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Médico condenado por abusar de pacientes continua exercendo profissão e é acusado de assediar colega de trabalho

Registro de Rogério segue ativo no Conselho Federal de Medicina — Foto: Reprodução

Registro de Rogério segue ativo no Conselho Federal de Medicina — Foto: Reprodução

Uma enfermeira de uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, denunciou o médico Rogério Pedreiro, de 60 anos, por importunação sexual. Ela contou que estava em uma sala de ultrassom, sentada na cadeira, quando o acusado se aproximou por trás, passou a mão em seus seios por dentro da roupa e beijou seu pescoço.

Em depoimento à Polícia Civil no início de março, a vítima disse que pediu para que o médico se afastasse e falou que iria denunciá-lo, mas o homem teria balançado os ombros em tom de deboche.

O g1 tentou contato com Rogério Pedreiro, com a defesa dele e com pessoas ligadas a ele, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.

Em 2019, Rogério foi condenado e preso por abusar sexualmente de oito pacientes. Ele também foi preso em 2012 acusado de abuso contra duas pacientes, mãe e filha.

“Eu estou destruída, com medo, me sentindo um nada”, disse a mulher à TV Globo, que também reclama de ter sido demitida após denunciar o assédio (leia mais abaixo)

 

A Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse que Rogério Pedreiro é investigado em dois casos de importunação sexual registrados nos dias 4 e 22 de março deste ano.

Procurado pelo g1, o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) não informou se o médico foi ou é alvo de sindicância ou qualquer outro tipo de investigação interna.

Mesmo tendo sido condenado por abuso em 2019, o conselho mantém ativo o registro profissional do médico. A situação dele também está regular no Conselho Federal de Medicina (CFM).

Médico condenado por abuso pode exercer profissão?

  • O g1 perguntou ao Cremesp se Rogério já teve o registro suspenso ou cassado em algum momento, mas não obteve resposta;
  • Em nota, o conselho disse que cabe à Justiça informar condenações criminais de médicos e solicitar a suspensão do seu registro profissional por ordem judicial;
  • O Cremesp informou, ainda, que, para que ocorra a suspensão do registro de um médico, é necessário que haja denúncia formal ou que os fatos sejam públicos e cheguem ao conhecimento do órgão de forma espontânea;
  • O g1 questionou se o Cremesp nunca soube das denúncias contra Rogério, mesmo com ampla cobertura da mídia, mas o conselho não respondeu;
  • Segundo a entidade, após recebimento da denúncia, o Cremesp instaura uma sindicância para averiguação dos fatos denunciados, e a denúncia pode ser arquivada ou evoluir para um processo ético-profissional;
  • As penas estão previstas estão na lei 3.268/57 e vão de advertência confidencial a suspensão, podendo chegar à cassação do exercício profissional.

Henderson Fürst, presidente da Comissão Especial de Bioética da OAB-SP explicou que médicos condenados criminalmente podem, sim, atuar na medicina.

 

“A condenação criminal, por si, não retira o direito de exercício da medicina. É preciso que o juiz envie cópias do processo ao Conselho Regional de Medicina para que lá seja iniciado um processo administrativo, também com ampla defesa, para apurar se há uma falha ética grave para cassar o registro do médico”.

“Aliás, pode ocorrer que um fato não seja considerado crime, mas o CRM pode entender que há uma grave falha ética e cassar o registro profissional”.

Marinella Afonso de Almeida, advogada especialista em direito médico, explica que “processos em tramitação nos Conselhos Regional e Federal de Medicina são sigilosos, e que toda condenação com pena de cassação passa por processos rígidos que envolvem sindicância, seguido de um processo ético profissional”.

A Fundação ABC, entidade ligada à Prefeitura de São Bernardo responsável pela contratação da Sigma — empresa que admitiu Rogério Pedreiro —, disse que “a condição primordial para a contratação de um médico é a posse de um registro ativo no Conselho Regional de Medicina (CRM)”.

“A inclusão de um histórico criminal na avaliação de candidatos não é exigida por lei, nem se alinha aos princípios de ressocialização e oportunidades de reintegração ao trabalho promovidos pela legislação brasileira”, apontou a Fundação.

Denúncia recente de assédio

  • A Prefeitura de São Bernardo do Campo, responsável pela UPA em que Rogério Pedreiro trabalhava, informou que, após tomar conhecimento do histórico do profissional, exigiu imediatamente o seu afastamento das funções para a Sigma, empresa responsável pela contratação de Rogério;
  • A Sigma afirmou que contratou o médico em 3 de janeiro de 2024 sem saber de seus antecedentes criminais e que o afastou das funções assim que soube da denúncia, no dia 4 de março deste ano;
  • O g1 questionou se a empresa não checou os antecedentes criminais do suspeito, a Sigma informou que realizou pesquisas e confirmações junto ao Cremesp e que não havia impedimento para o desempenho da atividade;
  • Responsável pelos serviços de imagem na UPA desde janeiro deste ano, a Sigma alegou que Rogério já fazia parte do quadro de funcionários da empresa antecessora, que o médico manifestou interesse em permanecer nas atividades e que ele “gozava de prestígio na prestação de serviços, […], foi-nos recomendada a sua manutenção”.

Demissão pós-denúncia

 

A enfermeira que denunciou Rogério Pedreiro foi demitida da Sigma após fazer a denúncia e vê ligação entre os dois fatos.

“Estou arrasada. O que mais me dói é ter sido mandada embora e a empresa falar que não foi por conta disso”.

 

A Sigma, por sua vez, afirma que a demissão não tem relação alguma com a denúncia e aconteceu por questões operacionais: “A auxiliar de sala estava em período de experiência e sua demissão já estava programada, bem como ocorreu com outras três colaboradoras, sendo que o fato adiou a rescisão”.

“Informamos que nos dias posteriores à denúncia, a Empresa forneceu toda assistência à ex-colaboradora, que foi encaminhada à medicina do trabalho em avaliação por telemedicina e consulta presencial, onde a funcionária afirmou não necessitar de acompanhamento psicológico ou psicoterapia. Ressaltamos que, após a denúncia, a funcionária trabalhou normalmente, sem qualquer alteração no trabalho, no comportamento, no relacionamento com demais funcionários e usuários do sistema de saúde”.

A funcionária demitida contesta: “A Sigma é mentirosa. Eu trabalhei mal durante todos os dias [depois do assédio]. Não aceitei psicólogo deles porque não me sentia confortável, porque eu sabia que tinha algo de errado. Eu tinha medo de eles me mandarem embora por ter ficado doente”.

Antes de denunciar a assédio, a enfermeira afirma que, em conversas com as superiores, foi informada de que não seria mandada embora.

“Estou tendo crises de ansiedade. Não está sendo fácil. Eu só quero que a Justiça seja feita, contra o médico, contra a empresa”, disse.

O que diz a Prefeitura de São Bernardo do Campo

 

Em nota, a Prefeitura de São Bernardo do Campo disse:

“A Prefeitura de São Bernardo, por meio da Secretaria de Saúde, informa que o médico mencionado nos questionamentos acima prestava serviços no município por força de contrato com uma empresa terceirizada. Após tomar conhecimento do histórico desse profissional, o Município exigiu imediatamente o seu afastamento das funções para a empresa contratante, que se prontificou a substituí-lo por outro médico para desempenhar suas atividades.

No entanto, diante da ocorrência registrada, a Prefeitura já solicitou que sejam tomadas medidas cabíveis direcionadas à Fundação ABC, responsável pela contratação da referida empresa terceirizada.

O Município salienta que não irá mais permitir de maneira alguma, seja de contratação direta ou indireta, que este médico atue na cidade.

O Município reforça também sua intolerância a crimes dessa natureza e assegura seu total empenho para que a Justiça prevaleça com rigor contra os infratores”.

O que diz a Fundação ABC

 

Em nota, a Fundação ABC disse:

Informamos que o médico mencionado pela reportagem não mantém vínculo com a Fundação do ABC. Trata-se de profissional ligado a uma empresa terceirizada, que presta serviços de imagem à FUABC no município de São Bernardo do Campo. Assim que a FUABC tomou ciência da denúncia, foi solicitado à empresa Sigma Serviços de Imagem o imediato desligamento do profissional dos quadros assistenciais e, desde então, o médico está proibido de atuar em todos os serviços da Fundação do ABC“.

O que diz a Sigma

 

Em nota, a Sigma afirmou:

“O médico Rogério Pedreiro foi contratado em 03.01.2024, prestando serviços através da nossa empresa a partir da data mencionada; sendo este prestador de serviços na unidade no período anterior por outra empresa.

Após a denúncia em 04.03.2024, o médico foi afastado das atividades imediatamente.

Nossos serviços prestados são decorrentes de Atos Convocatórios, procedimento em que a Tomadora dos Serviços publica o edital e convoca empresas interessadas na prestação de serviços, consagrando como vencedora a empresa com melhor proposta e com certificado de capacidade técnica.

O médico Rogério Pedreiro já prestava serviços na unidade pela empresa antecessora e assim como outros prestadores manifestou interesse em permanecer nas atividades. O médico gozava de prestígio na prestação de serviços, e desta forma, foi-nos recomendada a sua manutenção.

O antecedente mencionado não era de nosso conhecimento, bem como, da Tomadora de serviços.

Realizamos pesquisas e confirmações junto ao CRM-SP dos profissionais disponibilizados, e não havia qualquer impedimento para o desempenho da atividade. Ressaltamos que o mesmo apresentou toda documentação exigida legalmente, estando apto a exercer as atividades.

Que a extinção do contrato de trabalho da ex colaboradora não tem relação aos acontecimentos, mas por questões operacionais e técnicas. A auxiliar de sala, estava em período de experiência e sua demissão já estava programada, bem como ocorreu com outras três colaboradoras, sendo que o fato adiou a rescisão.

Informamos que nos dias posteriores à denúncia, a Empresa forneceu toda assistência à ex colaboradora, que foi encaminhada à medicina do trabalho em avaliação por telemedicina e consulta presencial, onde a funcionária afirmou não necessitar de acompanhamento psicológico ou psicoterapia.

Ressaltamos que após a denúncia, a funcionária trabalhou normalmente, sem qualquer alteração no trabalho, no comportamento, no relacionamento com demais funcionários e usuários do sistema de saúde.

Diante do estado de saúde, da inexistência de afastamento ou tratamento médico, a empresa realizou o desligamento no contrato de experiência em 19.03.2024.

O contrato de experiência avalia a adaptação do funcionário às atividades, e por questões operacionais e técnicas, o contrato de experiência não foi prorrogado.

Caso seu quadro clínico impusesse obstáculo à demissão, a empresa dilataria o contrato até afetiva recuperação.

Registra-se que a ex colaboradora somente nos avisou do ocorrido em 04.03.2024 e imediatamente nossa supervisão foi até o local, para fornecer todo o apoio necessário.

Nossa supervisão orientou a ex colaboradora a lavrar boletim de ocorrências, medida a qual ela não teve iniciativa, acompanhando-a em todo procedimento na delegacia e após a saída do local.

Foi oferecido afastamento das atividades e/ou transferência de unidade, sendo que a mesma não aceitou, preferindo trabalhar e laborando normalmente.

Durante o desligamento, foi informado que o motivo foi por questões operacionais e técnicas, onde a ex colaboradora assinou o desligamento e se retirou da sala.

Após a saída, a mesma retornou com o pai e pediu para conversar com a nossa supervisão, que prontamente foram atendidos. Ele questionou o motivo e se havia relação com a situação anterior, onde foi explicado novamente que a dispensa se dava por questões operacionais e técnicas, devido ao período de ajustes do serviço. Desta forma, novamente, ela teve ciência da razão do desligamento.

Em relação ao médico, com a denúncia e boletim de ocorrências, a empresa notificou, determinando o seu afastamento.

Todas as medidas foram adotadas de forma imediata, no momento da informação pela ex colaboradora, conforme orientação jurídica para não prejudicar a investigação.

Todo fato resultou em providências tomadas pela empresa, de forma muito respeitosa, onde os documentos que dispomos são internos e sigilosos para evitar exposição das partes. Contudo essa preservação, não impede que passamos as informações que forem necessárias à Imprensa”.