Série de violências praticadas pelo deputado bolsonarista de SP e narrada pela influenciadora inclui até o lançamento de uma faca que atingiu a perna dela. Parlamentar diz que pedido de prisão é 'absolutamente incabível'.
A defesa da influenciadora Cíntia Chagas, ex-esposa do deputado estadual bolsonarista Lucas Bove (PL), ingressou na Justiça de São Paulo com um pedido de prisão preventiva do parlamentar na última quinta-feira (17).
Segundo a advogada Gabriela Mansur, que representa a influenciadora, o deputado, vice-líder do PL na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), vem descumprindo medidas cautelares impostas no processo em que ele é apontado como agressor da ex-mulher, em ação de violência doméstica.
A defesa de Cíntia sustenta que o deputado não poderia ter se manifestado direta ou indiretamente sobre o assunto nas redes sociais, conforme determinação judicial.
Na semana passada, o deputado comentou sobre o caso na tribuna da Alesp e nas redes sociais. Ele disse que “jamais encostaria a mão para agredir uma mulher” e que “a verdade será restabelecida”.
Por causa das supostas agressões contra a ex-mulher, a Justiça concedeu uma medida protetiva que proíbe Bove de se aproximar da ex-companheira ou se comunicar com familiares dela, além de não poder frequentar os mesmos lugares que a influencer, sob pena de prisão preventiva.
No pedido de prisão, a defesa de Cíntia também argumenta que foi vazada ilegalmente uma conversa entre ela e o deputado que “compromete a vida pessoal, a intimidade e a privacidade” da vítima. O conteúdo chegou a ser publicado em um site de notícias. O advogado do parlamentar nega que Lucas tenha sido responsável pela divulgação da conversa.
O que dizem as partes
O advogado Daniel Bialski, que representa Lucas Bove, classificou o pedido de prisão como “absolutamente incabível” e disse que o deputado estadual “não infringiu nenhuma medida protetiva”.
“Como figura pública, ele só se manifestou dentro da liberdade de expressão e que ‘a verdade aparecerá’. Ele respeita a decisão da Justiça e que por isso não poderia se manifestar em detalhes. O que o deputado aguarda é que a Justiça também decida que a influenciadora fique proibida de se manifestar sobre o caso”, declarou.
Por meio de nota, a advogada Gabriela Mansur rebateu o argumento da defesa de Bove e disse que deputado desrespeita a Justiça quando não cumpre o que determina a medida protetiva.
“A decretação de prisão em casos de violência doméstica é consequência do descumprimento de medida protetiva de urgência, com base no artigo 24-A da Lei Maria Penha. É um crime contra a administração da Justiça, por desobediência à decisão judicial. Não existe qualquer perseguição injusta, irreal ou exagerada. São questões técnicas e processuais pautadas na Lei. Contra fatos não há argumentos. Lucas vem, desde o dia 10 de outubro, descumprido medida protetiva de urgência, de não mencionar fatos do processo, não dar entrevistas, não falar sobre a vida pregressa do casal direta ou indiretamente. Todos esses fatos foram relatados nos autos e estão sendo submetidos ao Ministério Público e ao Poder Judiciário”, afirmou a advogada de Cíntia Chagas.
“Além do segredo de justiça, que vige em todos os processos de violência doméstica para proteção das VÍTIMAS, existe uma decisão judicial que impede Lucas de “marcar’ ou mencionar o nome da vítima e de seus familiares em postagens que ele faça em quaisquer redes sociais, ou outro meio de comunicação, bem como comentar postagens de qualquer um deles ou envie qualquer tipo de mensagem”, disse.
“Também foi determinado que o requerido se abstenha de enviar ou divulgar em qualquer rede social, sua ou de terceiro, ou por qualquer meio de comunicação, vídeos, imagens, fotografias, ou qualquer forma de mídia que contenha conteúdo íntimo ou privado pertencente à requerente ou relacionado à sua figura, sob pena de, em caso de descumprimento, ser qualificada a conduta do requerido, nos termos do inciso III, do artigo 313, do Código de Processo Penal, acrescentado pela Lei n.11.340/06, para fins de ter decretada sua prisão preventiva; sem prejuízo de se ver reconhecida também a prática do crime de descumprimento de medida protetiva, previsto no artigo 24-A, da mesma legislação”, completou.
Entrevista polêmica
Cíntia Chagas e Lucas Bove se separaram em outubro de 2023, sete meses depois de se casarem na Itália. Antes disso, eles tinham namorado quase dois anos e meio.
Em entrevista publicada pela revista Marie Claire na sexta-feira (18), Cintia Chagas disse que as ameaças de Lucas Bove começaram em 3 de agosto do ano passado, em Ribeirão Preto, interior de SP, quando ela se recusou a parar um jantar para tirar foto ao lado de Jair Bolsonaro (PL) e a esposa Michele Bolsonaro (PL).
“O que fez com que a relação acabasse foi o fato de ele ter me expulsado de um casamento ao qual fomos em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Eu não quis parar meu jantar para fazer uma fotografia com ele [e com Michelle e Jair Bolsonaro]. Depois ele quis que eu voltasse, eu recusei, e ele veio correndo, tentando achar o carro na rodovia”, contou.
“Quando ele chegou à nossa casa, em São Paulo, em um intervalo mínimo de tempo, ele quis que eu voltasse com ele para Ribeirão Preto. Falei que não. Ele disse que eu havia feito ele passar uma grande vergonha, então veio para me dar um soco e falou: ‘Você só não apanha porque você tem 6 milhões de seguidores. Se não, eu estaria te chutando no chão agora’. Foi quando acabou para mim. Como se não bastasse, ele ainda me expulsou de um apartamento que era nosso”, declarou Chagas.
Na entrevista, ela também narrou outras violências sofridas pelo deputado bolsonarista.
“Ele jogou uma garrafa d’água em mim, bateu cinza de cigarro em uma bolsa, falou que se eu ficasse no apartamento eu não conseguiria dormir e ameaçou queimar minhas roupas. Se eu continuasse com ele, o risco era virar mais uma vítima de feminicídio, então saí de casa”, afirmou.
Cíntia Chagas também falou que chegou a ser ferida por uma faca pelo parlamentar, que ainda assim fez mais ameaças contra ela, além de lhe dar apertões.
“Foi no meio de uma discussão. Estávamos à mesa jantando e brigamos. Não lembro o motivo, nunca ficamos mais do que 4 dias sem uma briga. Devo ter dado uma má resposta, levantei-me e fui até a geladeira. Da mesa, ele arremessou a faca na minha direção, bateu na minha perna e comecei a sangrar. Eu disse: ‘Olha o que você fez. Isso é violência, é agressão’. E ele respondeu: ‘Que bonitinha. Você vai me denunciar na Lei Maria da Penha, vai? Eu sou um deputado, meu amor. Acabo com você na hora em que eu quiser. Você será a louca. Experimente me enfrentar’”, contou a influencer.
O que diz o deputado bolsonarista
No vídeo que publicou na semana passada no Instagram, Lucas Bove disse que “jamais encostaria a mão para agredir uma mulher”.
“Na verdade, eu não vou me manifestar porque não posso me manifestar por uma decisão judicial, um processo que corre em segredo de justiça. Eu estou proibido de falar qualquer coisa sobre isso, citar nomes. Estou de mãos atadas, de boca amordaçada. Mas tenho certeza que no momento certo a verdade será restabelecida e, enfim, só vim dizer a vocês que a minha agenda vai continuar, o meu compromisso com o meu trabalho vai continuar. Vou continuar trabalhando por pior que esteja me sentindo”, afirmou.
Contudo, na legenda do vídeo, o deputado negou que tenha cometido qualquer agressão e ressaltou novamente que a Justiça prevalecerá.
“Hoje meu coração está ferido, jamais esperava isso de quem tanto amei e cuidei. Para começar: Eu jamais encostaria a mão para agredir uma mulher. Em nome do engajamento, ignoram a cronologia dos fatos, selecionam maldosamente trechos descontextualizados e inúmeras outras inconsistências que, para quem estava dentro da situação, são claras”.
“Já vimos diversas condenações nos tribunais da internet serem revertidas depois, mas as consequências na vida das pessoas muitas das vezes são irreversíveis. Sigo trabalhando, agradecendo as mensagens de apoio e suportando as mais pesadas críticas que venho recebendo na certeza de que, no final, a Justiça será feita e o bem e a verdade prevalecerão”, escreveu.
Medida protetiva
Cíntia Chagas prestou queixa contra o deputado estadual Lucas Bove (PL), relatando uma série de abusos físicos e psicológicos durante o relacionamento de mais de dois anos que teve com o político.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que a 3ª Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) instaurou inquérito policial e solicitou medida protetiva após queixa da vítima. “O caso foi registrado como violência doméstica, violência psicológica, ameaça, injúria e perseguição. As investigações prosseguem sob sigilo judicial”, completou a pasta.
Em depoimento à Polícia Civil no início de setembro, Cíntia afirmou que o controle excessivo do acusado sobre sua vida começou já no início do relacionamento. Ela contou que sua vida profissional foi prejudicada pelo ciúme de Lucas, que exigia sua localização constantemente, pedia provas, como fotos e notas fiscais, e realizava chamadas de vídeo para verificar onde ela estava.
Além da suposta violência psicológica, Cíntia relatou episódios de violência física. Ela disse que o deputado desenvolveu o hábito de apertar partes de seu corpo a ponto de deixá-la com lesões.
Em um dos episódios narrados pela influenciadora, Lucas Bove teria arremessado uma faca em sua direção, sendo que o objeto teria atingido o chão antes de acertar sua perna, de modo a provocar uma lesão.
Cíntia também mencionou um incidente durante um casamento no interior de São Paulo, ocasião em que Lucas teria forçado a mulher a tirar fotos com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e, posteriormente, teria expulsado Cíntia da festa de forma agressiva.
A mulher contou, ainda, que, em diversas ocasiões, Lucas a humilhava chamando-a de “burra” e sugerindo que ela só tinha sucesso por ser “uma mulher bonita que fala bem”.
Em um vídeo publicado no Instagram na noite desta quinta-feira (10), Lucas disse que está proibido de comentar o caso, e que, “no momento certo, a verdade será restabelecida”.
Em nota, a defesa do deputado disse que “se limita a afirmar a mais absoluta inocência do Sr. Lucas Bove, que brevemente será devidamente comprovada nos autos” (leia íntegra abaixo).
A advogada Gabriela Manssur, que representa a influenciadora, definiu a decisão de Cíntia em denunciar as agressões “como um ato de coragem, de proteção à sua integridade física, psíquica e moral e, acima de tudo, como uma medida de sobrevivência, servindo de exemplo para todas as mulheres que se encontram na mesma situação”. Além disso, a especialista em direitos das mulheres disse que aguarda a conclusão do inquérito e o entendimento do Ministério Público (leia íntegra abaixo).
Após a apresentação da denúncia, a Justiça de São Paulo concedeu medidas protetivas em favor de Cíntia. De acordo com a decisão, Lucas está proibido de se aproximar da ofendida e de familiares e de se comunicar com ela, além de não poder frequentar os mesmos lugares que a ex-mulher, sob pena de prisão preventiva.
O que diz Lucas Bove
Em nota, a defesa de Lucas Bove disse:
“Na qualidade de advogados e procuradores do Deputado Lucas Bove, informamos que fomos surpreendidos com a divulgação na mídia e re- des sociais de matérias sobre o seu relacionamento com sua ex-esposa, de cunho sensacionalista e conteúdo ofensivo, em desrespeito ao sigilo que envolve o processo, numa atitude que visa única e exclusivamente tentar macular a honra e dignidade de nosso constituído, homem público, de caráter elogiável e da mais ilibada reputação.
A defesa constituída, por ora, em respeito às regras processuais e à Justiça, se limita a afirmar a mais absoluta inocência do Sr. Lucas Bove, que brevemente será devidamente comprovada nos autos, foro apropriado para tratar das aleivosias lhe assacadas, contra as quais tomará as oportunas medidas cabíveis para responsabilizar seus detratores pelos danos causados, em todas as esferas”.
Defesa de Cíntia Chagas
Em nota, a advogada Gabriela Manssur disse:
“Lamento o vazamento dos processos judiciais de violência doméstica sobre o relacionamento de Cintia Chagas e Lucas Bove. O segredo de justiça tem por objetivo proteger exatamente a privacidade da mulher em situação de violência, caso ela opte por não expor publicamente os fatos, como foi a escolha de Cintia.
Ocorre que, com o divórcio repentino, por ela ser pessoa pública, ele ser Deputado Estadual, além da curiosidade das pessoas, a divulgação dos fatos, sem o conhecimento de Cintia, foi inevitável e, por si só, demonstrou que o rompimento do vínculo matrimonial teve uma motivação comprovadamente grave e necessária.
Como especialista em direitos das mulheres e advogada de Cintia, reputo sua a decisão em comunicar os fatos às autoridades competentes, como uma ato de coragem, de proteção à sua integridade física, psíquica e moral e, acima de tudo, como uma medida de sobrevivência, servindo de exemplo para todas as mulheres que se encontram na mesma situação, a fim de evitar que um ciclo de violência doméstica evolua para casos mais graves.
É como ocorreu no filme “É assim que acaba“: Cintia escolheu a si própria, evitando maiores prejuízos à sua vida e também à sua carreira construída com muito esforço e dedicação, mérito somente dela e que lhe garante a sua independência financeira. Vamos aguardar a conclusão do inquérito policial e entendimento do Ministério Público sobre os fatos. O processo segue em segredo de justiça”.