Em meio a protestos, deputados acordaram que a análise ocorrerá após a realização de audiência pública para discutir o tema. Proposta havia retornado à pauta do colegiado nesta terça.
Em uma sessão tumultuada, a Comissão de Previdência e Família da Câmara dos Deputados adiou nesta terça-feira (19) a votação do parecer do deputado Pastor Eurico (PL-PE) que dá aval a um projeto que proíbe o reconhecimento do casamento civil homoafetivo – ou seja, entre pessoas do mesmo sexo.
O segundo adiamento de votação da proposta foi definido após quase duas horas de discussão para chegar a um acordo entre parlamentares de esquerda e da oposição.
Pela decisão, o texto – avaliado como inconstitucional por juristas – retornará à pauta do colegiado somente depois da realização de uma audiência pública sobre o tema.
O debate ocorrerá na próxima terça (26). Na quarta (27), o projeto será votado com o compromisso de parlamentares de esquerda em não obstruir a discussão.
A sessão da comissão nesta terça-feira foi tomada por protestos de ativistas. Antes do início do encontro, manifestantes entoaram cantos em defesa dos direitos das pessoas LGBTQIA+. Os protestos contaram com a participação de parlamentares de partidos à esquerda.
“Nenhum direito a menos”, afirmaram.
O clima também se estendeu ao corredor que dá acesso ao plenário em que a reunião ocorreu. Para evitar superlotação do espaço e possíveis confrontos, a Polícia Legislativa bloqueou a entrada de um grupo, que protestou.
Os protestos seguiram no decorrer da discussão, sob ameaças de retirada de manifestantes que atrapalhassem o andamento da reunião.
Parecer do relator
No parecer em discussão, Eurico analisou nove projetos sobre o tema que tramitam em conjunto na Câmara. O principal, apresentado pelo então deputado Clodovil Hernandes (PTC-SP), estabelecia a possibilidade de celebrar casamentos homoafetivos.
O parlamentar, no entanto, rejeitou o texto e outros sete. Somente a proposta que veta o reconhecimento desse tipo de união recebeu o aval do relator.
O projeto adiciona um parágrafo ao artigo do Código Civil que elenca impedimentos para a celebração de casamentos e uniões estáveis. Segundo o projeto, relações entre pessoas do mesmo sexo não poderão ser equiparadas:
Eurico justificou o acolhimento da proposta com base em teses religiosas e chegou a afirmar que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é “contrário à verdade do ser humano”.
Decisão do STF
O texto em análise na comissão foi apresentado em 2009 – três anos antes de o Supremo Tribunal Federal (STF) permitir uniões homoafetivas – e desengavetado neste ano.
Os casamentos homoafetivos não estão regulamentados em lei. A base jurídica para a oficialização dessas relações é uma decisão do STF de 2011.
À época, por unanimidade, os ministros decidiram que um artigo do Código Civil deveria ser interpretado para garantir o reconhecimento de uniões entre pessoas do mesmo sexo. A decisão também considerou essas relações como entidades familiares.
Dois anos depois, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou resolução para obrigar a celebração de casamentos homoafetivos em cartórios.
Desde a resolução do CNJ, o número de uniões homoafetivas cresceu quase quatro vezes no Brasil. Os registros saltaram de 3.700 em 2013, para quase 13 mil até 2022.
Afronta à Constituição
Relator da ação que assegurou o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, o ministro aposentado do Supremo Ayres Britto avaliou que a proposta em discussão na Câmara “está em rota de colisão” com o que decidiu a Corte.
“O que o STF decidiu, por unanimidade, foi à luz da Constituição. O entendimento é claro e assegura aos casais homossexuais os mesmos direitos de uniões formadas por pessoas de sexos diferentes”, afirmou Britto ao g1.
De acordo com o ministro, o projeto não tem “chance de prosperar”. “Juridicamente, é uma afronta aos princípios constitucionais”, explicou.
“Hipoteticamente, em uma chance muito remota, essa lei seria derrubada pelo Supremo. O STF reafirmaria o entendimento adotado em 2011.”
O tom é o mesmo adotado por Celso de Mello, também ministro aposentado da Corte. Para ele, iniciativas semelhantes à discutida na comissão representam um “retrocesso social”.
“Qualquer ensaio objetivando impedir, por via legislativa, o reconhecimento do casamento civil homoafetivo constituirá, segundo penso, um gesto de indigno retrocesso social, impregnado de indisfarçável e censurável preconceito, vulnerador de postulados constitucionais básicos, todos eles protegidos por cláusula pétrea”, disse Celso de Mello.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também discursou em defesa dos direitos da comunidade LGBTQIA+ nesta terça, horas antes de a análise ser retomada na comissão.
“Seremos rigorosos na defesa dos direitos de grupos LGBTQI+ e pessoas com deficiência”, disse, em discurso na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU).
O terceiro mandato de Lula é a primeira gestão federal a contar com uma secretaria nacional dedicada aos direitos das pessoas LGBTQIA+. O cargo é ocupado pela travesti Symmy Larrat.