Advogado disse que palestra foi ministrada por mulher que se apresenta como 'ex-trans'. Secretaria de Educação afastou equipe responsável pela organização do evento.
Uma escola de Anápolis, a 55 km de Goiânia, está sendo investigada após uma palestra que aconteceu na unidade. Um dos denunciantes disse à polícia que a palestrante pregou a “cura gay” aos alunos. O advogado Alex Costa, membro da comissão de Diversidade Sexual e de Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Goiás (OAB Goiás), falou que a palestrante faz parte de uma igreja e se apresenta como “ex-transsexual”.
“Ela disse que a vida dela estava fadada à condenação, à morte, não se sentia feliz e aceita. Falou que a única solução é ‘destransicionar’, aceitar a identidade de gênero biológica, ir pra igreja, ser cristão, casar com sexo oposto, ter filhos e uma família tradicional”, descreveu Alex.
O g1 tentou contato com a palestrante nesta quinta-feira (26), mas não teve retorno até a última atualização desta reportagem.
A palestra aconteceu no início deste ano, no Centro de Ensino em Período Integral (Cepi) Doutor Mauá Cavalcante Sávio, mas o caso veio à tona recentemente. Segundo a Secretaria de Estado da Educação (Seduc), a equipe gestora da época foi afastada para a apuração dos fatos. A Polícia Civil (PC) investiga o caso e, o Ministério Público de Goiás disse que também vai apurar. Veja mais detalhes do posicionamento da escola abaixo.
O g1 tentou contato com a Igreja evangélica responsável pela palestra nesta quarta-feira (25). Por mensagem, a igreja informou que as acusações são falsas, mas que o pastor elucidaria melhor os fatos em um posicionamento oficial, mas esse posicionamento não foi enviado até a última atualização desta reportagem.
No Instagram, o perfil da igreja publicou uma nota dizendo que não acredita na existência da cura gay e as informações sobre a palestra são falsas.
Equipe afastada
O g1, a atual direção do colégio informou que o grupo da igreja fez três encontros na unidade para tratar de temas relacionados à saúde mental, com aval da gestão da época. O representante do colégio falou que o termo “cura gay” não foi usado, mas o depoimento de uma palestrante incomodou os jovens devido ao teor das falas.
“A escola não compactua com qualquer fala que faça acepção de pessoas por orientação sexual, identidade de gênero, manifestação religiosa ou cor de pele”, finalizou a direção (leia comunicado completo no fim do texto).
Também em nota, a Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc) disse que, após a denúncia de pregações com conteúdo preconceituoso, abriu um processo administrativo e afastou a equipe gestora responsável pela organização da palestra até que o caso seja apurado.
A Seduc Goiás ressaltou que “não corrobora, em hipótese alguma, com quaisquer atitudes, atividades ou ações que firam os preceitos constitucionais e a dignidade humana, sobretudo no ambiente escolar, que deve ser plural” (leia nota completa no fim da reportagem).
A palestra
Segundo o advogado Alex Costa, a série de palestras começou com assuntos relacionados à saúde mental, mas no último dia os comentários preconceituosos foram feitos. Os alunos têm entre 13 e 17 anos, ficaram abalados e se sentiram humilhados, conforme Alex.
“Alguns alunos disseram se sentiram incomodados porque são LGBTs no processo de formação. Na cabeça dessas crianças, elas estão vivendo numa questão de dificuldade de aceitação na família, na sociedade, em desenvolvimento da sua identidade de gênero”, explicou.
O advogado se viu indignado pela palestra levantar como solução a não aceitação. Ao g1, ele disse que um estudante, que se identifica como homem trans, tinha pensamentos autodestrutivos, intensificados após o evento.
“Ele relatou pra um colega que depois dessa palestra teve certeza que deveria morrer para que Deus aceitasse ele e tinha salvação e se ela morresse, que Deus viria aceitar a alma dele se ele ainda não tivesse feito a transição”, detalhou.
Após a série de denúncias por parte de alunos, alguns pais relataram que os filhos mudaram o comportamento em casa após a palestra, de acordo com o membro da OAB Goiás.
“Muitos pais estão sabendo agora que veio à tona que o filho mudou o comportamento dentro de casa, tava se sentindo angustiado, triste, isolado, aí o pai foi entender porque o filho estava assim”, finalilzou.
Investigação
Ao g1, o delegado Manoel Vanderic informou que a delegacia recebeu na última quarta-feira (25) a comunicação do crime. O titular da investigação disse que “muitas” pessoas procuraram a polícia para denunciar a palestra.
Foi instaurado inquérito e serão ouvidos alunos, professores, testemunhas e intimados o pessoal da igreja para darem suas versões. Para que após verifiquemos se realmente aconteceu o crime de homofobia que hoje é equiparado e tipificado na lei de racismo”, detalhou.
Nota resposta da Secretaria de Estado da Educação de Goiás
Em atenção à solicitação de informações sobre denúncia de pregações com conteúdo preconceituoso da igreja ocorridas no Centro de Ensino em Período Integral (Cepi) Doutor Mauá Cavalcante Sávio, de Anápolis, a Secretaria de Estado da Educação de Goiás (Seduc/GO) informa:
A Seduc Goiás não tem informações oficiais sobre este assunto. Assim que tomou conhecimento do ocorrido, a Secretaria determinou a abertura de um PAD (Processo Administrativo Disciplinar) para apurar as circunstâncias do fato e adotar a devida responsabilização de todos os envolvidos;
A Seduc Goiás destaca ainda que a equipe gestora responsável pela organização da palestra foi afastada até que os fatos sejam apurados. Uma outra equipe, indicada pela Seduc Goiás, está à frente da direção da escola.
A Seduc Goiás ressalta, mais uma vez, que não corrobora, em hipótese alguma, com quaisquer atitudes, atividades ou ações que firam os preceitos constitucionais e a dignidade humana, sobretudo no ambiente escolar, que deve ser plural;
Reiteramos ainda que todos os esforços têm sido feitos no sentido de promover a paz, o bem-estar e o respeito à diversidade.
Secretaria de Estado da Educação – Governo de Goiás
Nota Cepi Dr. Mauá
Prezados membros da comunidade escolar e público em geral. Queremos reiterar categoricamente que não houve, sob qualquer circunstância, qualquer debate, ensinamento ou promoção da chamada “cura gay” dentro de nossa instituição de ensino. O CEPI é comprometido com a promoção de valores de respeito, inclusão e igualdade, e estamos empenhados em criar um ambiente seguro e acolhedor para todos os nossos alunos, independentemente de sua orientação sexual, identidade de gênero, raça, religião ou qualquer outra característica.
Repudiamos veementemente quaisquer práticas, terapias ou conceitos que visem “curar” ou “converter” pessoas LGBTQIAPN+ ou que promovam discriminação contra essa comunidade. Reafirmamos nossa dedicação em manter o CEPI Dr. Mauá Cavalcante Sávio como um local onde a tolerância e a igualdade prevaleçam, e onde todos os alunos possam aprender e crescer em um ambiente de respeito e apoio. Agradecemos pela confiança que depositam em nossa escola e nos colocamos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.