Presidente fez o segundo discurso na Assembleia Geral da ONU em seu terceiro mandato. Lula criticou invasão da Ucrânia e punição coletiva aos palestinos e admitiu que precisa fazer mais na área ambiental.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltou a tratar de temas como guerra na Ucrânia, mudanças climáticas, combate à fome, defesa da democracia e reforma dos organismos internacionais ao discursar nesta terça-feira (24) na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York.
Em seu terceiro mandato presidencial, Lula discursou pela segunda vez no encontro anual de chefes de Estado e de governo dos 193 países que integram a ONU.
Oriente Médio
Lula discursou em 2023 antes do começo da guerra entre Israel e o Hamas.
Na ocasião, afirmou que considerava “perturbador ver que persistem antigas disputas não resolvidas e que surgem ou ganham vigor novas ameaças. Bem o demonstra a dificuldade de garantir a criação de um Estado para o povo palestino”.
Em 2024, sem citar o Hamas, criticou a ação terrorista, mas tratou a reação israelense como “punição coletiva” aos palestinos. Ele ainda citou o risco do conflito se consolidar no Líbano.
“Em Gaza e na Cisjordânia, assistimos a uma das maiores crises humanitárias da história recente, e que agora se expande perigosamente para o Líbano. O que começou como ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes, tornou-se punição coletiva de todo o povo palestino”, disse.
“São mais de 40 mil vítimas fatais, em sua maioria mulheres e crianças. O direito de defesa transformou-se no direito de vingança, que impede um acordo para a liberação de reféns e adia o cessar-fogo”, acrescentou.
Neste ano, Lula foi aplaudido na abertura do discurso, ao saudar a delegação palestina presente na assembleia.
“Dirijo-me em particular à delegação palestina, que integra pela primeira vez esta sessão de abertura, mesmo que ainda na condição de membro observador. E quero saudar a presença do presidente Mahmmoud Abbas”, disse.
Guerra na Ucrânia
Lula neste ano criticou a invasão russa ao território ucraniano, o que não fez no discurso de 2023, quando defendeu a necessidade de criar um espaço de negociação com os dois lados do conflito.
“A guerra da Ucrânia escancara nossa incapacidade coletiva de fazer prevalecer os propósitos e princípios da Carta da ONU. Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Mas nenhuma solução será duradoura se não for baseada no diálogo. Tenho reiterado que é preciso trabalhar para criar espaço para negociações”, afirmou no ano passado.
Em 2024, Lula disse que o conflito segue “sem perspectiva de paz” e que o “Brasil condenou de maneira firme a invasão do território ucraniano”.
O presidente reforçou o apelo à negociação e declarou que, ao lado da China, tem uma proposta para tratar da paz.
“Já está claro que nenhuma das partes conseguirá atingir todos os seus objetivos pela via militar. O recurso a armamentos cada vez mais destrutivos traz à memória os tempos mais sombrios do confronto estéril da Guerra Fria. Criar condições para a retomada do diálogo direto entre as partes é crucial neste momento.
Essa é a mensagem do entendimento de seis pontos que China e Brasil oferecem para que se instale um processo de diálogo e o fim das hostilidades”, afirmou.
Cuba x terrorismo
Lula voltou a abordar a presença de Cuba na lista do governo americano de países que não colaboram na luta contra o terrorismo. No ano passado, Lula criticou o embargo ao país caribenho.
“O Brasil seguirá denunciando medidas tomadas sem amparo na Carta da ONU, como o embargo econômico e financeiro imposto a Cuba e a tentativa de classificar esse país como Estado patrocinador de terrorismo”, disse.
Em 2024, o presidente aumentou o tom da crítica já que Cuba permanece na relação.
“É injustificado manter Cuba em uma lista unilateral de Estados que supostamente promovem o terrorismo e impor medidas coercitivas unilaterais, que penalizam indevidamente as populações mais vulneráveis”, afirmou.
Haiti
Lula defendeu, sem detalhar, medidas para socorrer o Haiti, país que permanece instável em um cenário no qual gangues armadas expandiram seu controle sobre cerca de 80% da capital Porto Príncipe e a maioria das outras partes do país.
“No Haiti, é inadiável conjugar ações para restaurar a ordem pública e promover o desenvolvimento”, disse Lula nesta terça.
Em 2023, o presidente citou o Haiti entre os exemplos de países que passavam por conflitos, ao lado de Iêmen, Líbia, Burkina Faso, Gabão, Guiné-Conacri, Mali, Níger e Sudão.
Meio ambiente
Lula voltou a citar a redução do desmatamento e a criticar o atraso na implementação de acordos climáticos e do suporte financeiros dos países mais ricos.
O presidente, diferente de 2023, abordou o compromisso de zerar o desmate da Amazônia até 2030 e disse que não transigirá “com ilícitos ambientais, com o garimpo ilegal e com o crime organizado”.
Lula também admitiu que precisa fazer mais na agenda de preservação ambiental — o país vive atualmente uma seca severa e o governo é criticada pela dificuldade para conter incêndios florestais.
“No sul do Brasil tivemos a maior enchente desde 1941. A Amazônia está atravessando a pior estiagem em 45 anos. Incêndios florestais se alastraram pelo país e já devoraram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto. O meu governo não terceiriza responsabilidades nem abdica da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer mais”, disse.
Em 2023, Lula listou ações do governo, como a criação de um plano de transformação ecológica.
O presidente afirmou que “países ricos cresceram baseados em um modelo com altas taxas de emissões de gases danosos ao clima” para alertar que a emergência climática exigia mudanças, aporte financeiro aos países mais pobres e responsabilidades “diferenciadas”.
“Sem a mobilização de recursos financeiros e tecnológicos não há como implementar o que decidimos no Acordo de Paris e no Marco Global da Biodiversidade. A promessa de destinar 100 bilhões de dólares – anualmente – para os países em desenvolvimento permanece apenas isso, uma promessa”.
Combate à fome
Em 2023, Lula lembrou que tratou do combate à fome em 2003, no seu primeiro discurso na ONU.
O presidente citou a retomada do Bolsa Família e mencionou que, à frente do G20, articularia ações sobre inclusão social e fome. Ele declarou que “o imperativo moral e político de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado”.
Neste ano, Lula citou o lançamento da Aliança Global Contra a Fome, a ser lançada em novembro no Rio de Janeiro, no âmbito do G20. Desta vez, o presidente citou o plano de erradicar a fome no Brasil.
“Este é o compromisso mais urgente do meu governo: acabar com a fome no Brasil, como fizemos em 2014”, disse.
Democracia
Em 2023, Lula criticou os efeitos do neoliberalismo, que permitiu o surgimento de “aventureiros de extrema direita que negam a política e vendem soluções tão fáceis quanto equivocadas”. O presidente, contudo, destacou que sua missão era “unir o Brasil e reconstruir um país soberano, justo, sustentável, solidário, generoso e alegre”.
“O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com nossa região, com o mundo e com o multilateralismo. Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta”, afirmou.
Um ano depois, Lula afirmou que a defesa da democracia exige “ação permanente ante investidas extremistas, messiânicas e totalitárias, que espalham o ódio, a intolerância e o ressentimento”.
“No mundo globalizado não faz sentido recorrer a falsos patriotas e isolacionistas. Tampouco há esperança no recurso a experiências ultraliberais que apenas agravam as dificuldades de um continente depauperado”, acrescentou.
Plataformas digitais
Lula não citou o empresário Elon Musk, que recentemente teve sua empresa, o X, proibida de operar no Brasil por descumprir decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), porém criticou plataformas digitais “que se julgam acima da lei”.
“O futuro de nossa região passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação. Que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei. A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras. Elementos essenciais da soberania incluem o direito de legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital”, disse.
Em 2023, o presidente mencionou a luta “contra a desinformação e os crimes cibernéticos” e afirmou que “aplicativos e plataformas não devem abolir as leis trabalhistas pelas quais tanto lutamos”. O presidente também repudiou “uma agenda que utiliza os imigrantes como bodes expiatórios, que corrói o Estado de bem-estar e que investe contra os direitos dos trabalhadores”.
Reforma da ONU
Lula voltou a defender a reforma da ONU, em especial do Conselho de Segurança, uma demanda que apresenta há duas décadas.
Em 2023, o presidente citou que o conselho perdia “progressivamente sua credibilidade” porque os membros permanentes travavam “guerras não autorizadas em busca de expansão territorial ou de mudança de regime”. Essa paralisia era prova da urgência da reforma.
Neste ano, o presidente avançou em pontos que considera necessário mudar nas regras da ONU, como, a reforma do Conselho de Segurança “com foco em sua composição, métodos de trabalho e direito de veto, de modo a torná-lo mais eficaz e representativo das realidades contemporâneas”.
“A exclusão da América Latina e da África de assentos permanentes no Conselho de Segurança é um eco inaceitável de práticas de dominação do passado colonial”, afirmou.
Gênero e raça
Lula afirmou no ano passado que desejava “alcançar a igualdade racial na sociedade brasileira” por meio de novos compromissos e destacou a aprovação pelo Congresso Nacional da lei “que torna obrigatória a igualdade salarial entre mulheres e homens no exercício da mesma função”.
Em 2024, Lula fez críticas à desigualdade e tratou a questão de gênero ao falar sobre a própria ONU.
“Inexiste equilíbrio de gênero no exercício das mais altas funções. O cargo de Secretário-Geral jamais foi ocupado por uma mulher”, afirmou.
LGBTQI+ e feminicídio
Em 2023, Lula assumiu o compromisso de combateremos “o feminicídio e todas as formas de violência contra as mulheres”, bem como o de ser rigoroso na “defesa dos direitos de grupos LGBTQI+ e pessoas com deficiência”.
Os temas não foram abordados de forma direta em 2024. O presidente declarou que o futuro depende de “um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação”. Ele mencionou que “mulheres e meninas são a maioria das pessoas em situação de fome no mundo”.