Segurança

Stalking: como identificar e o que fazer quando se é vítima de perseguição

A prática só se tornou crime em 2021 e pode ser difícil reconhecer suas características, principalmente quando o autor da perseguição é desconhecido.

Centenas de mensagens ou ligações de uma mesma pessoa. Comentários invasivos em redes sociais. Perfis falsos que acompanham a sua rotina, a de seus familiares ou amigos. Notar que uma pessoa está sempre no mesmo local e horário que você.

Agência Brasil

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Esses são apenas alguns sinais de uma série de situações que podem indicar que alguém é vítima de stalking (ou “perseguição”, na tradução do inglês).

O stalking não é novidade, mas as redes sociais facilitaram e amplificaram o alcance dos criminosos. A prática virou crime somente em 2021, quando foi incluída ao Código Penal.

Mesmo que a perseguição seja uma prática já bastante antiga, pode ser difícil reconhecer que você ou algum conhecido é vítima de stalking para fazer a denúncia do criminoso, cessando a violência.

Confira, nesta reportagem, quais os principais sinais de alerta e o que fazer quando se é vítima de stalking.

Veja como e quando denunciar o ‘stalking’, crime de perseguição — Foto: Daniel Ivanaskas/G1

Como identificar?

 

Segundo a advogada Gisele Truzzi, especialista em crimes digitais, a principal característica desse crime é a repetição: “a perseguição reiterada é o primeiro sinal de alerta”, explica.

Ela explica que o stalking consiste em uma série de comportamentos que, acontecendo de forma repetitiva, tolhem qualquer forma de liberdade da vítima — de não se sentir confortável em publicar conteúdo nas redes sociais até ter medo de andar na rua.

As formas em que o assédio pode ocorrer são variadas. No entanto, cabe destacar:

  • muitas mensagens de uma mesma pessoa em diversas oportunidades, mesmo sinalizando que não quer ter aquele contato;
  • muitas ligações seguidas;
  • comentários, principalmente com teor negativo, em publicações feitas em redes sociais;
  • o stalker pode criar perfis falsos em redes sociais para acompanhar o que você posta caso seja bloqueado;
  • familiares e/ou amigos começam a ser seguidos pelo stalker ou pelos mesmos perfis falsos;
  • a vítima percebe que alguém está sempre nos mesmos locais e horários que você;
  • a vítima recebe comentários que mostram que aquela pessoa te viu ou sabe sobre a sua rotina, como dizer exatamente a roupa que você estava usando ou uma foto de algo seu ou de um lugar em que você esteve.

Outras situações semelhantes podem indicar o stalking, mas o principal ponto é que elas sempre vão ocorrer repetidamente, em vários dias, em um mesmo horário ou em diferentes momentos.

Além disso, Gisele destaca que o stalking geralmente está associado a outros crimes, como ameaça, extorsão ou violência psicológica — todas situações que amedrontam a vítima e podem cercear sua liberdade.

O que fazer?

De acordo com a advogada, é essencial ter provas da perseguição para conseguir, durante o processo, demonstrar que a história da vítima é verídica.

“Salvar e-mails, postagens em redes sociais, tirar prints (capturas de tela) de mensagens ou registrar chamadas telefônicas. Tem que armazenar tudo e nunca apagar as provas”, pontua.

 

Para isso, o método mais comum é, justamente, a captura de tela daquilo que é recebido de forma online. Porém, Gisele ressalta que os prints, embora válidos, podem ser questionados em juízo e, em casos assim, passam por perícia para comprovar sua autenticidade.

A advogada explica que há outros dois meios de reforçar essas provas, de forma que não sejam contestadas. A primeira delas — e mais segura — é realizar uma ata notarial, que é um processo em que um tabelião certificado escreve, em um documento, aquilo que ele está vendo, o que pode ser feito com essas provas.

Gisele comenta que o tabelião é uma pessoa de fé pública e, por isso, com uma certificação de que ele está vendo uma mensagem do stalker, por exemplo, não pode haver contestações durante o processo. No entanto, essa é uma opção mais cara e pode ser considerada para casos mais graves, como ameaças.

A alternativa a isso, para a advogada, seria a própria vítima produzir um relatório digital do conteúdo produzido ou enviado pelo stalker em uma plataforma que utilize tecnologia blockchain. Há alguns sites que oferecem esse serviço por um preço menor e, como o registro é feito e comprovado por uma plataforma terceirizada e imparcial, tem mais valor judicial do que um print por si só.

Além do registro das provas, Gisele também destaca que é importante buscar um advogado, preferencialmente focado em crimes digitais, para que medidas complementares sejam tomadas.

Cada vítima terá uma trajetória processual própria, tomando as medidas judiciais mais adequadas para cada situação, mas cabe destacar que o processo pode seguir dois caminhos principais:

  1. cível;
  2. criminal.

1️⃣ No processo cível, a vítima pode entrar com uma ação de obrigação de fazer, explica Gisele. Nessa ação, é possível pedir à Justiça que o stalker seja proibido de tentar qualquer tipo de contato com a vítima, inclusive com a criação de perfis falsos nas redes sociais.

Se, após a determinação judicial, o criminoso voltar a fazer contato, seja de forma física ou virtual, ele estará sujeito a uma punição legal, a ser decidida pelo juiz.

Também é possível, com um processo cível, entrar com um pedido de indenização por danos morais por todos os prejuízos sofridos pela vítima.

Em ambos os casos, será necessário comprovar a perseguição e, por isso, a importância do registro das provas.

2️⃣ Já no processo criminal, a ação judicial busca punir o criminoso, com uma pena que pode variar de seis meses a dois anos de reclusão e multa.

Dessa forma, é necessário ir até uma delegacia – preferencialmente a Delegacia de Crimes Digitais ou a Delegacia da Mulher, em casos em que o crime ocorre por alguém com quem a vítima teve envolvimento amoroso – e abrir um boletim de ocorrência para que seja instaurado um inquérito policial.

Durante o inquérito a vítima deverá apresentar todas as provas e poderá ser chamada para prestar depoimento em diferentes ocasiões. Com a conclusão da investigação e, caso a polícia indicie o stalker, o processo segue os meios legais e é encaminhado à Justiça para ser julgado.

Além do julgamento – que pode terminar com diferentes penas a depender do caso -, em situações em que a vítima é mulher e o crime está ligado a relacionamentos amorosos, é possível solicitar uma medida protetiva de urgência para que o criminoso não se aproxime e não tente contato. Para isso, basta solicitar a medida à delegacia ou ao Ministério Público.

Em todos os casos, Gisele ressalta que, para pessoas que não tenham condições financeiras de contratar um advogado, é possível recorrer à Defensoria Pública ou a organizações que prestem auxílio jurídico de graça ou por valores acessíveis.

Como agir se o stalker é desconhecido?

O stalking também pode partir de algum anônimo e, nestes casos, parte do processo é diferente, com o objetivo de descobrir a identidade. É necessário:

  • registrar todas as provas, assim como nos casos em que o stalker é conhecido;
  • com a ajuda de um advogado, entrar com um processo cível contra a plataforma pela qual o stalker assedia a vítima, para obter a quebra de IP;
  • com os dados de IP, entrar com um processo cível contra a provedora de internet daquele IP, que fornecerá todos os dados pessoais necessários;
  • com todas as informações em mãos, iniciar o processo contra o stalker, seja na esfera cível ou criminal.

Também é possível conseguir a quebra de IP e dados pessoais por meio de um inquérito policial, ao levar o caso até a delegacia, mas o processo pode ser um pouco mais longo.

A Defensoria Pública e organizações também podem ajudar pessoas sem condição financeira para arcar com os custos dos processos nessas situações.