Gerardo Rodrigues da Silva, de 65 anos, foi condenado, em 2023, a mais de 15 anos de prisão por um roubo a banco, que aconteceu em 2020 em Codó, município no interior do Maranhão. No entanto, a família e a defesa alegam que, no dia do crime, o idoso fez saques bancários em uma agência de Fortaleza, ou seja, a 800 km de distância onde o crime aconteceu.
➡️ O crime: Em novembro de 2020, o gerente de um banco no município de Codó (MA), com esposa, filhas e uma empregada doméstica, sofreram um sequestro. O grupo de quatro criminosos exigiu que o gerente entregasse a eles R$ 2 milhões.
➡️ ‘Vulgo Paulista’: no celular de Antonio Soares da Silva, um dos criminosos, a Polícia achou um número de telefone com DDD 11, código da Grande São Paulo. A linha telefônica estava no nome de Gerardo Rodrigues da Silva, que morou por mais de 40 anos em São Paulo, e é primo de segundo grau de Antonio.
➡️ Condenação: as vítimas do sequestro reconheceram Gerardo, após a Polícia apresentar uma foto dele retirada de uma CNH. O reconhecimento e o parentesco de Gerardo com Antonio pesaram para a decisão judicial pela condenação dele.
➡️ Alegação da família e da defesa: advogados e familiares de Gerardo pedem a anulação da condenação dele, argumentando que, no dia do crime, ele fez um saque bancário usando reconhecimento biométrico em uma agência de Fortaleza. Ou seja, que ele estava a 800 km de distância de Codó. Eles também contestam o reconhecimento por foto.
➡️ O que dizem os órgãos oficiais: O g1 questionou a Justiça do Maranhão, que apenas compartilhou o link onde os processos judiciais podem ser consultados. O Ministério Público do Maranhão também foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
Em novembro de 2020, o gerente de um banco no município de Codó, junto à esposa, filhas e uma empregada doméstica, sofreram um sequestro e os criminosos exigiram que o gerente entregasse a eles R$ 2 milhões.
O grupo criminoso não conseguiu sucesso na ação. Em confronto com policiais, dois criminosos (Antonio Soares da Silva e Claudemir Ferreira da Silva) morreram baleados. Antonio era primo de segundo grau de Gerardo — o idoso que a família alegou ter sido condenado erroneamente.
Na investigação do crime, os policiais descobriram que o líder do grupo criminoso era um homem de apelido “Paulista”. A partir dessa informação, eles encontraram no celular de Antonio (apreendido após a morte dele) um número de telefone com DDD 11, código de área da Grande São Paulo. A linha telefônica tinha Gerardo como titular.
Gerardo é cearense, mas morou mais de 40 anos em São Paulo. No início de 2020, ele decidiu voltar para Fortaleza para ficar mais próximo da família. A relação familiar com um dos suspeitos e o telefone com DDD 11 colocaram Gerardo sob suspeita de ser o líder do grupo criminoso (que tinha o apelido de “Paulista”).
A defesa de Gerardo, representada pelos advogados Camila Bouza, Evelyn Massetti e Rodrigo Tolmasquim, busca a anulação da condenação (ou que, por ora, ele consiga, pelo menos, responder em liberdade), e criticou como os processos investigativo e judicial foram realizados.
Gerardo foi reconhecido pelas vítimas do sequestro duas vezes, com base em uma fotografia retirada da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) dele. A Polícia apresentou o documento às vítimas, que reconheceram o idoso pela imagem.
Foto da CNH de Gerardo Rodrigues da Silva, apresentada às vítimas do sequestro. — Foto: Reprodução
No entanto, a defesa contestou essa prova, pois a CNH de Gerardo possuía uma foto tirada em 2003, ou seja, 17 anos antes do crime. “Foi um reconhecimento pessoal falho, em desacordo com a lei. E também teve a questão aí da única prova, supostamente contundente, é que era o único telefone 11 que tava na agenda de um dos criminosos”, apontou a advogada Camila Bouza.
“Eu acho que naquele afã de dar uma devolutiva pra sociedade, acabaram fazendo uma investigação muito ruim e tão mantendo há três anos um inocente preso”, complementou Camila.
“Não se pode mostrar uma única foto para as vítimas reconhecerem, porque toda situação de violência que elas foram submetidas faz o cérebro humano criar até falsas memórias. Elas [as vítimas] foram inconscientemente induzidas a reconhecer aquela pessoa”, reforçou a advogada Evelyn Massetti.
O g1 questionou a Justiça do Maranhão, que se limitou a compartilhar o link onde os processos judiciais podem ser consultados. O Ministério Público do Maranhão também foi procurado, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
“O primeiro erro, que a gente acha que foi o principal, porque foi onde começou essa grande sucessão de erros, foi como a investigação policial chegou ao telefone do Gerardo; apenas pelo número de telefone dele que estava salvo no contato de um dos envolvidos no crime, que era o primo dele, de segundo grau”, comentou Evelyn.
“Esse contato não estava em nenhum dos grupos do WhatsApp que foram vistos no telefone de outros envolvidos. Então, assim, a única coisa que fez a polícia chegar até o Gerardo foi ter um DDD 11. Com base nesse DDD 11, eles entraram no sistema, viram quem era o titular daquele número de telefone e viram que era o seu Gerardo”, complementou a advogada.
A defesa argumentou que, no dia do crime (16 de novembro de 2021), Gerardo fez movimentações bancárias — que exigiam reconhecimento por biometria — em uma agência de Fortaleza. Além disso, sete pessoas testemunharam afirmando ter visto Gerardo em Fortaleza no dia do crime.
“Ou seja, não foi uma senha que o seu Gerardo poderia ter passado para um filho ou um familiar que tivesse feito a operação por ele. Foi reconhecida a operação por biometria. Ou seja, ele estava em Fortaleza no dia dos fatos, colocando o dedo dele para fazer uma operação bancária”, disse Evelyn Massetti.
“E a gente sabe que os bancos, mais do que qualquer outro segmento, têm muita preocupação com segurança”, reforçou a advogada. O banco, inclusive, confirmou à Justiça as movimentações bancárias usando biometria de Gerardo.
Sobre o saque bancário em Fortaleza, a Justiça avaliou que a argumentação “não merece acolhida”. “O fato do caixa eletrônico necessitar de biometria para realizar um saque não quer dizer que a biometria cadastrada seja do acusado. Tal fato é insuficiente para atestar o pretendido pelo acusado, de que estava em Fortaleza-CE na data dos fatos em apuração em Codó-MA”, disse a decisão judicial.
“Além dos depoimentos das testemunhas falando que ele se encontrava em Fortaleza no dia dos fatos, um dos acusados que se encontra preso, testemunhou em audiência que jamais tinha visto o seu Gerardo antes da prisão dele”, comentou o advogado Rodrigo Tolmasquim.
“Alguém que, de fato, foi pego em flagrante, foi preso pelo crime ocorrido, testemunhou no sentido de que ele jamais tinha visto o seu Gerardo. Ou seja, que o seu Gerardo era um desconhecido completo para quem, de fato, tinha participado da empreitada criminosa”, complementou o advogado.
O homem preso citado por Rodrigo é Francisco Lopes Justino, que teria afirmado fazer parte de uma organização criminosa especializada em “sapatinho”, que é o roubo mediante sequestro. Foi Justino quem citou o criminoso “Paulista”.
A defesa apontou que “Paulista” é, na verdade, Marcos de Oliveira Silva. O nome dele (com o apelido) chegou a constar na lista de criminosos mais procurados do Ceará
O gerente do banco foi abordado, no momento em que entrava em casa, por um criminoso armado, que anunciou um sequestro, e disse que a vítima teria de sacar R$ 2 milhões no cofre do banco na manhã do dia seguinte. Na casa, estavam também as filhas do gerente.
O sequestro durou horas, entrando pelo dia seguinte. Outros três criminosos também participaram da ação; um deles, conforme a Justiça do Maranhão, seria Gerardo. No dia seguinte, a mulher do gerente e uma funcionária da casa também foram feitas de refém pelo grupo criminoso.
O gerente do banco, conforme a Justiça, teria apontado Gerardo como indivíduo que colocou explosivos na cintura dele. A esposa do gerente também reconheceu Gerardo como participante do crime. A decisão da Justiça, com base em todas as informações apresentadas, apontou Gerardo como líder do grupo e da ação criminosa.
Familiares lamentam distância de Gerardo, preso no Maranhão. — Foto: Arquivo pessoal
Em abril de 2023, Gerardo foi condenado a 15 anos, 11 meses e 14 dias, além de 93 dias-multa, inicialmente em regime fechado por roubo, integrar organização criminosa e extorsão mediante sequestro.
“Nós como familiares estamos em busca de justiça para que ele volte para casa, para que ele possa ser cuidado, para que cuidem da saúde dele, do psicológico dele. São três anos muito difíceis”, lamentou uma familiar de Gerardo, que prefere não ser identificada.
Preso desde 2021, a família lamenta a falta de contato com Gerardo. “Tem sido dias difíceis, são três anos em busca de justiça. Ele é inocente, ele tem uma família e ele é o maior exemplo para toda a família dele, ele é um exemplo de pai, ele é um exemplo de irmão”, disse a familiar ouvida pelo g1.
“A gente precisa fazer vaquinha para realizar visita para ele, e não é sempre que consegue visitar ele, porque é muito caro você sair de um estado para visitar a pessoa em outro. E o pior, num estado que ele nunca nem pisou e nem a gente como familiar nunca tinha pisado”, complementou. Gerardo está preso em São Luís, capital maranhense, distante a mais de mil quilômetros de Fortaleza.
“Ele é um grande exemplo, é um exemplo de homem, ele é um exemplo de caráter, ele cria um neto como se fosse o filho dele, porque o neto dele é filho de mãe solo, então ele é a maior rede de apoio para a criação do neto dele, o neto dele sente muita falta dele. São três anos que eu sinto falta dos conselhos dele, do abraço dele, três anos de muita saudade e eu não fazia ideia do quanto a saudade era uma dor cruel”, desabafou a mulher.