'Quero mostrar outro Brasil', diz cientista que prepara chute de paraplégico na Copa
No dia 12 de junho, o Itaquerão será palco de dois eventos históricos – e não apenas um.
O primeiro deles será a abertura da Copa do Mundo, um evento que volta a ser sediado no Brasil depois de 64 anos.
O outro é a estreia de uma tecnologia de ponta que, segundo cientistas, pode ajudar a mudar a vida de milhões de pessoas pelo mundo.
Na abertura da Copa do Mundo com o jogo Brasil x Croácia, será feita a primeira demonstração pública de um exoesqueleto controlado pela mente, que permite que pessoas paraplégicas caminhem.
Se tudo der certo, a roupa robótica será vista por 70 mil pessoas no estádio e por bilhões em todo o mundo, na televisão.
O exoesqueleto foi desenvolvido por um grupo de cientistas que fazem parte do projeto Walk Again (‘Caminhar de Novo’), e é o resultado de anos de pesquisa de Miguel Nicolelis, um neurocientista brasileiro que trabalha na universidade de Duke, nos Estados Unidos.
Nicolelis acredita que a demonstração na Copa é uma forma de promover também a imagem dos cientistas brasileiros.
"Também é a nossa intenção mostrar para o mundo um outro Brasil. Mostrar que aqui no Brasil também se pode fazer grandes projetos científicos com impacto humanitário e mostrar que existe um outro país, um país que cresceu muito nos últimos anos, melhorou a vida de muita gente, mas que ainda pode fazer coisas muito impressionantes não só para os brasileiros, mas para todo o mundo."
Exoesqueleto
Em 2003, Nicolelis mostrou que macacos conseguiam controlar os movimentos de braços virtuais em um avatar através da atividade de seus cérebros.
Desde novembro, Nicolelis vem fazendo testes e treinamentos com oito pacientes em um laboratório em São Paulo. A imprensa especula que talvez um deles possa levantar de sua cadeira de rodas e dar o pontapé inicial no jogo entre Brasil e Croácia, na estreia da Copa.
"Esse era o plano original", revelou Nicolelis à BBC. "Mas nem eu posso falar sobre detalhes específicos de como será esta demonstração. Tudo está sendo discutido neste momento."
Nicolelis explica que todos os pacientes têm mais de 20 anos de idade. O mais velho tem cerca de 35.
"Começamos treinando em um ambiente virtual com simulador. Nos primeiros dias, quatro pacientes usaram o exoesqueleto para dar seus primeiros passos e um deles usou o controle mental para chutar uma bola."
"Agora aumentamos nossas metas. O exoesqueleto está sendo controlado por atividade cerebral e está enviando sinais de retorno para o paciente."
Um capacete vestido pelo paciente capta os sinais do cérebro e os repassa para um computador na mochila do exoesqueleto que decodifica os sinais e os envia para as pernas. O terno robótico usa pistões hidráulicos e uma bateria, que dura duas horas.
"A ideia básica é que estamos gravando os sinais do cérebro e que depois estes sinais estão sendo traduzidos em comandos para que o robô comece a se mexer", explica Gordon Cheng, da Universidade Técnica de Munique, que trabalhou com Nicolelis e pesquisadores na França para construir o exoesqueleto.
"Estou mais na parte de engenharia e técnica, e uma das tecnologias fundamentais com a qual estamos contribuindo é o sensor que é de ponta", disse Cheng à BBC.
O sensor na pele artificial do robô consegue captar o ambiente de forma semelhante aos humanos.
"Quando o pé do exoesqueleto toca o chão, existe pressão e o sensor capta essa pressão. Antes que o pé toque o chão também existe um sensor pré-contato", explica ele.
"O sensor também registra a temperatura e informações sobre vibrações."
Nicolelis explicou que quando o exoesqueleto começa a se mexer e toca o chão, o sinal é transmitido para um vibrador eletrônico no braço do paciente.
"Quando você pratica por bastante tempo, o cérebro começa a associar esse movimento das pernas à vibração no braço. O paciente começa então a desenvolver uma sensação de que possui pernas e é assim que ele começa a caminhar."
Os componentes são construídos em diversos países.
"Estamos usando material feito com impressoras 3-D, a partir de plástico resistente, alguns deles mais fortes que metal e muito leves. E, é claro, estamos usando alumínio."
Alguns críticos disseram que a apresentação pública na Copa poderá passar a impressão falsa de que esta tecnologia estará disponível a todos em breve.
Nicolelis faz questão de deixar claro que isso é ‘só o começo’. Cheng acredita que a tecnologia estará disponível pelo menos dentro dos próximos 20 anos.
"É assim que a ciência avança. Você precisa demonstrar e testar os conceitos. É uma forma de dizer à sociedade civil, que paga pela ciência no mundo, de que temos a possibilidade de sonhar com esta realidade, porque ká estamos trabalhando de forma experimental."
O ideal da ciência como forma de transformação social é um dos princípios do centro de pesquisas montado por Nicolelis em 2005 em Natal – o Instituto Internacional de Neurociência de Natal Edmond e Lily Safra (ELS-IINN), com contribuição da milionária família de banqueiros.
O centro conta não só com laboratórios, mas também com uma escola de ciências que atende 1,5 mil crianças e uma clínica que faz atendimento pré-natal gratuito para 12 mil mulheres por ano.