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Busca por água, 3 meses sem chuva: como a seca extrema do Rio Madeira afeta a Amazônia

Ribeirinhos precisam percorrer mais de 1 hora de barco para ter acesso à água potável em RO — Foto: Thiago Frota/Rede Amazônica

Em meio a seca extrema que atinge o estado de Rondônia, ribeirinhos enfrentam longas jornadas para encontrar um recurso essencial: a água. A cidade de Porto Velho, por exemplo, está há três meses sem chuvas significativas, segundo dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), e o Rio Madeira teve os piores julho e agosto em quase 60 anos.

➡️ Contexto: a região amazônica enfrenta um período de seca extrema e dois fatores inibem a formação de nuvens e chuvas: Oceano Atlântico Norte mais aquecido que o normal, e mais quente que o Atlântico Sul, e o fenômeno El Niño, que causa atrasos no início da estação chuvosa e enfraquecimento das chuvas iniciais do período.

O peixe tá sumindo, o plantio não tá produzindo, o sol é muito quente, a seca tá muito grande
Estamos sem água e sem comida porque os peixes desapareceram não tem peixe aqui é a nossa fonte de alimentação maior é o peixe
Esses são relatos de moradores das comunidades ribeirinhas de Porto Velho. Segundo a Defesa Civil Municipal, eles são os mais afetados pela seca. Sem água encanada, ribeirinhos dependem de poços amazônicos, que secaram com a chegada da estiagem.

Moradores da Comunidade Brasileira, situada no Baixo Madeira, enfrentam as consequências da crise hídrica. Famílias estão sem acesso a fontes de água limpa, depois que o único poço amazônico da região (com 8 metros de profundidade) secou.

As comunidades ribeirinhas em Porto Velho são divididas em três regiões: Alto, Médio e Baixo Madeira.

Em Mutum, que fica a 50 km da zona urbana de Porto Velho, a população precisa percorrer mais de 1 hora de barco para encontrar e ter acesso à água potável. Com a seca extrema do Rio Madeira, o trajeto, feito por muitos moradores três vezes na semana, pode se tornar ainda mais desafiador.

Por conta da estiagem, o Igarapé Maravilha, que banha a comunidade de mesmo nome, secou completamente em menos de um mês. As poucas dezenas de peixes que restavam morreram sem oxigênio.

“Secou pra gente que é humano e pros peixes e pros bichos. Pássaro, capivara, macaco, tudo vai beber água no igarapé e aí como está seco eles estão sofrendo do mesmo jeito que a gente está sofrendo”, relata Conceição.

Falta de água às margens do rio
Busca por água, logos trajetos, bancos de areia e poços artesianos secando: os impactos da estiagem severa dificultam a vida dos ribeirinhos da capital. Na Comunidade Brasileira, moradores ficaram sem nenhuma fonte de água tratada após o poço artesiano que abastecia a região secar totalmente.

A opção para os moradores é utilizar a água do Rio Madeira: suja. Desde o início do período de estiagem, a Defesa Civil municipal atua nas comunidades ribeirinhas entregando água mineral e kits de hipoclorito de sódio, uma substância que realizará a limpeza e desinfecção da água que agora está sendo consumida pela população.

Em Terra Firme, também no baixo Madeira, os moradores, que antes já precisavam descer uma longa escada para chegar ao rio, agora enfrentam uma caminhada de quase 30 minutos devido ao surgimento de bancos de areia após a seca do Madeira.

Na região não existem poços artesianos ou qualquer outro tipo de água tratada, a população depende de bombas de drenagem para coletar água do rio. Porém, a margem secou e ficou tão distante, que se torna difícil as mangueiras de drenagem chegarem até os locais onde ainda tem água.

“A gente já tinha que descer uma escada bem grande (de 90 degraus) para pegar água na beira do rio. Agora, além dessa escada, a gente tem que andar quase 30 minutos para chegar lá (no rio). Com a seca, a distância só aumentou e a mangueira da bomba, de 200 metros, não chega mais porque o rio ta muito seco. É um sofrimento”, relata Maria de Fátima, moradora de Terra Firme.

Severino Pantoja de Souza vive em Mutum, uma comunidade também às margens do Madeira, para ter água limpa, ele e outros moradores precisam percorrer um trajeto de uma hora de barco para pegar o recurso em comunidades que possui poços artesianos.

“Eu trago 50 litros de água em cada viagem, mas não dura a semana toda. A gente faz esse trajeto umas três vezes por semana e, às vezes, até todo dia, porque usamos a água para beber e fazer comida”, explica.

Redução de nível e mínima histórica
Desde julho, o Rio Madeira vem alcançando os menores níveis desde 1967, quando o rio começou a ser monitorado pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB). Julho e agosto de 2024 foram os piores meses em quase 60 anos.

Na sexta-feira (23), o Madeira atingiu a cota média de 1,80 metro em Porto Velho: a menor média do ano até o momento e de agosto em toda a série histórica. Em julho, a situação foi a mesma: o rio bateu uma sequência de recordes de seca para o período, com níveis mínimos históricos.

📍 A cota média refere-se ao nível normal de água que o rio atinge ao longo de um período específico, neste caso, durante a estiagem. Já a cota mínima é o nível de água mais baixo que o rio atingiu na temporada.

No dia 31 de julho, por exemplo, o afluente estava com 2,45 metros, quando deveria estar em torno de 5,50: ou seja, aproximadamente 3 metros abaixo do que era esperado.

É uma situação já prevista por especialistas, que vem piorando desde o início de 2024. Na maior parte do ano, o rio se manteve abaixo da zona de normalidade e, por várias vezes, ultrapassou as mínimas já observadas historicamente.

Segundo o engenheiro hidrólogo e pesquisador em geociências pelo SGB, Marcus Suassuna, a tendência é que o rio continue baixando e ultrapassando mínimas históricas, isso por conta da estiagem extrema que atinge o estado de Rondônia.

Porto Velho, por exemplo, está há três meses sem chuvas significativas. A última chuva com um volume considerável foi em 25 de maio. Desde então, foram registradas cerca de três precipitações isoladas e com volume muito baixo.

Outros rios afetados

O Rrio Madeira não é o único afetado. Conforme a Defesa Civil, sete rios apresentam níveis considerados abaixo da cota média e próximos da mínima histórica para a época do ano, conhecida como o verão amazônico:

  • Candeias
  • Guaporé
  • Jamari
  • Mamoré
  • Machado
  • Madeira
  • Pirarara

O Rio Jaru, que banha a cidade de mesmo nome, secou a ponto de ser possível atravessar a pé em determinados trechos.

Imagens mostram que em alguns trechos do rio é possível enxergar a areia do fundo e as pedras. No entanto, a Defesa Civil explica que em outros pontos o volume de água é maior. Essa oscilação ocorre em razão da tipografia do rio.