Mãe diz estar há 100 dias sem o filho e quer que o TJ reveja decisão; ela alega que a situação decorre do status do pai, que é um coronel reformado da PM
A Justiça do Ceará decidiu conceder a guarda de um menino de seis anos ao seu pai, embora o mesmo seja réu no Judiciário por estuprar a criança. Agora, há mais de 100 dias sem ver o filho, a mãe quer que a decisão seja revista, se baseando nesse processo que tramita na esfera criminal contra o ex-marido.
A mulher ainda alega que a decisão mais recente, tomada em 2º Grau no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), na semana passada, e a qual a reportagem teve acesso, se deve ao ‘status’ do pai da criança: um coronel aposentado da Polícia Militar do Ceará (PMCE) e irmão de juiz. A Revista Piauí chegou a abordar o caso no dia 10. O Diário do Nordeste preserva os nomes do pai e da mãe da criança com intuito de resguardar a identidade da vítima.
Nesta segunda-feira (16), após tomar conhecimento do caso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) informou publicamente que a Corregedoria Nacional de Justiça instaurou pedido de providências “para apurar suspeita de irregularidade” no processo da guarda.
“A investigação tem o objetivo de analisar as ações dos magistrados que atuaram no caso em que o pai – responsável legal pelo menino – é acusado de agredir a criança sexualmente. Há indícios de favorecimento por membros da Justiça ao pai, que é aposentado da Polícia Militar e tem vários parentes que trabalham no Poder Judiciário”
CNJ
O Conselho destaca que o coronel é irmão de um juiz, primo de outro magistrado de 1º grau em Fortaleza e também é familiar de uma desembargadora federal. Existe determinação que em até cinco dias o TJCE informe se há procedimento de apuração disciplinar envolvendo os magistrados que até então atuaram nos processos que tratam do litígio envolvendo as partes.
CRIME SEXUAL
A primeira suspeita que o filho vinha sendo abusado sexualmente veio ainda em 2021, quando a mãe levou o menino à dentista e a profissional teria indicado que as feridas na parte superior dentro da boca eram compatíveis com sexo oral. Entre idas e vindas em múltiplos processos, criminal e cível, na Justiça cearense, a mulher passou a perder contato com o filho desde quando não teria entregue o menino de volta na data prevista.
Contactada pela reportagem, a defesa do acusado nega que ele tenha cometido qualquer crime contra a criança e diz que o processo criminal está baseado “em alegações falsas e unilaterais”.
Há dois anos, os pais compartilhavam a guarda. Após passar período na casa do pai, o menino teria retornado com o “céu da boca roxo”, contou a mulher à reportagem. A mãe, agora acusada pelo pai por denunciação caluniosa, diz que levou o filho ao dentista e teria ouvido da profissional que: “vá para uma delegacia denunciar, porque é indício de abuso sexual”.
“Fiz boletim na delegacia mesmo e fiz exame de corpo de delito, mas fui desencorajada lá porque o delegado disse que era uma acusação muito séria. Passou uns dias. De novo meu filho veio passar a semana comigo e veio muito pornográfico, com coisas que não eram saudáveis. Eu indaguei e filho e ele contou”
MÃE DA CRIANÇA
DISPUTA NA JUSTIÇA
A mulher foi novamente à delegacia e pediu medida protetiva. Ela conta que a decisão não saiu a tempo da data que deveria devolver a criança: “então eu fugi com meu filho”. Segundo ela, “ele mandou capangas na minha casa para levarem a criança à força”.
O menino voltou a ficar com o pai e a disputa judicial se intensificou.
Agora, a Corregedoria Nacional diz que também “pretende apurar o processo que tramita no 20ª Juizado Especial Criminal, relativo à acusação de subtração de incapaz impetrado contra a mãe da criança. O processo revela que, diante dos indícios de maus tratos e abuso sexual cometidos contra seu filho, a mulher teria se refugiado com o menino no Rio Grande do Norte por um breve período, até que o deferimento de cautelar de busca e apreensão restituiu a guarda do menor ao pai”.
O caso que envolve esta família traz acusações contra os dois lados, que resultam em processos com idas e vindas no Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), que já duram mais de um ano.
Segundo a defesa do coronel, também consta na Justiça do Ceará um processo contra a mãe, como quando o PM afirma que a ex-esposa o denunciou caluniosamente.
PROCESSO CRIMINAL
O PM vinha sendo investigado pelo suposto estupro contra o filho, a partir da notícia-crime feita pela mãe. Já em agosto deste ano, conforme documentos que a reportagem do Diário do Nordeste teve acesso, o Ministério Público do Ceará apresentou a acusação e a juíza da 12ª Vara Criminal decidiu receber a denúncia, citando o policial, irmão de um magistrado, para que ele se manifeste nos autos.
Quando questionado sobre as movimentações das ações, o Tribunal de Justiça afirma que “nos nomes dos envolvidos existem diversas ações judiciais, com diferentes assuntos, movidas por ambas as partes e também por órgão ministerial”.
“Os referidos processos tramitam em segredo de justiça, por esta razão, não podem ser repassadas informações. O acesso integral aos autos é resguardado às partes e aos seus respectivos advogados para a preservação do direito à intimidade dos envolvidos, inclusive do menor”, também conforme o Tribunal.
DECISÃO A FAVOR DO PAI
A partir do momento em que o policial se tornou réu, para a mãe, agora ela estava prestes a rever a criança. Já neste mês de outubro, uma decisão na Vara da Família foi a favor da mulher.
Faltava poucas horas para que o pai devolvesse a criança, já tendo em outra instância a justiça determinado a “suspensão do poder familiar do genitor, ficando a criança sob a responsabilidade da genitora”. O coronel entrou com recurso, alegando jamais ter praticado qualquer crime, “muito menos contra seu filho, sendo possível visualizar uma série de provas documentais”.
Na madrugada do último dia 10 de outubro, no gabinete do relator e desembargador Carlos Augusto Gomes Correia, foi proferida decisão a favor do pai do menino, impugnando que ele retornasse aos braços da mãe.
O desembargador entendeu que a “decisão recorrida foi motivada pelo fato de recebimento de denúncia contra o agravante, que virou réu em processo criminal em trâmite na 12ª Vara Criminal de Fortaleza, CE, tratando-se de fato novo, motivo pelo qual não há, no entender deste relator, afronta à hierarquia das decisões judiciais. Todavia, pelo que se verifica dos autos na origem, as acusações de suposta prática de violência contra o menor, vem sendo alegado pela agravada desde o ano de 2021, sendo fato novo apenas o indiciamento e recebimento da denúncia”.
A Associação Cearense de Magistrados se posicionou por nota afirmando que “diante da reverberação do caso de litígio de guarda de uma criança entre o irmão de um juiz associado ACM e sua ex-companheira, em que a mãe afirma que o Poder Judiciário agiu com parcialidade no caso, a entidade de classe afirma que, nesse e em todos os outros tipos de episódios, todas as decisões estabelecidas pelos magistrados foram tomadas com base nas provas dos autos, permitindo, inclusive que as partes tivessem seus direitos garantidos, assim como determina a Justiça e a Constituição Federal. Por fim, a ACM, diferente do que vem sendo divulgado pela mãe em matérias veiculadas na imprensa, afirma que não há nenhuma influência de pessoa estranha às decisões do julgamento”.
TEMENDO UMA TRAGÉDIA
Inconformada com o posicionamento, a mãe acusa que o ex-marido é parente de magistrados ligados ao Judiciário cearense e que “ele burla o Estado, com o TJCE deixando uma criança que sofreu estupro na guarda dele”.
O Poder Judiciário ressalta que: “no âmbito judicial, eventuais irresignações das partes podem ser submetidas aos órgãos julgadores competentes, conforme prevê a legislação. De igual modo, qualquer reivindicação relacionada à conduta de membros do Judiciário pode ser apresentada aos órgãos correcionais”.
“Estou tentando evitar que eu seja a próxima mãe da Isabela Nardoni ou como o Leniel Borel, pai do Henry, carregando um luto. Quem é que garante que ele não vai ceifar a vida do meu filho? Que ele não vai matar meu filho? Ele já fez coisas horríveis dentro da minha casa, já puxou arma e botou na minha cabeça. A gente pensa que isso não vai acontecer com isso, mas acontece, e agora ele me faz refém molestando a criança. Ele é estuprador”
MÃE DO MENINO DE SEIS ANOS
O desembargador que decidiu a favor do acusado destaca nos autos que: “não estou, em hipótese alguma, emitindo qualquer juízo meritório quanto ao processo penal instaurado em desfavor do agravante, mas importa repisar que o que motivou a prolação do decisum ora recorrido foi tão somente o recebimento de uma denúncia, cujos fatos haviam sido aduzidos pela parte agravada há aproximadamente dois anos e, ainda assim não se mostraram suficientes para a alteração verificada na decisão ora agravada”.
Os advogados de defesa do PM, Miguel Rocha Nasser Hissa e Bruno Queiroz Oliveira, consideram ser “lamentável a divulgação indevida e distorcida dos fatos envolvendo um litígio que tramita em sigilo, resultando em prejuízos ao bem-estar da própria criança envolvida”.
VEJA NOTA DA DEFESA NA ÍNTEGRA:
“Afirmamos, porém, que o pai da criança é inocente de todas as acusações, não tendo praticado, jamais, qualquer tipo de ilícito contra seu filho ou contra quem quer que seja. O processo criminal, baseado em alegações falsas e unilaterais – até mesmo o resultado do exame de corpo de delito resultou negativo –, é produto de uma campanha premeditada de desqualificação do pai da criança perpetrada pela genitora do menor.
A denúncia, baseada em laudo unilateral produzido por psicóloga contratada pela mãe da criança, somente foi oferecida depois que a genitora perdeu a guarda da criança em função dos inúmeros expedientes atentatórios à dignidade do infante. Entre tais expedientes, pontuam-se a divulgação de informações do processo nas redes sociais e na imprensa, os constantes ataques públicos à família paterna e a reiterada desobediência às decisões judiciais. A genitora chegou a sequestrar e ocultar o menor por mais de dois anos, em franco descumprimento aos mandados de busca e apreensão expedidos pelo Juízo de Família.
Ressalte-se que os laudos social e psicológico, produzidos por profissionais nomeados pelo Juízo de Família, apontam que a convivência do filho na moradia paterna é segura e amorosa, não havendo menção à prática de qualquer ilícito praticado pelo pai.
A mãe da criança, por outro lado, responde pela prática de crimes diversos, tais como maus tratos, tortura, constrangimento contra menores, perigo para a vida e saúde de outrem, desobediência e subtração de incapaz, crimes em investigação na Delegacia de Combate à Exploração da Criança – além do crime de denunciação caluniosa por ter falsamente denunciado o pai da criança.
Reafirmamos a confiança no Judiciário e a convicção de que a verdade será restabelecida, com a absolvição do genitor das acusações criminais e sua manutenção como guardião exclusivo da criança”.
Enquanto isso, a mãe entrou com pedido de urgência da apreciação do pedido junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alegando risco iminente para a criança “na guarda do genitor réu em processo de estupro de vulnerável e maus-tratos”.
PEDIDO DE TEMPO RAZOÁVEL
Em julho de 2023, o Ministério Público do Ceará se posicionou manifestando a vontade de que fosse aplicada a medida protetiva de urgência para a criança. Um mês depois, no último 30 de agosto, a juíza da 3ª Vara da Família pediu tempo para analisar o processo e que “qualquer decisão mais apressada e sem uma profunda análise dos autos, só servia para tumultuar ainda mais o processo”.
“Embora esteja ciente e reconheça a urgência e importância de uma decisão ágil nos autos, a presente Magistrada, por nunca ter tido contato com o processo, necessito de tempo razoável para análise integral dos mesmos, das 2.523 páginas de muitas informações, pois nenhuma decisão será efetivamente segura, sendo analisada só as páginas finais de um processo que tramita há quase cinco anos e que teve diversas intercorrências e mudanças de decisões no seu decorrer, inclusive com várias declarações de suspeições dos Magistrados e Promotores que originalmente deveriam atuar nos autos”.
Na 12ª Vara Criminal, a magistrada considerou que a peça acusatória do MP atende os pressupostos estipulados no Código de Processo Penal e que “tipificam o delito em que foi enquadrado o denunciado, afora estar o processo acompanhado de indícios de materialidade e de autoria a justificar o início da ação penal, consoante as peças aglutinadas no Inquérito Policial anexo, como os termos de declarações e oitivas inquisitoriais”.
O MP sugere ainda que, como medida de cautela, seja indicado um terceiro responsável “pela proteção integral da criança”. A mãe, sem ver o filho há quase três meses, acrescenta: “ele já foi denunciado, já é réu, mostramos tudo que podíamos, não sei mais o que fazer”.