Política

Dino se esquiva de polêmicas, adota tom conciliador e diz que não atuará como político no STF

O ministro da Justiça, Flávio Dino, adotou um tom conciliador na sabatina da Comissão de Constituição e Justiça do Senado (CCJ) nesta quarta-feira (13). Indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), Dino se esquivou de polêmicas e afirmou que não atuará como político caso seja aprovado para o tribunal.

A sabatina da CCJ é uma etapa da análise do nome de Dino pelo Senado. Depois, ele ainda precisa obter pelo menos 41 votos dos 81 senadores no plenário da Casa.

A mesma sessão sabatina também o indicado de Lula para comandar a Procuradoria-Geral da República (PGR), o subprocurador Paulo Gonet.

A sabatina começou por volta de 10h e tem perspectiva de durar até o início da noite. No mecanismo adotado pela CCJ, senadores formulam perguntas para Dino e Gonet de forma alternada.

Apesar de Dino ser um dos ministros mais criticados pela oposição, a sessão na CCJ não teve momentos de tensão nem de troca de farpas. Cenário diferente das vezes em que Dino compareceu ao Congresso na condição de ministro da Justiça.

Tanto Dino quanto Gonet evitaram responder às perguntas mais “polêmicas” sobre temas espinhosos ou momentos controversos de suas trajetórias. Adotaram, como escudo, a tese de que não seria ético adiantar posicionamentos sobre casos concretos.

Uma pergunta recorrente de senadores da oposição foi se Dino se declararia impedido de julgar casos ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro no STF, já que ambos são adversários políticos.

“Eu reitero que sobre casos concretos eu não posso dar opinião”, rebatia Dino.

Atuação no STF

 

Na manifestação inicial à comissão, Dino enumerou ministros do STF que, ao longo da história do tribunal, foram indicados para as vagas após terem ocupado cargos políticos. E disse que, por isso, se sentia confortável como senador, ex-governador e ministro indicado à Corte.

“Não vim aqui fazer debate político. Não me cabe, nesse momento. Vim aqui apenas responder ao atendimento de dois requisitos constitucionais: notável saber jurídico e reputação ilibada”, afirmou.

 

“A pergunta que se impõe é: ‘O que fazer no Supremo?’ Gostaria de sublinhar, em primeiro lugar, que tenho um compromisso indeclinável com a harmonia entre os poderes. É nosso dever fazer com que a independência seja assegurada, mas sobretudo a harmonia. Controvérsias são normais, fazem parte da vida plural da sociedade democrática, mas elas não podem ser de qualquer maneira e nem paralisante e inibidoras dos bom funcionamento das instituições”, disse ainda.

Ambas as indicações precisam ser votadas na CCJ do Senado e, em seguida, no plenário da Casa. A votação em plenário, que pode acontecer ainda nesta quarta, acontece mesmo se a comissão tiver maioria para rejeitar o nome.

“Eu tenho muito respeito à política brasileira. Nesse ano, recebi no Ministério da Justiça 425 políticos de todos os partidos representados nesta Casa. Senadores, deputados, governadores, prefeitos, vereadores, 425 audiências. E ninguém foi mal recebido, mal acolhido ou deixou de ser ouvido. Este acesso, para quem tem firmeza assentada em uma vida inteira, pode e estará presente na minha atuação no Supremo Tribunal Federal.

 

“Eu não terei nenhum medo, nenhum receio e nenhum preconceito de receber políticos e políticas do Brasil. Porque vossas excelências são delegatários da soberania popular e, independentemente das cores partidárias, terão idêntico respeito”, prosseguiu.

 

Se aprovados, Dino e Gonet estarão aptos a serem oficialmente nomeados aos cargos pelo presidente Lula. Ao tomar posse, Flávio Dino substituirá a ministra aposentada do STF Rosa Weber; e Paulo Gonet, o ex-PGR Augusto Aras.

As posições de Flávio Dino

 

  • Funções do Supremo Tribunal Federal

 

Ainda na fala inicial, Dino afirmou aos senadores que, se confirmado ministro do STF, tratará como “cláusulas pétreas” temas como a forma federativa do Estado (governo federal, estados e municípios); o voto direto, secreto, universal e períodico; a separação dos poderes, e a defesa dos direitos e garantias fundamentais.

Defendeu também:

  • a “presunção de constitucionalidade das leis” – ou seja, que tornar leis inconstitucionais seja exceção, e não regra;
  • a “presunção da legalidade dos atos administrativos” – da mesma forma, que o anulamento das ações dos gestores também seja exceção;
  • o “paralelismo das formas” – ou seja, que leis aprovadas de forma colegiada (por vários parlamentares) só sejam desfeitas por decisões também colegiadas (de vários ministros, e não de forma monocrática).

 

Ao longo dos últimos anos, decisões individuais de ministros do STF suspendendo atos do Congresso ou do Executivo levaram a tensões na relação entre os Três Poderes. O Senado chegou a aprovar, por exemplo, uma proposta de emenda à Constituição para restringir esse poder individual dos gabinetes.

Dino também fez referência a outro ponto de discórdia entre Legislativo e Judiciário: a acusação de parlamentares de que o STF estaria “legislando” ao se posicionar sobre vácuos das leis atuais.

“O nosso sistema não é ‘tricameral’, é bicameral. Câmara e Senado. Não existe um Poder Legislativo em que atuem simultaneamente Câmara, Senado e Supremo. E essa compreensão é fundamental”, disse.

  • Impedimento para julgar adversários políticos

 

Questionado por pelo menos quatro vezes, Flávio Dino não tinha respondido até o fim da manhã se participaria de julgamentos de ações contra o ex-presidente Jair Bolsonaro – a quem criticou duramente em discursos como parlamentar e ministro.

Líder da oposição e ex-ministro de Bolsonaro, Rogério Marinho sugeriu que Dino deveria se declarar “impedido” – no mundo jurídico, isso acontece quando um juiz abre mão de se posicionar em um julgamento por ter alguma parcialidade em relação ao tema ou ao réu.

  • Mudanças no rito de votação do STF

 

Dino foi questionado pelo senador Jorge Seif (PL-SC) sobre ter classificado como um “debate válido” a fala do presidente Lula sobre a sociedade não precisar saber como votam os ministros do STF.

Em resposta, Dino afirmou que não defende votações sigilosas no Supremo, mas, sim, um debate jurídico sobre o rito utilizado ao publicar os acórdãos (as decisões do tribunal).

“O que eu aludi, e reitero aqui, é que talvez o sistema brasileiro mereça um temperamento, com elementos do sistema seriatim, que praticamos, e do sistema per curiam. Apenas isso”, disse Dino.

No sistema seriatim, em vigor hoje, o STF divulga os votos individuais dos ministros. No sistema per curiam – usado na França e na Itália, por exemplo –, é divulgado apenas um “pronunciamento” com a posição majoritária da Corte. Entenda mais no episódio abaixo do podcast O Assunto:

  • Atuação no Ministério da Justiça

 

Dino foi questionado pelo líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN), sobre episódios de sua atuação no Ministério da Justiça desde janeiro – por exemplo, reuniões com representantes de empresas de tecnologia (“big techs”) nas quais foi incisivo ao pedir derrubada de perfis.

“A situação ali era de ameaça à vida de crianças. Havia oito perfis na internet com o nome do assassino das crianças de Suzano. Nós pedimos à empresa que retirasse, porque isso é apologia de fato criminoso. Aquela fala minha indignada é porque a empresa respondeu que não tiraria, porque considerava que, à luz dos termos de uso, ter um perfil de um homicida na internet não é apologia ao homicídio”, disse.

Dino também voltou a negar que tenha impedido ou dificultado o acesso da Polícia Federal, do STF ou da CPI dos Atos Golpistas às imagens de segurança do Ministério da Justiça no dia dos atos de 8 de janeiro.

  • Fake news e enquadramento criminal

 

Perguntado sobre o possível enquadramento de condutas como “crime de fake news”, Dino disse que não trataria de casos concretos, mas, em tese, acha possível que a divulgação de notícias falsas seja incluída em outros crimes.

O Congresso avalia um projeto de lei que insere crimes ligados ao tema no Código Penal, mas o texto ainda não foi aprovado de forma definitiva.

“Em tese, claro que não existe um crime ‘fake news’ na legislação penal, mas a fake news pode caracterizar crime. E no mais das vezes, caracteriza. Uma fake news pode ser ameaça, calúnia, injúria, difamação, violação aos direitos políticos das mulheres, associação criminosa. Poderia citar ao senhor pelo menos 20 tipos penais diferentes”, declarou Dino.