Profissional, que não estava no voo que caiu, afirmou que pega carona em ônibus de outras companhias em percurso de 33 quilômetros até o aeroporto, e alertou sobre risco de desastre aéreo. Empresa diz que cumpre legislação.
Um piloto da companhia aérea Voepass relatou cansaço, viagens de até duas horas e meia até o local de trabalho e ligações da empresa durante sua folga, durante uma audiência pública da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), em junho deste ano. A empresa informou que atende à legislação.
A Voepass é a empresa proprietária do avião que caiu em Vinhedo (SP), na sexta-feira (9), deixando 62 mortos. O piloto que realizou o depoimento na audiência pública é Luís Cláudio de Almeida, de Campos de Jordão, e não estava no voo do acidente.
“Temos motoristas de ônibus, temos motoristas de caminhão, eles param, descansam 14 horas, e nós ficamos aí há 12 horas, às vezes sem condução para ir até o aeroporto”, relatou o profissional na reunião.
Ele relatou que da casa dele até o Aeroporto de Congonhas pega carona em ônibus de outras companhias, como Gol e TAM.
“Até chegar a Guarulhos são 33 quilômetros, fadiga. Esses dias, entraram em um campo de futebol. Duas horas e meia para chegar a Guarulhos”, afirmou.
“Vocês da mesa já sentiram sono? Vocês sabem o que é divórcio? […] Você quer chegar em casa e lavar a roupa. Você quer deitar, quer descansar”.
Ligações durante a folga
Luís também relatou que recebe ligações da empresa durante a folga.
“A empresa, às vezes, me liga para fazer um voo: ‘vai, vai que dá’. […] Quando você acorda, tem oito ligações da escala no seu dia de folga. Tava de folga e precisei desligar o meu celular”.
“Vocês ligarem aí um jornal, ligarem um celular, ou vejam no YouTube, como nós vimos: ‘desastres aéreos’, ou então, ‘mayday, mayday, mayday’ [emergência]. Não queremos entrar nessa estatística. Nós queremos conforto”.
Então, não tenham na cabeça de vocês, ou da diretoria da Anac, conceito de crime, ou conceito de fadiga. Não quero que vocês amanhã durmam e falem: ‘a culpa foi minha’. Eu peço que seja revisado isso para não ter nosso nome no mayday, não ter desastre aéreo por fadiga. Escutem, na hora que vocês tiverem cansados e se lembrem da nossa fadiga. Porque os aeronautas merecem”
— Luis Cláudio de Almeida, piloto da Voepass
Falta de comida
O profissional relatou, ainda, problemas com alimentação.
“Ficam trazendo comida fria, comida congelada ou, às vezes, comida que não é balanceada. Ou não pagaram a comissaria. Não entra comida por quê? Não pagaram a comissaria. Não tem comida. Meu Deus, o que eu faço? Eu tenho umas bolachinhas. Eu posso dividir com vocês”.
O que diz a empresa
Em nota, a Voepass informou que “cumpre com todos os requisitos legais, considerando jornadas e folgas, de acordo com o regulamento brasileiro da Aviação Civil RBAC- 117, que disciplina a jornada e gestão da fadiga dos tripulantes”.
O g1 também pediu um posicionamento da Anac, mas não houve retorno até a última atualização desta reportagem.
O Ministério Público do Trabalho (MPT) informou no sábado que vai investigar a responsabilidade da empresa Voepass no acidente aéreo.
Segundo o órgão, o procurador Marcus Vinícius Gonçalves determinou a imediata abertura de procedimento.
“É evidente a lesão a direitos sociais indisponíveis ligados à segurança no meio ambiente de trabalho”, o que enseja a atuação do MPT no caso em questão para verificar a extensão dos fatos denunciados, apurar as devidas responsabilidades e adotar medidas que contribuam para obstar novos acidentes como o ora investigado”, comunicou.
Equipes do Corpo de Bombeiros e da Polícia Federal seguem com trabalho de perícia na manhã deste sábado (10) após desastre aéreo com 62 mortes em Vinhedo (SP) — Foto: Polícia Federal
Em nota divulgada neste sábado, a Voepass informou que não tem conhecimento, até o presente momento, desta citação do MPT. E reiterou que a aeronave estava “aeronavegável, com todos os sistemas requeridos em funcionamento, cumprindo com todos os requisitos e exigências estipulados pelas autoridades e legislação setorial vigente”.
A companhia também afirmou que está colaborando para que esta conclusão seja breve e esclarecedora.
“Neste momento, o foco da Voepass é proporcionar acolhimento e conforto às famílias das vítimas, que passam por um momento de dor e pesar. Estamos realizando todos os esforços logísticos e operacionais para que as famílias tenham em nossa equipe um apoio efetivo não só para suas necessidades de transporte, hospedagem, alimentação, mas, principalmente, de consolo e apoio emocional”, finalizou.