A mulher de 34 anos atingida no rosto por um tiro durante uma suposta ação da Polícia Militar em 6 de dezembro, na Zona Leste de São Paulo, vive uma rotina de consultas médicas e adaptações depois que perdeu o globo ocular direito e teve a audição afetada. Ela também passou por uma reconstrução de parte da face.
Daiane Cristina Santos estava sentada, cuidando do bar da irmã, quando foi atingida no rosto. Outra pessoa que estava perto dela ficou ferida devido aos estilhaços.
O disparo foi feito por um policial militar. Por volta das 20h daquela quarta-feira, uma viatura da PM estava na região da Rua Dona Eloá do Valle Quadros, em Cidade Tiradentes, quando a equipe acompanhava uma ação contra o tráfico de drogas na área, segundo informou a Secretaria da Segurança Pública.
A versão da polícia é a de que um suspeito estava fugindo, e a arma de um policial teria disparado acidentalmente. Ninguém foi preso. O tiro acertou as duas inocentes: Daiane Cristina, no rosto, e outra mulher, de raspão, no pé.
Em nota, a SSP disse que as investigações seguem pelo 54º Distrito Policial (Cidade Tiradentes).
“A equipe da unidade aguarda o resultado dos laudos periciais referentes ao exame residuográfico e de corpo de delito, que estão sendo elaborados. O Inquérito Policial Militar (IPM) também segue em andamento. As apurações continuam para esclarecer os fatos.”
Foram abertas duas investigações: uma, com a Polícia Militar e outra, na Polícia Civil.
‘Não teve correria, não teve troca de tiro’
Daiane Cristina trabalha com a venda de flores perto do Mercadão, no Centro de São Paulo. Na noite em que foi baleada, a vendedora tinha acabado de chegar do expediente e fez uma visita na casa da mãe.
“De costume, eu sempre passo na casa da minha mãe. Como a minha irmã tem um comércio, a minha mãe pediu para eu levar salgados para ela, porque a minha mãe que faz os salgados. Fui deixar lá [no bar] e [minha irmã] pediu para eu ficar lá um pouquinho, para ela poder comprar as bebidas que estavam faltando, como refrigerante, água”, lembra.
“Eu falei: ‘Tá bom, mas vai rapidinho, porque eu quero ir para casa’. No outro dia, ia ter que trabalhar. Eu sentei num sofá e fiquei vendo TikTok. Foi quando uma viatura passou, e um policial desceu com a arma em punho, na mão direita. Eu disse: ‘Boa noite’ para ele, abaixei a cabeça e continuei mexendo no celular. Foi quando escutei o barulho, o meu ouvido deu um zumbido muito forte.”
O PM, segundo a vítima, estava atrás de um toldo, e ela não conseguiu ver o que ele fazia no momento do disparo.
“Eu vi que o sangue começou a jorrar bastante sangue. Olhei para ele e perguntei: ‘Por que você me deu um tiro? Não entendi’. E ele quieto. Eu sei que a partir do momento que ele saiu do toldo, que eu pedi para me socorrer. Não teve correria, não teve troca de tiro como eu cheguei a ouvir [dizerem] e não teve perseguição. Se tivesse alguma correria, alguma perseguição, automaticamente eu tinha entrado no estabelecimento.”
Vídeos gravados por testemunhas e encaminhados ao g1 mostram que Daiane foi socorrida pelos policiais e levada para uma viatura. A paciente deu entrada em estado grave no hospital e dias depois passou por cirurgia.
“Os médicos chegaram e perguntaram o que aconteceu. Ele [PM] falou que foi troca de tiro. Eu falei que não, não foi troca de tiro, porque eu estava no meu celular.”
Adaptação, pesadelos e olho de vidro
Daiane vai passar por um oftalmologista, e o especialista fará a avaliação sobre a viabilidade de ela receber uma prótese de olho.
“A minha rotina mudou. Para andar, eu tenho que andar sempre acompanhada, porque você começa do zero a sua vida, porque você tem dificuldade para não tropeçar, para não cair. Você fica um pouco perdida. Tenho um pouco de dificuldade para comer, porque afetou o meu maxilar, e tenho que fazer fisioterapia.”
Outro profissional ainda vai avaliar sua audição.
“[A audição] está um pouco baixa. E fiquei com trauma, só de ver uma viatura. Eu evito sair de casa, não consigo dormir. Estou dormindo com remédio, porque tenho bastante pesadelo.”
Os advogados Bruno Cerqueira Gomes e Carlos Roberto Dantas Nascimento fazem a defesa de Daiane e informaram que será ajuizada uma ação para que o estado de São Paulo custeie todo o tratamento médico.
“Decorrente da violência policial, cumulada com indenização por danos materiais, a título de lucros cessantes até o fim da convalescença, que incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu, em razão da perda do globo ocular direito, perda da audição do ouvido direito e, ainda redução da mobilidade do maxilar, danos morais e danos estéticos”, detalham.
Ela foi ouvida no 54º DP em 23 de janeiro. A outra mulher, que foi atingida por estilhaços, ainda não prestou depoimento.
“A Daiane foi intimada para ser ouvida na condição de vítima no 28º Batalhão de Polícia Militar do Estado de São Paulo. Contudo, a defesa alega que Daiane sente medo, uma vez que depois dos fatos os policiais do referido batalhão ficam passando defronte à lanchonete de sua família”, afirma a defesa.