A gentileza do motorista de ônibus Lúcio Fábio Feijó, de 47 anos, rendeu uma amizade com a passageira da linha do transporte público em que trabalha, em Fortaleza. O vínculo existe mesmo que ele não saiba o nome da mulher, que costuma chamar de “tia”. Sempre que ela faz o trajeto com ele até o bairro Aracapé, ele ajuda a idosa a descer do ônibus e atravessar a avenida para chegar à porta de casa.
O motorista trabalha há oito anos na Auto Viação São José, onde é mais conhecido como Feijó. Ele atua na linha que serve o bairro Aracapé, na periferia da cidade, do meio da tarde até o fim da noite. E contou ao g1 que, há cerca de oito meses, a passageira idosa se habituou a esperar pelo veículo dele no Terminal da Parangaba.
A idosa tem dificuldades para andar e descer do ônibus, com altura significativa entre os degraus e o solo. Ela mora em uma casa de dois andares na avenida Maria Gomes de Sá, onde desembarca com ajuda dele. Segundo o motorista, ela prefere morar no segundo andar por medo de ladrões.
“Eu paro bem pertinho na calçada. Aí eu desço ela, vou passando na rua. Tem uns carros que param, tem uns carros que não param. Aí eu passo a rua e deixo ela lá na calçada. Aí eu digo pra ela: ‘uma boa noite e até mais’. Ela diz: ‘obrigado, meu filho’. Aí eu lembro muito da minha mãe, sabe? Ela é uma senhora sozinha. Ela tinha um filho que era especial e faleceu”, compartilha o motorista.
A mãe de Feijó também faleceu recentemente: ela tinha 67 anos quando foi uma das vítimas da Covid-19 em Fortaleza. “Eu faço isso porque minha mãe dizia assim: ‘quando eu pego um ônibus, o motorista sai de uma vez e não tem respeito com o idoso em nada. E sempre que eu vejo uma pessoa idosa, eu lembro da finada minha mãe”, explica o motorista.
Motorista desce de ônibus todos os dias e deixa idosa na porta de casa
A passageira idosa espera ônibus no Terminal da Parangaba para voltar da igreja. Ela pergunta a Feijó o que pode fazer para agradecer à ajuda dele. E ele responde que ela só precisa rezar por ele quando estiver na missa.
Não é todo dia que ele consegue levar a idosa para casa. Há dias em que Feijó precisa assumir outra linha para substituir algum colega. Ou outras vezes em que a passageira acaba pegando o ônibus em outro horário.
Nos dias em que ela não aparece, ele conta que sempre olha para a janela da casa dela: quando a luz está acesa, ele sabe que ela já chegou mais cedo. Se estiver apagada, imagina que ela ainda esteja no terminal aguardando o ônibus do horário seguinte.
Em outras situações, ele conta que já desceu para ajudar a travessia de um passageiro com deficiência visual que demonstrava estar aflito. E esclarece: não faz isso para aparecer, mas porque sabe que um gesto simples ajuda quem está precisando de auxílio. E que, um dia, ele também poderá ser um idoso com mobilidade mais restrita na cidade.
“Ainda bem que o pessoal tem paciência quando eu vou deixar até do outro lado. Tem passageiro que não gosta, né? Porque tem o tempo e tal… Mas a gente tem que fazer a obrigação da gente. Sempre eu me lembro da minha mãe, ela fazia o trajeto para o hospital, e aí tem motorista que arranca de uma vez. Aliás, tem motorista que não gosta nem de fazer a profissão, entendeu? Eu gosto de dirigir e gosto de ajudar. Eu acho que diminui mais até os pecados da gente lá em cima”, comenta Feijó.
Antes de ser motorista de ônibus, Feijó atuava como caminhoneiro fazendo entregas domiciliares para uma loja de eletrodomésticos. Ele afirma que pretende continuar na atual função até se aposentar e diz que o mais importante é servir bem as pessoas em suas viagens.
O caminhoneiro Rennan Andrade, morador que filmou a boa ação de Feijó, se emociona ao testemunhar o cuidado que ele demonstra com a vizinha.
Ele explica que a avenida Maria Gomes de Sá é bastante movimentada, ligando o Aracapé ao Conjunto Esperança. O trecho onde a idosa desembarca fica entre a rua Laureano Leal e a Travessa Maria Gomes de Sá. Por ter visto alguns acidentes no local, Rennan opina que o lugar precisa de sinalização ou intervenção que proporcione uma travessia mais segura para os pedestres.
Em nota, a Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) informa que uma vistoria técnica está agendada para local. O órgão explica que, caso seja constatada a necessidade, a sinalização horizontal será renovada e reforçada com dispositivos que aumentem a segurança dos pedestres.