Fantástico obteve gravação de depoimento prestado por Leandro Boldrini. Madrasta e amiga também estão presos pelo assassinato cometido em abril.
O médico Leandro Boldrini, acusado da morte do filho Bernardo, de 11 anos, negou a participação no assassinato cometido em 4 de abril. O programa Fantástico, da TV Globo, teve acesso ao depoimento dado pelo réu na última quarta-feira (28) na Penitenciária de Charqueadas, na Região Carbonífera do Rio Grande do Sul, onde está preso preventivamente, diante de um detector de mentiras (veja no vídeo). "Eu não fui o mentor da morte do Bernardo. Eu não planejei. Jamais faria uma coisa destas. Fizeram um troço alheio ao meu conhecimento", disse Leandro.
Durante a investigação, a polícia quis que o médico passasse pelo detector, com um perito oficial, mas ele não aceitou. Nesta semana, como estratégia de defesa, Leandro respondeu a 40 perguntas para um perito que havia procurado o advogado Jader Marques, que representa o acusado. Marques diz que o técnico se ofereceu para fazer o teste de graça porque acreditava na inocência de Leandro.
O Tribunal de Justiça confirmou que a solicitação foi feita por Marques. O Ministério Público Estadual (MP) concordou, fato levado em consideração na decisão judicial. No pedido protocolado na Justiça, a proposta do defensor era submeter o cliente ao teste para verificar a veracidade das informações prestadas.
O equipamento apontou que o médico dizia a verdade ao garantir que não teve participação no crime. Referindo-se à sua mulher, Graciele Ugulini, como "Kelly", ele afirmou que, ao contrário do que apontam a Polícia Civil e o Ministério Público, não contribuiu com a madrasta do filho, acusada de aplicar a injeção letal que o matou.
"Eu gostava do Bernardo. Gosto dele até ainda hoje", disse Leandro. "Não financiei a Kelly de maneira alguma para matar o Bernardo. Se ela obteve algum recurso financeiro, foi de forma escusa. Foi de forma que eu não tive o conhecimento", acrescentou, diante do detector de mentiras, que apontou a veracidade na declaração.
O corpo de Bernardo, que tinha 11 anos, foi encontrado enterrado em 14 de abril em um matagal no município de Frederico Westphalen, no norte do estado, a cerca de 80 km de Três Passos, no noroeste, onde o garoto morava. Acusados de homicídio, o pai da criança, a madrasta e a amiga Edelvania Wirganovicz são réus no processo. O irmão de Edelvania Evandro Wirganovicz é acusado de ocultação de cadáver. Os quatro estão presos.
Relacionamento da criança com madrasta
Boldrini ficou frente a frente com o perito. Em duas horas, o médico falou sem se exaltar e nem chorar. Ele reconheceu que o relacionamento de Bernardo com a madrasta não era bom.
"As agressões verbais tanto do Bernardo contra ela existiam, dela contra o Bernardo existiam, mas eu nunca presenciei agressão física. O fato de ela ter interpretado de eu não gostar do Bernardo é o comportamento que era gerado dentro de casa, que era uma coisa que me desagradava e que desagradaria qualquer pai. O Bernardo não tolerava assim dizer não. Ele não tolerava um ‘não’".
O detector de mentiras aponta que é verdade que o pai nunca viu a mulher bater no filho. Porém, segundo o laudo, "muito provavelmente Leandro não está sendo verdadeiro quando afirma que Bernardo não tolerava um ‘não’".
Ida do menino ao Conselho Tutelar
Leandro foi questionado sobre o que aconteceu depois que o menino, de apenas 11 anos, tomou a iniciativa de ir até o Conselho Tutelar três meses antes de morrer, dizendo que queria mais carinho da família. "Procurava conversar mais com o Bernardo, dar atenção pra ele. Enfim, ter um contato mais próximo, uma aproximação maior com ele", disse Leandro diante do detector de mentiras, que apontou veracidade.
Ao denunciar Leandro pela morte do filho, o Ministério Público apontou que a herança de Bernardo foi um dos motivos do crime. Leandro disse que não quer mais o dinheiro. "Renuncio a esses bens. Renuncio em favor do Bernardo e em favor da avó", afirmou.
Ainda diante do equipamento, Leandro falou como se define. "Acredito que eu seja uma pessoa que seja bem racional, que não se apavora por qualquer tipo de coisa", declarou.
O advogado de Boldrini afirma que já esperava o resultado do depoimento. "O resultado, na minha expectativa, já era esperado. Efetivamente não há elementos da participação de Leandro nesse caso", afirmou.
Eficácia do aparelho é contestada
Detector de mentiras semelhantes ao usado em Charqueadas foram vendidos à Polícia Civil pelo mesmo perito que analisou a fala do médico. Segundo o fabricante, um programa de computador de tecnologia israelense avalia por meio da frequência de voz se a pessoa diz a verdade. Para o investigador Demétrio Peixoto, é impossível enganar o sistema.
"Não tem essa possibilidade porque o sistema é todo baseado na leitura cerebral, na leitura do pensamento", afirmou.
O presidente da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas, Luiz Flávio Durso, discorda. "A ausência de base cientifica é tão grande que esta providência não pode ser considerada uma prova e não tem sustentação de comprovação de resultado", afirmou.
O subprocurador geral de Justiça do Rio Grande do Sul, Marcelo Lemos Dornelles, também contesta o resultado. "Este detector é facilmente enganável porque a pessoa pode se preparar para as perguntas e para as respostas. Portanto, quando vem da defesa, normalmente nós entendemos que eles já sabem que vai ser um fator positivo", afirmou.
Já o técnico no uso do aparelho que fez o teste em Leandro acredita na eficácia. Questionado se acredita na veracidade do depoimento, disse que "em relação ao resultado" tem certeza.
Dornelles acredita na participação de Boldrini no crime, mesmo que indireta. "Não há elementos de que ele efetivamente tenha matado, mas ele contribuiu em todos os momentos pra que isso acontecesse", afirma.
O advogado da avó materna de Bernardo, Marlon Taborda, duvida da eficiência do detector de mentiras. "Vejo que é um direito dele utilizar, mas eu não acredito que possa ter eficácia perante pessoas frias, pessoas que possam ter um transtorno antissocial", diz.
Indiciamentos
O pai, a madrasta e a assistente social foram indiciados pelos crimes de homicídio qualificado, com os qualificadores "mediante paga ou promessa de recompensa, motivo fútil, meio insidioso, dissimulação e recurso que impossibilitou a defesa da vítima", conforme a polícia, e ocultação de cadáver.
Leandro Boldrini: atuou no crime de homicídio e ocultação de cadáver como mentor, juntamente com Graciele. Ele também auxiliou na compra do remédio Midazolan em comprimidos, fornecendo a receita azul. Leandro e Graciele arquitetaram o plano, assim como a história para que tal crime ficasse impune.
Graciele Ugulini: mentora e executora do delito de homicídio, bem como da ocultação do cadáver.
Edelvânia Wirganovicz: executora do delito de homicídio e da ocultação do cadáver.
Entenda
Conforme alegou a família, Bernardo teria sido visto pela última vez às 18h do dia 4 de abril, quando ia dormir na casa de um amigo, que ficava a duas quadras de distância da residência da família. No domingo (6), o pai do menino disse que foi até a casa do amigo, mas foi comunicado que o filho não estava lá e nem havia chegado nos dias anteriores.
No início da tarde do dia 4, a madrasta foi multada por excesso de velocidade. A infração foi registrada na ERS-472, em um trecho entre os municípios de Tenente Portela e Palmitinho. Graciele trafegava a 117 km/h e seguia em direção a Frederico Westphalen. O Comando Rodoviário da Brigada Militar (CRBM) disse que ela estava acompanhada do menino.
"O menino estava no banco de trás do carro e não parecia ameaçado ou assustado. Já a mulher estava calma, muito calma, mesmo depois de ser multada", relatou o sargento Carlos Vanderlei da Veiga, do CRBM. A madrasta informou que ia a Frederico Westphalen comprar um televisor.
O pai registrou o desaparecimento do menino no dia 6, e a polícia começou a investigar o caso. Na segunda-feira, 14 de abril, o corpo do garoto foi localizado. De acordo com a delegada responsável pela investigação, o menino foi morto por uma injeção letal.