Matheus Henrique Dias, biomédico e especialista em biologia molecular, descobriu que, em vez de tentar parar as células cancerígenas, é possível estimulá-las até que sobrecarreguem e morram. Tratamento vai ser testado na Europa.
Uma pesquisa conduzida por um brasileiro pode revolucionar o tratamento do câncer colorretal, o segundo mais comum no Brasil e o mesmo que tem a cantora Preta Gil. Matheus Henrique Dias, biomédico e especialista em biologia molecular, descobriu que, em vez de tentar parar as células cancerígenas, é possível estimulá-las até que sobrecarreguem, causando um “tilt” que as leva à morte.
(No inglês, ‘tilt’ significa inclinar ou inclinação. No universo dos videogames, ‘tilt’ é usado para dizer que o jogo teve um erro e ficou travado.)
A ideia pode parecer contraditória, mas foi exatamente analisando como as células reagiam ao serem superestimuladas que o pesquisador descobriu o tratamento, que vai na contramão de tudo que se conhece hoje. Tratamentos convencionais, como quimio e radioterapia, por exemplo, agem para frear a reprodução das células.
O tumor cancerígeno é um amontoado de células que se perdem da rota natural por uma mutação no DNA e começam a se multiplicar de forma desordenada. É dando um ‘tilt’ nesse processo que o tratamento age.
O estudo, citado em importantes revistas científicas, está sendo conduzido pelo biomédico em um dos mais renomados institutos de pesquisa sobre o câncer na Europa, o Instituto do Câncer da Holanda. O tratamento vai entrar na primeira fase de testes, já com pacientes, nos próximos meses. Depois disso, serão necessárias novas etapas até que possa ficar disponível.
O g1 conversou com especialistas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo (Icesp) que reforçam que a descoberta é inovadora e pode mudar a trajetória do tratamento, mas ainda são necessários testes.
Acidente de laboratório’
Matheus é biomédico e há quase 20 anos se dedica a pesquisa com um objetivo: encontrar nas análises uma solução que pudesse ajudar a salvar pessoas. Ele ainda não sabia que trabalharia com câncer quando começou a pesquisa que deu base à descoberta, há quase dez anos, e diz que a solução que encontrou foi quase um “acidente de laboratório”.
Ele ainda estava no Brasil em uma pesquisa sobre como as células se dividiam. Para poder ver melhor, aplicou uma substância que deveria agir como um estimulante, fazendo com que as células se multiplicassem mais rápido. No entanto, o que ele viu foi completamente o contrário.
A gente não acreditou no que estava vendo, refizemos os testes inúmeras vezes e o resultado era sempre o mesmo. Foi quando percebemos que tínhamos um achado. Quando esse sinal para a célula se multiplicar aumenta, gera um stress tão intenso que ela não consegue mais lidar com isso. Então, ela se divide menos.
Depois dessa etapa, decidiu aplicar a descoberta em células de câncer e foi chamado para o Netherlands Cancer Institute, na Holanda, onde passou cinco anos até encontrar a resposta para o tratamento.
Como funciona o tratamento?
O tratamento, publicado na revista científica “Câncer Discovery”, uma das mais renomadas no assunto, traz como solução a união de duas medicações que conseguem estressar a célula até o ‘tilt’ e, depois, impedir que ela tente se corrigir. Com isso, as células cancerígenas morrem.