Por isso, especialistas também expressam preocupação com a falta de planos de ação e enfatizam a necessidade de medidas imediatas.

No início da Cúpula, o Cacique Raoni, uma das principais lideranças indígenas do Brasil, entregou inclusive uma carta ao presidente Lula, pressionando por ações imediatas na proteção dos povos indígenas, incluindo a remoção de garimpeiros e medidas contra atividades ilegais na Amazônia, além do cumprimento de compromissos assumidos.

“[A Declaração de Belém] não falou de como acabar com a produção de petróleo, nem em quando que a gente vai parar de explorar petróleo na região e quando que a gente vai deixar de abrir novas fronteiras de petróleo em mundo que não aguenta mais emissão de carbono. Nada disso entrou”, diz Raul do Valle, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil.

3. Desmatamento: sem acordos comuns

📝 Qual era a expectativa? Era esperado que os países amazônicos estabelecessem, durante a cúpula, uma meta conjunta de redução do desmatamento do bioma, um compromisso de desmatamento zero, por exemplo.

✅O que aconteceu? O ponto de não retorno está estreitamente ligado à questão do desmatamento em toda a região da Pan-Amazônia, já que a falta de ações para combatê-lo pode resultar na transformação do bioma em uma savana, liberando grandes quantidades de carbono na atmosfera e contribuindo para o aquecimento global.

Para enfrentar esse desafio, era esperado então que os países amazônicos estabelecessem, durante a cúpula, uma meta conjunta de redução do desmatamento do bioma, mas isso também não aconteceu.

O progresso tangível ocorreu na forma do compromisso dos países da OTCA em estabelecer uma aliança regional para combater o desmatamento. Essa aliança amazônica visa fomentar a colaboração internacional, enquanto reconhece e impulsiona o alcance das metas individuais de cada nação, incluindo a meta de desmatamento zero, exemplificada pelo Brasil.

Apesar da ausência dessa que era uma das metas mais esperadas, André Guimarães, diretor executivo do IPAM, destaca que o evento estimulou a iniciativa inédita de compromissos de linhas de financiamento para empreendedores substituírem atividades danosas por sustentáveis na região.

São esperados aportes significativos, em torno de US$ 25 bilhões, articulados por 19 bancos, liderados pelo BNDES e BID. A ideia é não apenas disponibilizar crédito, mas também impulsionar o crescimento do setor privado.

Protesto da organização Engajamundo antes da Cúpula da Amazônia — Foto: Paloma Rodrigues/g1

4. Sociedade civil: ausência de participação efetiva

📝 Qual era a expectativa? Uma participativa ativa da sociedade civil nas discussões e elaboração de propostas do evento.

✅O que aconteceu? Durante a Cúpula, algumas críticas também surgiram em relação à participação ativa da sociedade civil. Antes do encontro, um evento paralelo chamado “Diálogos Amazônicos” reuniu mais de 400 organizações da sociedade.

Depois disso, representantes de diferentes setores entregaram documentos aos líderes dos países amazônicos, entretanto, a participação social não pareceu ter produzido resultados significativos.

“Houve debates anteriores, do dia 4 até o dia 6, muito interessantes, muitas oficinas, mas esses debates, os pedidos da sociedade, não se refletiram na declaração e não se refletiram nos documentos oficiais desse encontro”, destaca Do Valle.

5. Retomada do diálogo

📝 Qual era a expectativa? Fortalecer a cooperação entre os países membros. Impulsionar não só a atuação da OTCA como o diálogo regional e fortalecer parcerias estratégicas entre os órgãos governamentais desses países e a sociedade civil.

O que aconteceu? Justamente o que era esperado. Os especialistas ouvidos pelo g1 destacam o fator “pontapé” do evento. A Cúpula da Amazônia se encerra nesta quarta-feira como uma importante vitrine para depois de 15 anos os países membros da OTCA voltarem a discutir Amazônia e pelo menos concordarem em abordar o desmatamento e a degradação florestal no bioma.

Nobre diz ainda que falta de metas concretas para eliminar o desmatamento até 2030 e reduzir a degradação florestal foi um ponto crítico, mas o documento reconhece a necessidade de fortalecer o empoderamento das populações indígenas, a demarcação de terras e a criação de unidades de conservação.

O especialista destaca a importância de os países amazônicos se unirem politicamente e economicamente, buscando financiamento dos países desenvolvidos para impulsionar uma nova bioeconomia sustentável na região.

“Se países amazônicos concordarem antes da COP 30, em 2025, de zerar as emissões de gases, zerar o desmatamento e zerar a degradação florestal, nós seremos os primeiros países estaremos entre os primeiros países do mundo a atingir as metas do acordo de Paris”.