No entanto, órgão manteve decisão de submetê-la a júri popular por ela ter prestado depoimento também em juízo, seguindo ritos legais. Policiais civis que comentaram caso são investigados pela Corregedoria da Polícia Civil.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou nula a confissão dada por uma mulher acusada de matar o marido após uma das peritas que atuou no caso dizer, durante participação em um podcast, que forçou a declaração da ré.
De acordo com os autos, em 2018, a suspeita Adriana Pereira Siqueira, desconfiada de suposta traição conjugal, matou o companheiro a facadas e ateou fogo ao corpo. Ela foi presa em flagrante no dia seguinte ao crime após confessar o assassinato à equipe da Polícia Civil.
Em março de 2022, a fotógrafa técnico-pericial Telma Rocha e o perito criminal Leandro Lopes, que atuaram da investigação do crime, participaram do podcast Inteligência Ltda. e comentaram alguns detalhes do caso, o que motivou a decisão do STJ.
Telma disse que, quando estava na cena do crime, ao conversar com a suspeita, percebeu que a mulher estava com a unha e calça sujas com o que parecia ser sangue.
— Eu falei: ‘Olha, deixa eu te falar uma coisa, eu vou conversar com você bem devagar, você não me responde enquanto eu estiver falando, você vai pensando na resposta’. E aí o doutor sinalizou como quem está dizendo ‘Vai embora’.
— ‘Eu vi que tem sangue embaixo da sua unha’. Ela falou: ‘Mas eu estou menstruada’. Eu falei ‘Não precisa me responder, mas não esqueça que você está falando com uma mulher, porque eu também menstruo”.
— Fui enrolando ela um pouco, falando que às vezes a gente quer tomar uma atitude, mas, no calor da emoção, a gente toma outra atitude e isso não está previsto, que ela não ia sair de lá esculachada, algemada ou no camburão da viatura.
— E ela: ‘Não fui eu, não fui eu’. Eu falei: ‘Calma, deixa eu acabar de falar’.
— E aí a gente deu mais uma forçadinha. […] Eu falei: ‘Só que você confessar agora para a autoridade policial vai te trazer um benefício’.
— E aí ela falou: ‘Fui eu’. Naquela hora que a pessoa fala ‘fui eu’… Dentro de você aparecem dois pom-pons falando: ‘Uh, caralho!’
Decisão do STJ
Após a veiculação do podcast, a defesa de Adriana impetrou um habeas corpus solicitando a anulação do processo por violação de direito do silêncio, mas a Justiça não acatou o pedido.
No entanto, a juíza da 5ª turma do STJ acatou em parte o instrumento processual:
“É possível ver e ouvir o relato da Sra. Telma, que detalha como convenceu a paciente a confessar o crime, sem informar de seu direito ao silêncio, bem como a busca e apreensão realizada na casa da paciente logo após a conversa”, apontou a ministra Daniela Teixeira.
“O print também nos permite concluir pela identidade dos peritos Telma Rocha e Leandro Lopes, alocados no Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa de São Paulo. […] A paciente não foi advertida de seu direito ao silêncio e ainda foi pressionada a confessar a prática delitiva, na contramão do princípio do devido processo legal e o direito ao silêncio de todo acusado”, destacou a magistrada.
“Desse modo, verifico a nulidade da confissão extrajudicial da acusada e a busca domiciliar realizada na casa da paciente, uma vez que ela foi concedida sem o conhecimento de seus direitos e sem voluntariedade, de modo que declaro ilícitas tais provas”, justificou.
A juíza Daniela Teixeira afirmou, ainda, que a conduta dos peritos é “extremamente censurável por expor um caso que não foi julgado nos meios de comunicação, utilizando palavreado inadequado, em ambiente com bebida alcoólica e violando o dever de impessoalidade que se exige dos servidores públicos”.
Por fim, ela determinou que os órgãos competentes apurem a conduta funcional de Telma e Leandro.
O g1 questionou o governo de São Paulo acerca da conduta dos policiais. Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) disse que os agentes são investigados por meio de procedimento administrativo instaurado pela Corregedoria, o qual tramita sob sigilo, de acordo com a Lei Orgânica da instituição.
Status do caso
Apesar de o STJ ter declarado a confissão nula, além dos laudos produzidos pela busca domiciliar e outras provas que o juiz de primeiro grau entender proveniente ou derivadas, o órgão manteve a decisão de pronúncia em face da acusada, ou seja, levar a causa a julgamento pelo júri popular. Isso porque ela também prestou depoimento em juízo, seguindo os ritos legais.
Após a prisão em flagrante da acusada em 2018, a Justiça publicou sentença de pronúncia em 2019 e concedeu liberdade provisória à mulher. Agora, ela aguarda o júri popular, que tem data prevista para 30 de janeiro de 2025.
Na última sexta-feira (6), a 3ª Vara do Júri da Capital afirmou que não há de se falar em reconsideração da decisão que recebeu a denúncia e que as partes devem aguardar a data do júri.
Diante da decisão do STJ, a juíza determinou a retirada do interrogatório extrajudicial da acusada, o laudo da residência e o laudo de material genético que analisou amostras coletadas na residência da vítima. Além disso, a magistrada Isabel Rodriguez oficiou o Instituto de Criminalística para que encaminhe novo laudo do local dos fatos.