Você se considera um “CLT premium”? Esse termo, que está sendo usado em uma nova trend do TikTok, se refere a uma elite de profissionais contratados dentro do regime de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e que recebem benefícios diferenciados.
Na última semana, as buscas na internet por essa expressão tiveram um aumento de 100%, segundo o Google Trends.
Alguns desses privilégios são:
Esses benefícios não são direitos trabalhistas, como no caso do auxílio- transporte, férias, 13º salário e Fundo de Garantia (FGTS). Sendo assim, as empresas não têm a obrigatoriedade de oferecê-los
“Só com o vale-refeição, recebo o valor de quase dois salários mínimos. Também tenho direito a 14º e 15º salários”, afirma João Vitor Paz.
O jovem, de 22 anos, é gerente de contas em uma instituição financeira no Rio Grande do Sul. O vídeo dele sobre “CLT premium” é um dos mais famosos da trend. A gravação atingiu quase 4 milhões de visualizações.
“O pessoal ainda está desacostumado e remete CLT a algo sofrido, que não dá frutos. Não é sempre assim, mas, para se ter um bom cargo, é preciso se aperfeiçoar”, diz o jovem.
Nos vídeos, os “CLT’s premium” ostentam os diferenciais que existem em suas empresas por meio de uma combinação de fotos em carrossel.
Boa parte dos conteúdos é publicada por jovens da “Gen Z” – grupo formado por pessoas nascidas entre os anos de 1995 e 2010.
A trend se tornou uma manifestação dos jovens sobre o quão relevante é ter os esforços recompensados, o que pode estimular as empresas a oferecerem melhores condições, afirma o especialista em gestão de pessoas Victor Martinez.
Por outro lado, esse tipo de conteúdo pode não ser tão saudável. Segundo o especialista, a ostentação de privilégios elitiza uma categoria de profissionais e pode ocasionar um sentimento de inferioridade para quem não usufrui das mesmas condições de trabalho.
Quem já participou, em contrapartida, defende que o viral tem ajudado as pessoas a enxergarem com mais otimismo os empregos assegurados pela CLT.
Incentivo ou exibicionismo?
Isabela Dias de Oliveira, que trabalha em uma empresa de gestão para RH e setores financeiros, conta que participou da trend após assistir ao vídeo de outra usuária do TikTok.
Para ela, a missão do viral é oferecer um ponto de vista animador sobre a CLT.
“Influencers e coaches pregam que, para ter sucesso, dinheiro e liberdade, tem que ser o dono. Minha geração pensa assim, querendo resultados rápidos, e isso pode ter contribuído para esse desinteresse [no trabalho com carteira assinada]”.
“Realmente, ser CLT não é fácil. Tem horários e regras. Mas ter os seus direitos assegurados e estabilidade são fatores importantes que ele [esse formato] proporciona”, aponta Isabela.
Quem também contribuiu com a trend foi Giovanna Presotto, de 23 anos, que é consultora de uma prestadora de serviços odontológicos.
A jovem tem mais de 20 benefícios trabalhistas. Entre eles, o recebimento da participação nos lucros – duas vezes ao ano – da empresa e previdência privada.
Na publicação feita por Giovanna, que já soma mais de 153 mil visualizações, algumas pessoas criticaram a exposição dos benefícios. Apesar disso, ela afirma que a maioria dos comentários são de jovens pedindo dicas para conquistar um emprego.
“Eram críticas do tipo ‘ela está se engrandecendo por ser CLT ‘ (…) mas a maioria são de pessoas curiosas, pedindo ajuda para conseguir um bom emprego. Ao meu ver, o primeiro passo é ter uma formação, não importa qual”, conta a consultora, que é formada em pedagogia.
Falta de conhecimento
Victor Paz, o jovem que publicou um dos vídeos mais famosos do viral, também afirma ter recebido pedidos de ajuda nos comentários da postagem e mensagens privadas.
“Tem quem mandou mensagem pedindo uma luz, enviou o currículo. Estou incentivando […] Vou fazer mais vídeos para explicar como funciona esses recrutamentos. As pessoas perdem oportunidades por falta de informação.”
A falta de conhecimento sobre o mercado de trabalho também foi um diagnóstico obtido por Isabela, que recebeu uma série de dúvidas de outros usuários. Alguns deles, segundo a representante de desenvolvimento de negócios, não sabiam nem participar de recrutamentos através do LinkedIn.
“Minha geração pensa em benefícios, mas não busca informação. Por exemplo, poucos da minha idade tem um perfil ativo no LinkedIn […]. Aguns, seja por conta do ambiente em que vive, nem sabiam que existia uma rede voltada ao trabalho”.
“É por isso que eu acho que ela [a trend] é muito mais uma questão de inspiração e conscientização”, completa Isabela.
Elitismo e sentimento de inferioridade
Apesar dos relatos acima, Victor Martinez afirma que a trend pode desencadear sentimentos de inferioridade e insatisfação em quem não usufrui dos mesmos benefícios exigidos pelos “CLT’s premium”.
“Tem que ter cuidado porque, em um país como o nosso, dizer que o seu VR é maior que um salário-mínimo pode ser visto como algo agressivo. Parte da população só recebe isso [o valor de um salário mínimo] no mês.”
Além disso, para Victor, o título “CLT premium” está sendo aplicado como um “distintivo”, no qual a pessoa se coloca em um patamar superior aos demais e se qualifica como um vencedor.
Por outro lado, ele acredita que a repercussão da trend pode estimular o mercado a oferecer melhores condições de trabalho para atrair e reter novos talentos.
“Serve como um alerta para que as empresas ofereçam políticas de reconhecimento e condições de trabalho dignas (…) Essa é uma das pautas mais positivas da geração Z. Eles querem ser reconhecidos, prezam pela qualidade de vida e não aceitam menos que isso”.