Ele foi acusado de forjar e filmar prisão de chefe do PCC para ganhar seguidores em 2020. Se for condenado a mais de 4 anos de prisão, poderá ser demitido da Polícia Civil. Ele alega que estava fazendo reconstituição. Atualmente, está licenciado para atuar como parlamentar.
Após ser acusado de agredir e ameaçar a ex-companheira em 2023, o deputado federal Carlos Alberto da Cunha (PP-SP) também se tornou réu na Justiça de São Paulo neste ano, mas por ter cometido abuso de autoridade e constrangimento ilegal como delegado durante uma operação policial.
Em outubro do ano passado, a Justiça havia tornado o delegado Da Cunha, como é conhecido, réu por violência doméstica contra Betina Grusiecki em Santos, no litoral paulista. A ex-companheira dele o acusou de bater a cabeça dela contra a parede e de tentar esganá-la durante uma discussão no apartamento em que moravam.
Um vídeo gravado pela vítima, mostra o parlamentar ameaçando atirar nela e matá-la. O Fantástico exibiu essa filmagem em 17 de março. O julgamento deste caso ainda não foi marcado. Da Cunha responde em liberdade por lesão corporal, ameaça e danos materiais contra Betina.
Ele é conhecido como Delegado Da Cunha na polícia e nas redes sociais. É nelas que posta vídeos de ações policiais para seus seguidores. Só no Youtube, são mais de 3,7 milhões de fãs.
Abuso e constrangimento
Mais recentemente, em fevereiro deste ano, a Justiça tornou Da Cunha réu novamente, mas por outros crimes: abusar da sua autoridade como delegado e constranger a vítima de um sequestro e o próprio criminoso que tomava conta do cativeiro. O caso ocorreu em julho de 2020 numa comunidade da Zona Leste de São Paulo.
O homem sequestrado já havia sido libertado, e o sequestrador, preso por uma equipe da Polícia Civil. Mas Da Cunha obrigou os dois a voltarem para a residência porque quis filmar a operação como sendo ele o responsável pelo resgate. Depois, colocou as imagens nas suas redes sociais e as divulgou para a imprensa como se tivesse prendido um suposto chefe do Primeiro Comando da Capital (PCC).
O rapaz sequestrado tinha sido levado por criminosos ao cativeiro para ser julgado pelo “tribunal do crime”. Era acusado de estuprar uma adolescente da comunidade, o que ele nega.
O julgamento desse outro caso contra Da Cunha também não foi marcado na Justiça comum até a última atualização desta reportagem. Assim como no processo da violência doméstica, o delegado responde solto por abuso e constrangimento.
As penas para o agente público condenado por abuso de autoridade pode ser de prisão de 1 a 4 anos ou pagamento de multa. Em relação ao constrangimento ilegal, a punição é de 3 meses a 1 ano de detenção ou multa. Pela lei, se o delegado receber pena somada superior a 4 anos de reclusão, a Justiça determinará a demissão automática dele da Polícia Civil.
No âmbito criminal da Justiça comum, o processo segue sob segredo. Por esse motivo, o promotor Adolfo Sakamoto Lopes, responsável pela acusação contra Da Cunha, não quis se pronunciar a respeito.
Procurado, Da Cunha informou por meio de nota que não comentará o assunto.
“O Deputado Delegado Da Cunha não se manifestará sobre processos que correm em segredo de justiça. O parlamentar aguarda com serenidade e confiança o trâmite dos respectivos procedimentos administrativos”, informa o comunicado.
Polícia recomenda demissão
Além do Ministério Público (MP), que acusa Da Cunha na esfera judicial, a Polícia Civil investigou o delegado no âmbito administrativo. A Corregedoria da Polícia Civil considerou que ele cometeu crimes funcionais de abuso de autoridade e constrangimento ilegal.
Por causa dessa denúncia, o Conselho da Polícia Civil recomendou a demissão do delegado da instituição. O pedido seguiu no final de 2022 para conhecimento da Secretaria da Segurança Pública (SSP), que depois o encaminhou para análise da Assessoria Jurídica do Governo (AJG).
Como delegados só podem ser demitidos administrativamente pelo chefe do governo estadual, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) vai receber o parecer da AJG e decidir se concorda ou não com ele. A Assessoria Jurídica do Governo está analisando o pedido há mais de um ano. E não há previsão de quando terminará a análise.
A recomendação da Corregedoria e Conselho da Polícia Civil para demitir Da Cunha chegou à AJG em dezembro de 2022, quando o estado era governado por Rodrigo Garcia (que estava à época no PSDB).
“O parecer jurídico não foi concluído e, por isso, nenhum processo foi submetido à decisão do Governador Rodrigo Garcia. O processo chegou à Assessoria Jurídica do Governador (AJG), área responsável pela orientação jurídica e preparação dos atos, somente em dezembro de 2022“, informa a nota enviada pela comunicação do ex-mandatário do estado.
Não há prazo máximo para a decisão do governador, mas a sanção pode expirar se não for encaminhada em até cinco anos do dia em que a falta foi cometida.
O que diz o governo Tarcísio
A reportagem procurou o governo Tarcísio, que informou que avaliou e concluiu 180 processos disciplinares contra servidores públicos desde o início da gestão, incluindo processos que estavam pendentes desde a administração passada.
Por meio de nota, a assessoria do governador esclareceu que o processo que pede a demissão do delegado Da Cunha segue em análise por sua área técnica. “As análises dos procedimentos ainda em curso são realizadas de forma absolutamente técnica e sob o rigor da Lei”, informa trecho do comunicado.
“Desde o início da atual gestão, foram avaliados e concluídos 180 processos disciplinares, incluindo os que estavam pendentes de análise desde a gestão passada. Os resultados foram remetidos às secretarias responsáveis e publicados no D.O [Diário Oficial], quando determinado pela legislação vigente. As análises dos procedimentos ainda em curso são realizadas de forma absolutamente técnica e sob o rigor da Lei”, comunicou o governo Tarcísio.
Delegado influencer
O entendimento da Corregedoria foi de que Da Cunha usava equipes e equipamentos da polícia, como armas e viaturas, para se promover pessoalmente e ganhar dinheiro nas plataformas da internet onde publica os vídeos. O delegado influencer tem mais de 2 milhões de seguidores no Instagram, uma das suas páginas na web.
Após a repercussão na imprensa por causa da denúncia, o delegado chegou a gravar um outro vídeo admitindo ter feito a simulação.
“Todos os delegados que trabalharam em delegacias antissequestro e principalmente no setor de homicídios sempre fazem a reconstituição do local do crime. Eu sou professor de processo penal e gosto muito disso e assim, não tinha como perder”, disse Da Cunha.
Policiais que investigaram a denúncia contra Da Cunha entenderam que a reprodução simulada feita por ele não tinha amparo legal para ser realizada. Geralmente a reconstituição é feita por peritos da Policia Técnico-Científica e ocorre na fase do inquérito policial e não durante o flagrante de uma prisão. Ela serve para esclarecer alguma divergência entre as partes envolvidas.
Em julho de 2021, Da Cunha foi afastado preventivamente pela Polícia Civil das funções como delegado após declarar publicamente que “há ratos na polícia”. Teve ainda o distintivo e armas recolhidos pela instituição.
Em agosto daquele mesmo ano, ele pediu licença não remunerada por dois anos. Depois se candidatou a deputado federal pelo Partido Progressista de São Paulo, o PP-SP. Ele foi eleito em 2022 com mais de 180 mil votos para assumir uma cadeira na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Em julho de 2023, ele informou na sua rede social que teve a carteira funcional restituída e a pistola 9 mm devolvida. Procurada pela reportagem à época, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que a decisão administrativa foi do delegado-geral de São Paulo, Arthur Dian. A pasta da Segurança, que é comandada por Guilherme Derrite, não explicou o motivo disso.
A SSP informou que Da Cunha está afastado temporariamente da sua função como delegado “para o exercício de atividade parlamentar”.
Procurada pela reportagem neste mês de março para se posicionar a respeito do processo de demissão de Da Cunha, a Secretaria da Segurança confirmou que o pedido continua sob análise na Assessoria Jurídica do Governo.
“Um dos procedimentos está em análise pela assessoria técnica do governo”, informa trecho da nota enviada pela assessoria da pasta da Segurança.
Da Cunha responde a mais cinco processos administrativos na Polícia Civil que podem resultar na expulsão dele da instituição, segundo a SSP. Eles passaram antes pela apuração da Corregedoria da Polícia Civil e chegaram ao conhecimento do Conselho da Polícia Civil. Ainda não há confirmação quais são os procedimentos, se foram encerrados e quais foram as decisões.
“Todos são analisados de acordo com a Lei Orgânica da Instituição e os processos seguem sem segredo de Justiça. A decisão final é divulgada no Diário Oficial”, informou a Secretaria da Segurança.