O ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, disse, nesta sexta-feira (2), em entrevista ao portal “Metrópoles”, que uma “minoria” pode ter desvirtuado o órgão.
Ramagem citou o caso de um servidor que teve US$ 171,8 mil aprendidos pela Polícia Federal (PF), em outubro de 2023, numa operação da Polícia Federal (PF) contra suspeitos de uso ilegal do software FirstMile para espionagem.
“Então, eu que fiz toda apuração e que gerou a exoneração dele e que se demonstra que pode ter atividades ilícitas lá dentro. Por que eu agora estou sendo investigado? Esse é o absurdo da perseguição. Esse é o absurdo de que se vê da pesca probatório. Por quê?”, questionou Ramagem.
“Eu acredito que a utilização, em sua grande maioria, quase totalidade, pode ter sido para trabalho de inteligência. Correto. Tem oficiais de inteligência de bom trabalho. Acredito que uma minoria possa ter desvirtuado. A Agência Brasileira de Inteligência tem as atribuições de combater espionagem industrial, proteção do conhecimento sensível, proteção de estruturas estratégicas, como Itaipu”, prosseguiu.
Na última semana, Ramagem foi alvo de um desdobramento dessa operação de outubro.
Segundo a PF, houve a tentativa da Abin de associar os ministros Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), à organização criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) durante a gestão do parlamentar, que aconteceu entre 2019 e 2022.
À CNN, o atual deputado federal disse que “nada foi feito para que houvesse o monitoramento de pessoas políticas tanto do Legislativo, quanto do Judiciário. Não na minha gestão, não sob meu comando, ou sob ordem minha, de maneira alguma”.
Além dos ministros do Supremo, o ex-presidente da Câmara dos Deputados Rodrigo Maia e o ministro da Educação, Camilo Santana, então governador do Ceará, também teriam sido alvos das ações de espionagem.
De acordo com Ramagem, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) “sempre se muniu de diversas inteligências”, mas “nunca de cunho a fazer uma invasão de pessoas como foi feita”.
“Nós que fizemos auditoria desses sistemas para que eles trabalhassem de maneira correta. Então, tudo o que foi feito ali, e se tiver equívocos e investigações, ou inteligência realizada em alvos que não deveria ser feita, foi feita dentro e internamente do Departamento de Operações que estava sob correição e levado para a corregedoria por nós”, expressou Ramagem.
Como funciona o programa espião?
O FirstMile é um software de monitoramento desenvolvido pela empresa israelense Cognyte (ex-Verint). Em março deste ano, já havia sido revelada a informação de que a Abin tinha usado o programa para monitorar até 10 mil proprietários de celulares a cada doze meses durante os três primeiros anos do governo Bolsonaro.
Procurada pela CNN à época, a Abin confirmou a compra do programa pelo governo federal e disse que o contrato, fechado em dezembro de 2018, pouco antes de Jair Bolsonaro assumir a Presidência, previa o uso da ferramenta até maio de 2021. Desde o fim do contrato, o FirstMile não estava mais em uso.
A ferramenta israelense solicita que seja digitado o número do contato e, a partir disso, é possível acompanhar em um mapa a localização do dono do aparelho, com as redes 2G, 3G e 4G.
O programa permite que seja rastreado o paradeiro de alguém com os dados que são transferidos do celular para torres de telecomunicações instaladas em diferentes regiões. Com essas informações, é possível ver o histórico de deslocamentos e criar alertas em tempo real de movimentações em diferentes endereços.
O uso do FirstMile é legal?
Especialistas ouvidos pela CNN em março, quando as primeiras denúncias foram feitas, explicaram que a Abin não é um órgão de investigação, mas que a aquisição e a utilização da ferramenta por si só não configuram um crime.
O especialista em direito digital Marcelo Crespo, coordenador do curso de Direito da ESPM, explicou que a função do órgão é monitorar fatos ou situações para fornecer subsídios ao presidente da República em assuntos de interesse nacional e segurança do Estado.
“Não é o cidadão em si que é monitorado, mas o fato ou situação”, falou. “Em tese, a Abin poderia fazer uso dessa ferramenta para monitorar ameaças internas ou externas à ordem constitucional.” Mesmo assim, o uso teria que ser pontual, com uma estratégia documentada e com o parecer da assessoria jurídica do órgão.