Apresentadora entrou com processo de divórcio do empresário Alexandre Correa duas semanas após registrar boletim de ocorrência contra ele por violência doméstica. Entenda por que a Justiça negou o pedido para que o caso tramitasse pela Vara de Violência Doméstica e Familiar.
A 1ª Vara Criminal e de Violência Doméstica e Familiar de São Paulo negou o pedido de divórcio com base na Lei Maria da Penha feito pela apresentadora Ana Hickmann. De acordo com a decisão, o pedido envolve outros agravantes e o juiz considerou que a Vara de Violência Doméstica é incompetente para apreciação. O processo vai tramitar pela Vara de Família.
Desde 2019, é possível acelerar divórcio, separação ou dissolução de união estável pela Vara de Violência Doméstica com base na Lei Maria da Penha. No entanto, cada pedido depende de uma decisão judicial, e nem sempre os juízes têm a mesma interpretação da lei.
No caso de Ana Hickmann, a avaliação foi de que, pela complexidade do caso, que envolve também, por exemplo, patrimônio e guarda dos filhos, o pedido de divórcio foi transferido para a Vara da Família, que usualmente já analisa esse tipo de pedido e deverá fazer uma nova análise.
“Trata-se de questões de alta complexidade e especialidade, que ultrapassam os limites e parâmetros circunscritos à competência criminal ou atinente ao rito de celeridade das causas envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher”, afirma o juiz na decisão que transfere o pedido de divórcio para a Vara da Família.
O juiz detalhou que o caso de Ana Hickmann envolve , além das agressões, “desentendimentos oriundos de questões de quebra de confiança quanto à administração e à condução de diversos empreendimentos de interesse comum, de bens do casal, eventuais negócios jurídicos espúrios envolvendo vultosos recursos”.
A recusa do pedido de divórcio com base na Maria da Penha também não significa que o ex de Ana Hickmann irá deixar de responder por violência doméstica. A decisão judicial se refere apenas ao divórcio.
Alterações na Lei Maria da Penha
Sancionada em agosto de 2006, a Lei Maria da Penha, nº 11.340, tem ferramentas de proteção à vítima que passa por situações de violência, seja no âmbito físico, sexual, psicológico, patrimonial ou moral. A lei é referência no combate à violência contra as mulheres até em outros países.
A partir de uma alteração feita em 2019, as mulheres vítimas de violência doméstica e que desejam acelerar o divórcio, separação ou dissolução de união estável passaram a poder solicitar o processo através da Vara de Violência Doméstica.
A promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), Celeste Leite dos Santos, explica o que mudou na lei a partir das alterações, que entraram em vigor em outubro de 2019:
“A mudança na lei permite que o próprio juiz da Vara de Violência Doméstica e Familiar possa decretar o divórcio. Em situações que não envolvam agressão contra a mulher ou crianças, o divórcio é regulado pela Vara de Família. Essa mudança entende que a vítima está em risco e o processo de separação precisa ser mais rápido“, explica Celeste.
De acordo com a promotora, entre as medidas que podem ser solicitadas estão separação, divórcio e questões de guarda dos filhos, a fim de afastá-los dos supostos agressores.
“As medidas protetivas passaram a ser autônomas. Isso significa que independem da existência de um inquérito policial ou de um processo criminal. O Ministério Público pode pedir essas medidas protetivas considerados os riscos que envolvam aquela família”, esclarece.
No entanto, questões que envolvem a partilha de bens continuam sendo feitas somente na Vara de Família, conforme Celeste.
“As medidas protetivas ajudam a afastar vítima e agressor imediatamente, visando a segurança da vítima, mas não se referem a ações cíveis”, finaliza.
Por que juiz negou divórcio
Duas semanas após registrar um boletim de ocorrência por violência doméstica contra o marido, Ana Hickmann solicitou o divórcio de Alexandre Correa utilizando a Lei Maria da Penha. No entanto, o pedido feito pela apresentadora foi negado pelo juiz da 1ª Vara Criminal e de Violência Doméstica e Familiar de São Paulo. Desta forma, o processo tramitará pela Vara de Família.
O juiz entendeu que o pedido de divórcio não pode ser julgado pela Vara de Violência Doméstica por conta de sua complexidade, uma vez que também envolve questões de bens e guarda do filho. Vale ressaltar que a lei está sujeita a diferentes interpretações de acordo com cada juiz. Especialistas ouvidos pelo g1 comentaram a decisão do juiz.
A advogada Gabriela Sousa, especialista em advocacia feminista e presidente da Escola Brasileira de Direito da Mulher (EBDM), explica que tem sido recorrente a generalização do Judiciário em não analisar pela Vara da Violência Doméstica os pedidos de mulheres que invocaram a Lei Maria da Penha e que desejam acelerar o divórcio, separação ou dissolução de união estável.
Mesmo assim, a especialista entende que, no caso da apresentadora, a decisão foi correta diante da complexidade do processo.
“Existem questões que provavelmente vão precisar de perícia, quebra de sigilo, de muitas coisas que o juizado em específico e criminal não tem condições. Ele não é uma Vara Especializada, é uma Vara Múltipla, que trata de violência e de crimes comuns que não têm relação com violências domésticas. Ao que se vê pelo que foi divulgado na imprensa, o magistrado não se oculta da questão de existir a lei que dá o caráter híbrido, mas ele entende que, nesse caso, em razão da complexidade, deve ser remetido para a Vara da Família”, esclarece.