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‘O menino marrom’, livro de Ziraldo, é suspenso de escolas em cidade de Minas Gerais após pressão de pais

Decisão da Secretaria Municipal de educação de Conselheiro Lafaiete, na Região Central do estado, sobre 'O Menino Marrom' gerou reações de professores.

A Secretaria Municipal de Educação de Conselheiro Lafaiete, na Região Central de Minas Gerais, suspendeu atividades relacionadas ao livro “O menino marrom”, de Ziraldo, nas escolas da cidade, após pressão de pais que consideraram o conteúdo da obra “agressivo”.

O livro, de 1986, conta a história de dois amigos, um negro e um branco, que querem entender juntos as cores. Eles buscam saber o que é branco e o que é preto e se isso os torna diferentes. Para alguns pais, trechos do texto induzem crianças “a fazer maldade”.

Reprodução

‘O menino marrom’, obra de Ziraldo

  • O mineiro Ziraldo morreu no último abril, aos 91 anos. Escritor, desenhista, chargista, caricaturista e jornalista, ele foi um dos fundadores, nos anos 1960, do jornal “O Pasquim”, e autor do clássico “O Menino Maluquinho”

Trechos

Um dos trechos de “O Menino Marrom” citados por alguns pais em Conselheiro Lafaiete trata de um possível pacto de sangue entre os meninos, que não se conclui:

“‘Temos que fazer o pacto de sangue!’. Um deles foi até a cozinha buscar uma faca de ponta para furar os pulsos.”

Ele termina com os protagonistas optando por usar tinta no lugar de sangue:

“Ficaram os dois com as pontas do fura bolos cheias de tinta azul.”

O outro é um pensamento negativo que o protagonista tem em relação a uma velhinha que não aceitou a ajuda dele para atravessar a rua. Mas a ação também não acontece, por se tratar apenas de um pensamento.

‘Recurso valioso’, diz prefeitura

Em nota publicada nas redes sociais, a prefeitura disse que o livro de Ziraldo “é um recurso valioso na educação, pois promove discussões importantes sobre respeito às diferenças e igualdade” e “aborda de forma sensível e poética temas como diversidade racial, preconceito e amizade”.

No entanto, “diante das diversas manifestações e divergência de opiniões”, a Secretaria Municipal de Educação solicitou a suspensão temporária dos trabalhos realizados sobre a obra, “a fim de melhor readequação da abordagem pedagógica, evitando assim interpretações equivocadas”.

“Lamentamos que tenham havido interpretações dúbias […]. A Secretaria, em sua função de gestão e articulação entre escola e comunidade, compreende ser necessário momento de diálogo junto aos responsáveis para que não sejam estabelecidos pensamentos precipitados e depreciativos em relação às temáticas abordadas”, declarou a prefeitura.

Para o cartunista mineiro e especialista em literatura infantil José Carlos Aragão, a medida é uma “manifestação de censura a uma obra consagrada”.

“A literatura não pode ser tomada como um código de conduta, de moral e bons costumes. […] A literatura é arte, uma coisa que vai muito além disso. No máximo, um tema como esse pode ser tomado como um pretexto para um debate amplo e civilizado, que vai promover mais conhecimento”, afirmou.

Comunicado da prefeitura

A Prefeitura Municipal de Conselheiro Lafaiete emitiu comunicado público a respeito do caso. Leia na íntegra:

A Secretaria Municipal de Educação de Conselheiro Lafaiete lamenta as interpretações dúbias acerca da nota de esclarecimento sobre o livro “O MENINO MARROM”, de Ziraldo. Em face das manifestações de pais, familiares e autoridades locais, a Secretaria, em seu papel de acolhimento à comunidade escolar, orientou a suspensão temporária dos trabalhos para promover uma abordagem pedagógica mais clara e objetiva, evitando interpretações equivocadas.

A nota afirmou de forma CLARA:

“…procedeu à solicitação de suspensão temporária dos trabalhos realizados sobre o livro ‘O MENINO MARROM’, do autor Ziraldo, a fim de melhor readequação da abordagem pedagógica, evitando assim interpretações equivocadas.”

Ou seja, a suspensão foi apenas pelo tempo necessário para formalizar um plano de trabalho que evitasse qualquer dupla interpretação ou preocupação junto à comunidade escolar.

Para tanto, o Secretário Municipal de Educação, a Secretária Adjunta de Educação, a equipe técnica pedagógica e o Serviço de Psicologia Institucional realizaram reuniões na manhã desta quinta-feira, para organizar o trabalho com a comunidade escolar.

A partir de amanhã, dia 21 de junho, as ações serão iniciadas nas unidades escolares e na comunidade. Estão agendadas reuniões com os diretores e analistas educacionais às 8h e às 13h para orientar as ações a serem executadas pelas equipes pedagógicas.

Em 24 de junho, a SEMED promoverá uma live para a comunidade escolar a fim de abordar os aspectos tratados na obra. De 25 de junho a 1º de julho, as unidades escolares promoverão “Rodas de Conversa” entre professores e membros da comunidade escolar para esclarecer os apontamentos sobre as temáticas abordadas.

A Secretaria Municipal repudia qualquer declaração de censura e esclarece que preza pela liberdade de expressão, pluralidade e respeito a todos, ressaltando que em nenhum momento foi cogitada qualquer ação que não fosse manter a obra em seu rol de livros e promover um debate mais amplo sobre as importantes questões nela abordadas.

A obra faz parte do Projeto Leituralizando, implantado pela equipe pedagógica da atual gestão que distribuiu um kit de livros para alunos da rede municipal de ensino, da creche até o Ensino Médio, e conta ainda com a música Leituralizando, que fala da leitura utilizando-se de informações da nossa cidade.

Assim, nada mais incoerente do que afirmar que a mesma secretaria que criou um programa literário e distribuiu livros aos seus alunos, tenha promovido censura ou algo do gênero, pelo contrário, o planejamento proposto pretende ampliar a exposição dos temas expostos na obra do grande autor Ziraldo.

Esclarecemos que não houve nenhuma solicitação de recolhimento do material. Os livros permanecem com os alunos e familiares.

Reiteramos a qualidade das obras literárias contempladas em nosso acervo bibliográfico de dimensão nacional, salientando que todo o planejamento pedagógico se baseia nos documentos norteadores que regem a educação nacional e no desenvolvimento integral dos estudantes.

Compreendemos que o processo de ensino-aprendizagem requer estratégias diferenciadas para a consolidação das habilidades propostas. Nesse aspecto, percebemos a necessidade de uma abordagem diferente junto à comunidade escolar para melhor compreensão da temática.

A Secretaria Municipal de Educação e a Administração Municipal reafirmam seu compromisso com a educação de qualidade e o respeito a todos.

Conselheiro Lafaiete, 20 de junho de 2024

Secretaria Municipal de Educação – Conselheiro Lafaiete/MG

Reação

A decisão do Executivo gerou reações entre pais de alunos e docentes da rede municipal de ensino. Para a professora Marta Glória Barbosa, que dá aulas de português para o ensino médio, a medida é prejudicial para os estudantes.

“É preocupante. Sou professora de português, então, qualquer retirada de livro, para mim, é o cúmulo do absurdo. O livro é espetacular, escrito pelo Ziraldo, que é nosso. Não vejo nenhuma justificativa para essa suspensão”, afirmou.

 

  • Nas redes sociais da prefeitura, uma mulher comentou: “Não dá pra acreditar que em 2024 estamos censurando Ziraldo. Esse país está perdido mesmo”, lamentou.
  • Outra aprovou a medida: “Parabéns aos pais que se preocupam e acompanham de perto a educação de seus filhos”, escreveu.

Ziraldo

Ziraldo em foto de arquivo. — Foto: TV GLOBO/CEDOC

O mineiro Ziraldo morreu no último abril, aos 91 anos.

Escritor, desenhista, chargista, caricaturista e jornalista, ele foi um dos fundadores, nos anos 1960, do jornal “O Pasquim”, um dos principais veículos de combate à ditadura militar no Brasil.

Em 1969, publicou seu primeiro livro infantil, “FLICTS”. Em 1979, passou a se dedicar à literatura para crianças.

“O Menino Maluquinho” foi lançado em 1980 e é considerado um dos maiores fenômenos do mercado editorial brasileiro.