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Jovens de Alagoas são vítimas de golpe no RJ; MP investiga

MP do Rio de Janeiro investiga suspeito de aplicar golpes em jovens alagoanos

Fabiano Rocha / EXTRA

Jovem veio de Alagoas para tentar o sonho de ser jogador de futebol no Rio de Janeiro

Uma matéria veiculada no Jornal Extra do Rio de Janeiro traz a história de 38 garotos alagoanos, entre 13 a 21 anos, que foram levados do interior de Alagoas e da periferia da capital há 40 dias, acreditando na falsa promessa de que participariam de testes para jogar futebol no Vasco e no Fluminense.

Após uma denúncia anônima, a Secretaria estadual de Direitos Humanos do Rio de Janeiro descobriu que os meninos eram submetidos a condições indignas numa casa alugada em Guapimirim, na Baixada Fluminense, violando diversos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Sem autorização formal dos pais para estarem no Rio, dividiam um único banheiro e eram os responsáveis por limpar a casa e lavar as roupas. O Ministério Público ajuizou uma ação civil pública, e o grupo volta esta semana para Alagoas. Na bagagem, os sonhos destruídos.

— Ele [acusado] mexeu com o meu sonho e o dos moleques. Não estou nem dormindo direito — contou um dos meninos.

Segundo apurou o Extra, o responsável por levar o grupo seria o diretor de um projeto chamado ‘Gool de Placa’, que levaria garotos carentes do Nordeste para testes (as chamadas peneiras) no Rio. Cada menino teria pago a quantia de R$ 550 ao acusado, que seria candidato a deputado no estado de Alagoas. O valor pago pelos garotos seria para custear a viagem de ônibus ao Rio.

O Vasco e o Fluminense negam conhecer o diretor do projeto, que teria prometido a oito meninos um contrato com um time na Bélgica. A suposta viagem seria em novembro. Ao ser ouvido no MP, no entanto, o acusado não soube dizer o nome do time ou de um eventual contato no país europeu, tampouco sabia que a moeda belga é o euro ou que uma das línguas faladas é o francês.

— Enviei cópias da ação para o MP Federal e o MP do Trabalho, para que analisem se ocorreu tráfico de pessoas e trabalho infantil, respectivamente. Como há viagem marcada para a Bélgica se eles sequer têm passaporte? — explicou a promotora Soraia Salles, responsável pela ação.

Trabalho diário

Não há TV no local, e todos dormem em colchonetes finos. Segundo relatos, os adolescentes estavam sob responsabilidade de uma funcionária e da mãe de um dos meninos. No local é possível perceber que os garotos fazem as atividades domésticas, seguindo uma escala diária de trabalho. Caso não aceitem, são ameaçados com a perspectiva de retornar para Alagoas.

— Coloco disciplina. Eles têm medo. Exijo respeito. Sou muito carinhosa, mas existe a hora da disciplina. Os pais sabiam que eles viriam ajudar a gente nas tarefas. Ninguém pode dizer “meu pai não sabia disso” — disse a funcionária, que trabalha no local há dois meses.

A Secretaria de Direitos Humanos discordou:

— Os garotos estão fora da escola, sem acomodações dignas. É a exploração da vulnerabilidade — lamentou Monalyza Alves, da Casa de Direitos, órgão da secretaria.

Menino tratado como ídolo em Alagoas

Um dos jovens enganados pelo diretor do projeto com a promessa de ir jogar na Bélgica já era tratado como ídolo em sua cidade, no interior de Alagoas. Animado, o menino deu entrevistas ao vivo para a rádio da cidade.

— Todos na minha cidade estão muito felizes com essa novidade. Antes de viajar para a Bélgica, quero ir lá visitar todos. Acho que vou ser recebido com festa — contou o menino.

O MP identificou pelo menos três violações ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Primeiro, a falta de acesso a educação, já que apenas cinco garotos estão matriculados na rede pública. Segundo, o precário acesso a saúde, pois os meninos relataram dificuldade de atendimento médico quando um deles passou mal. Finalmente, a falta de convivência familiar: eles estão há quase dois meses longe de casa.

Ainda não está claro qual seria o benefício do suposto candidato a deputado ao enganar os garotos. Ele os selecionou em eventos pelo interior. A viagem de ônibus para o Rio seria custeada em parte pela contribuição dos pais, que concordaram com a viagem dos meninos. Quase todas as famílias já foram contatadas pelo MP e confirmaram, mas não foi apresentada nenhuma procuração que o autorizasse a estar com os garotos. Do total, 30 têm menos de 18 anos. Três dos maiores de idade retornaram para o Nordeste há duas semanas.

O retorno dos demais será pago pela Prefeitura de Guapimirim e pelo governo do estado, que são réus na ação ajuizada pelo MP. A casa em que os garotos estão é vigiada por um carro da PM. Psicólogos e assistentes sociais da Prefeitura de Guapimirim e do estado têm conversado com o grupo. Alguns choram todos os dias. Na casa, eles dizem que a proprietária impede o uso do campo de futebol, para que o gramado não seja gasto. A única bola foi embora com o suspeito. A da foto acima foi levada pela equipe do EXTRA.

Procurado, o acusado não respondeu aos recados. Ao MP, ele não mostrou nenhum documento que provasse ter contatos no Rio para os supostos testes.